4 Informação: o Lixo da Indigência Artificial

Versão 0.1.10 - 08/10/202420

4.1 Introdução

Algumas palavras soam inofensivas mas trazem em si um pesadelo. Por isso, muitos conceitos precisam ser demolidos antes de serem usados. Informação é um deles. Vamos lá?

Trataremos de informação, inteligência e apocalipse. O que uma coisa tem a ver com outra?

Contarei Uma Breve História da Informação – talvez um dos conceitos mais colonizador e colonizado – no triste enfoque eurocêntrico dos processos ditos civilizatórios, num intervalo de dois a quatro mil anos, envolvendo cerca de 300 gerações de gentes, da antiguidade até as recentes armas de destruição em massa.

Trataremos do que foi, do que é e do que pode vir a ser Informação: as origens, transformações e destinos desta palavra, e como ela sempre esteve associada ao que atualmente chamaríamos de controle biológico, individual, social e maquínico.

Tentarei decifrar o “código” por detrás da “informação”, digamos assim, e mostrar como outros tipos de conceitos de informação são necessários, já que o atualmente hegemônico esta associado à guerra e à destruição21.

Minha crítica tende a ser pesada e indigesta na tentativa de que não seja absorvida pelo sistema que ela tanto critica. Abordagens mais brandas foram facilmente assimiladas no passado, numa dinâmica já apresentada em trabalho anterior22. Para uma outra história da “informação” menos perturbadora e mais tranquila, recomendo Gleick (2011).

Há um esforço ativo em parte da filosofia ocidental contemporânea de retirar qualquer carga histórica do conceito de informação, de torná-lo a-histórico e consequentemente aplicável a qualquer momento; também de universalizá-lo, para que se aplique a qualquer situação, como aponta Peters (1988)23.

A informação tem sido alçada a um conceito metafísico último, além até de matéria e energia24, talvez até de espaço ou tempo, numa realização máxima do “ideal” das teoria das ideias e das doutrina das formas, de “conhecer” aquilo que só pode ser conhecido quando quando é intangível para os sentidos. Também seria aderente a qualquer sistema ontológico-filosófico, além de um conceito fundamental da epistemologia25.

Trata-se de um “take over”, uma tomada de controle conceitual26:

PI [Philosophy of Information] possesses one of the most powerful conceptual vocabularies ever devised in philosophy. This is because we can rely on informational concepts whenever a complete understanding of some series of events is unavailable or unnecessary for providing an explanation. In philosophy, this means that virtually any issue can be rephrased in informational terms. This semantic power is a great advantage of PI understood as a methodology […]. It shows that we are dealing with an influential paradigm, describable in terms of an informational philosophy. But it may also be a problem, because a metaphorically pan-informational approach can lead to a dangerous equivocation, namely thinking that since any x can be described in (more or less metaphorically) informational terms, then the nature of any x is genuinely informational. And the equivocation obscures PI’s specificity as a philosophical field with its own subject. PI runs the risk of becoming synonymous with philosophy.

Isso tem ocorrido mediante um reiterado processo de desinteresse, ou mesmo invisibilização histórico-narrativa da genealogia deste termo, com uma criação de consenso tão forte que torna difícil propor modos de pensar que escapem do informacionalismo.

Necessário enfatizar que todo esse esforço resultou, no “plano teórico”, numa grande confusão do que seria “informação”. Apesar disso, na prática ocorreu uma redução conceitual da “informação” ligada principalmente à chamada “Teoria Matemática da Informação” de Shannon-Weaver sintetizada nos fins dos anos 1940.

Tal sacralização paradoxalmente também produz o efeito oposto, de aproximar o termo do que podemos entender por “poluição”, e que parece ser o pináculo conceitual desta palavra em sua trajetória colonizadora.

Daí que é preciso analisar os conceitos de informação numa perspectiva histórica e crítica, desfazendo uma espessa camada de mistificação em torno deste termo.

Este é um resgate etimológico, filosófico e metafísico dentro da tradição ocidental e eurocêntrica27, feito para que em seguida o conceito possa ser desconstruído, descolonizado, ressignificado ou mesmo destruído.

Também trataremos das mudanças na relação entre “informação” e “inteligência”, assim como mostraremos como o conceito de informação pode ser uma nova velha maneira para “ler” as mazelas do mundo28.

Tentaremos ir um pouco antes e um pouco além desta história crítica, com o amparo de estudos diversos e com a nossa própria contribuição.

A exposição a seguir será mais epifenomênica: por concisão, não trataremos de todas as “forças históricas” envolvidas, mas especialmente os efeitos_ delas nos conceitos abordados. A linha aqui seguida tende a ser compatível com aquela que historicamente é de chamada “materialista” – sem entrar agora no vasto tema do que é matéria, se ela existe etc – e talvez (des)construtivista – você é quem diz. Mas ela também não deixa de ser infraestrutural ao seu próprio modo, ao começar por “baixo” no campo do pensamento ao questionar alguns conceitos fundamentais. Desconstruindo-os já é possível desconstruir muita coisa, camada por camada:

  • Primeiro, retirando uma aura de mistificação sobre os conceitos de informação e inteligência. Aquilo que tem sido denominado de “informação” já não informa, e o que se chama de “inteligência artificial” está muito longe de ser algum tipo de “inteligência”. Esta aura também reduz a potência social para imaginar alternativas.
  • Em seguida, debruçando sobre os arranjos sociotécnicos concretos para constatar assimetrias, desigualdades, desperdícios etc.

Fica o convite para a leitura não-linear deste texto longo e cheio de detalhes, pulando trechos de acordo com o interesse e a curiosidade, ou apenas lendo o resumo a seguir.

4.2 Resumização

Informação virou Poluição. Inteligência virou Automação. Não estou defendendo nada disso, apenas constatando mudanças recentes dos últimos duzentos anos.

Aqui é feita uma crítica ao que se chama de “Inteligência Artificial” a partir de uma análise do que hoje mais usualmente é considerado como “Informação”.

Faço isso a partir da minha própria necessidade de entender como esses conceitos majoritários foram construídos historicamente. Foi pelo estudo da “Informação” que entendi a tendência do aumento da sua quantidade no mundo, associada a mecanismos mais e mais capazes tanto de “processá-la” quanto de “produzí-la” – dentre eles os que hoje são erroneamente chamados de “inteligências artificiais” e que basicamente consistem em procedimentos computacionais do tipo estatístico.

A compreensão de “Informação” então nos dá uma base crítica sobre “Inteligências Artificiais”.

Este estudo abrange o termo informação desde antes da sua existência e talvez até o princípio do seu fim, identificando três estágios principais:

  1. Ignismo dos períodos clássicos, quando a “chama” da informação acende.

  2. Iluminismo, com a ascensão da tocha do empirismo e dos dados estatísticos das burocracias estatais.

  3. Hiperluminismo, ou Explodismo, com o incêndio pela ascendência das tecnologias informacionais.

O conceito de in-formação surge, no ocidente, com anoção de uma formação intensa.

Mas o que seria forma?

  • Palavra de etimologia incerta, possivelmente oriunda do proto-indo-europeu.
  • Sua origem pode haver uma relação com a atribuição de beleza.
  • Usada para denotar o delineamento das coisas.
  • Posteriormente associada ao calor dos fornos.

Avento a hipótese de um conteúdo implícito na palavra forma: técnica e artesania do belo; e que a forma tem uma associação com as tecnologias dos fornos, da cerâmica, da ferraria.

Uma palavra para forma já existia no latim – fōrma –, e com traduções adicionais de conceitos filosóficos gregos ela vai ganhando ainda mais corpo:

Grego                     Latim

τύπος (typos)  \
μορφή (morfé)   \
                 >------> fōrma
εἶδος (eidos)   /
ἰδέα (idea)    /

Outros conceitos relacionados são traduzidos no latim como “informação” usados para explicar processos de formação intensa e específicos:

Grego                                      Latim

ὑποτύπωσις (hypotyposis)            \
ἐντυποῦν (entypoun)                  \
διάταξιν (diataxin)                   \    infōrmo
                                       >-> informatio
χαρακτηρισµός (charakterismos)        /    informis
μανθάνω (manthano) e πείθω (peitho)  /     ...
πρόληψις (prolepsis)                /

No período ignista, tanto “Forma” quanto “Informação” designam processos de modelagem de corpos baseados nas Doutrinas das Formas associadas ao pensamento dos filósofos gregos Platão e Aristóteles mais ou menos no seguinte esquema:

Plano/dimensão \
das Formas      \
                 \        Processo de
                  >-----> Formação    ----> Coisas
                 /        Intensa
                /
Matéria bruta  /

O processo de formação intensa poderia envolver um ser divino (demiurgo) capaz de acessar um “Plano”29 das Formas – indisponível para pobres mortais –, e conectá-lo à matéria bruta para modelá-la e assim produzir os seres existentes. Mas também poderia envolver formas de algum modo já pré-existentes nos seres – em gerais masculinos – cujas sementes ou sêmem poderiam se desenvolver na matéria bruta, reproduzindo a forma original.

Resumidamente, tais Doutrinas das Formas tem um caráter autoritário por implicitamente associar a possibilidade de alteração das formas (transformações) apenas a seres especiais, demiúrgicos, masculinos etc, atribuindo a outros seres num papel passivo. O papel de “inteligência” neste momento parece estar associado ao ato criativo.

Já no período iluminista, as “Informação” passam a designar processos formativos ocorrendo dentro da mente humana, não necessariamente reproduzindo com fidelidade as formas efetivamente das coisas, estão mais ligadas à sensações do que aos fatos. Inteligência representaria a capacidade de dar “sentido aos sentidos”.

É o começo de um deslocamento da “Forma”, que de um plano inacessível passará a habitar a mente humana. Essa mudança está associada à dita “revolução científica” de uma época e ao pensamento dos chamados empiristas. Uma abordagem semelhante ocorreria no nível dos nascentes Estados-Nação, com a necessidade de governar vastos territórios e numerosas populações, requerendo grande quantidades de informações – é a partir da “estadística”, o estudo dos Estados, que surge a estatística enquanto ciência nomeada enquanto tal.

O processo se intensifica. O Hiperluminismo é caracterizado por um aumento ainda maior do descolamento do conceito de “informação”, que agora não necessita mais habitar nenhum lugar (nem Plano das Formas, nem mente humana): “informação” seria imaterial e existiria por si própria.

O conceito também passa por uma atomização similar à que teve a matéria nas revoluções da física e da química: seria passível de redução a uma unidade fundamental, o bit, permitindo não somente que fosse tratada como mercadoria – já que tudo aquilo quantificável pode ser transacionado – como passaria a inundar o mundo.

Inteligência então se transforma na capacidade de ingerir e processar informação, produzindo “conhecimento”. Inteligência deste tipo passa a ser mais e mais uma questão fundamental não para obter vantagens competitivas entre indivíduos e empresas, como uma questão de “Segurança Nacional”. Consequentemente, promover a desinformação ao outro passa a ser o corolário, sendo crucial processar corretamente as informações úteis e promover informações e conhecimentos inúteis, senão mesmo falsos, para os inimigos.

A Informação passa a ser um novo campo – ou espectro – das guerras e disputas contemporâneas sob as seguintes diretivas implícitas nesta dinâmica:

  1. Obter e processar a maior quantidade de informações, produzindo o concimento estatégico de maior valor e já pronto para a tomada de decisões.
  2. Obter vantagem indireta da quantidade de informações de baixo valor cada vez mais disponível – pois a existência desta pode saturar os inimigos incapazes de arcar com os custos de selecionar o que vale e o que não vale.
  3. Eventualmente fomentar ativamente a produção de informação de baixa valoração.

A vantagem competitiva se traduz para a maior capacidade de processamento, isto é, de computação de toda essa massa informacional; e eventualmente também da capacidade de produção de mais informação.

Trocando em miúdos, “informação” tem se tornado um novo tipo de poluição, e somente quem possuir recursos suficientes conseguirá navegar nesse mar de lixo, não sem deixar pelo caminho ainda mais detritos. As (mal)ditas “Inteligências Artificiais” estão inseridas neste contexto de produção artificializada de indigência social.

As seções a seguir detalham essa história simultaneamente longa e rápida, e que pode ser resumida através deste esquematismo:

Ignismo                Iluminismo     Hiperluminismo
Forma -> Informação -> Estatística -> Indigência Artificial
                       Notícia        Privatização do "intelecto"
                       Dados          Neocolonialismo
                                      Vigilância
                                      Racismo algorítmico
                                      Poluição
                                      Guerra
                                      Bomba

Para não ficarmos apenas no fatalismo esquemático, também serão indicadas alternativas que nos fazem repensar e praticar novos arranjos informacionais e de disputa do que pode ser considerado como inteligência.

4.3 Originação

Ir muito atrás no passado dos conceitos nos leva a tempos de rastros escassos, pois muitas palavras precedem os registros escritos, e as principais fontes que sobram são os mitos e a etimologia.

Etimologia 4.1 (Informação: palavras originárias) Nossa história do termo informação começa com os quatro palavras gregas que são traduzidos como fōrma em latim30:

  1. τύπος (typos), por sua vez derivada de τύπτω (typto)31:

    • τύπτω (typto), significando “cutucar”, “atiçar”, “apunhalar”, com uma arma ou um pedaço de pau32. Viria do (proto-)indo-europeu (s)teup- (empurrar, bater)33.

    • τύπος (typos), significando algo como “assoprar”, “bater”; “emblema”/“estampa em relevo”/“selo”, “alto relevo”, “delineamento”, “forma”; “imagem”, “exemplo”, “tipo”, e seria uma construção pós-Homérica34.

  2. μορφή (morfé), significanto “delineamento”/“superfície” (?), “forma”, “beleza”, “graça”. De etimologia incerta, provavelmente do (Proto-)Indo-Europeu. A palavra lituana mergà (garota) é apontada como uma das sugestões de relação, mas não há etimologia conhecida. Poderia ter uma raíz \(*merg^{wh}-\)35.

  3. εἶδος (eidos), derivada de εἲδομαι (eidomai)36:

    • εἲδομαι (eidomai): “aparecer”, “parecer”, “assemelhar”, vinda do (Proto-)Indo-Europeu. Formalmente idêntica à sânscrita védas- (conhecimento, intuição), mas semanticamente não tão próxima. Poderia ter sido formada de εἶδος (eidos), e não o contrário.

    • εἶδος (eidos): “aparência”, “espécie”, “forma”. Corresponde a formas balto-eslávicas como a lituana véidas (face) ou do antigo eslavônico vidъ (aparência).

  4. ἰδέα (idea), derivada de ἰδεῖν (idein)37:

    • ἰδεῖν (idein): “ver”, “conhecer”, vinda do (proto-)indo-europeu \(*ueid-\), “ver”, vinda do verbo ἰδεῖν (“ver”, “conhecer”). Pode ter relação com εἶδος (eidos).

    • ἰδέα (idea): “aparência”, “forma”, daí a terminologia filosófica de “idéia”, “protótipo”, “categoria”.

Todas essas palavras foram traduzidas como fōrma em latim, a mesma de onde vem a palavra “forma” usada hoje em dia em muitos idiomas. Na época dessa tradução do grego para o latim, fōrma se tornou uma espécie de “guarda-chuva” terminológico, recebendo diversos conceitos originários no pensamento grego clássico, especialmente platônicos e aristotélicos.

Fōrma também se tornou a base para as palavras latinas infōrmo e infōrmātio, usadas para traduzir outros conceitos filosóficos da Grécia clássica e mais ou menos relacionados a typos, morfé, eidos e idea, e originadoras da atual palavra informação.

4.4 Formação

Mas o que foi e o que é fōrma? Ou melhor: qual é a origem da fōrma, isto é, de onde vem essa palavra?

E como se deu o processo de tradução dos quatro termos gregos originários para fōrma?

4.4.1 Etimologização

Etimologia 4.2 (Possíveis origens da palavra Forma) A etimologia de fōrma é incerta e inconclusiva. Existem algumas sugestões, mas nenhuma delas é satisfatória. Levanto algumas dessas conjecturas a seguir:

  1. Fōrma poderia ter vindo da palavra sânscrita dhar-i-man – que por sua vez significaria uma balança, um par de escalas um peso, assim como forma, figura, representação/aparência –, ou de uma ancestral comum entre ambas38.

    Parece-me que a maior semelhança entre fōrma e dhariman, além do significado, seria a sílaba ma compartilhada por ambas palavras. Mas essa conexão com o sânscrito parece um tanto quanto forçada. Também parece haver uma quantidade menor de dicionários etimológicos recentes que elencam esta possibilidade.

  1. Fōrma poderia ter vindo da palavra grega μορφή (morfé) ou de um ancestral comum entre ambas, ou seja, desde partida estaria tanto semanticamente como etimologicamente conectada a uma das suas quatro palavras gregos originárias39.

    A origem a partir de morfé é inconclusiva. Talvez a relação de forma com morfé só tenha sido estabelecida por traduções (ou seja, forma seria uma palavra pré-existente e usada para traduzir morfé do grego para o latim.

    Grosso modo, a grande dificuldade aqui consiste em explicar como morfé muda para morfa, e daí para forma, ou algo assim. Fazendo um trocadilho, seria como dizer da dificuldade em que “morfé morfa para forma”.

    Talvez a conexão entre ambas tenha se dado apenas no momento da tradução de conceitos de textos gregos quando vertidos para o latim, mas isso talvez contrarie a teoria da língua Proto-Indo-Européia das ancestralidades comuns entre esses idiomas.

  1. Fōrma poderia estar relacionada à raíz reconstruída do proto-indo-europeu \(bher-^{3}\), com significados ao redor de bater, cortar, etc40.
  1. Fōrma poderia ter vindo da palavra latina para “forno” e é relacionada por antigos comentaristas ao calor, por exemplo aos rubores gerados pelo amor e pelo vislumbre da beleza das formas41 – e em muitos exemplos às formas femininas. Esta é considerada uma etimologia popular, detalhada na Seção 4.10.1.

4.4.2 Utilização

Para esboçar cronologicamente a utilização desta palavra, chequei inicialmente a estrutura de ocorrências/significados do verbete fōrma no “Thesaurus Linguae Latinae”, cujo resumo encontra-se na Seção 4.10.2.

Deste breve levantamento, temos que uma das primeiras ocorrências escritas seria de Naevius (270-201 AEC) para a peça Danae42:

Contemplo placide formam et faciem virginis [I quietly scan the maiden’s form and face]

Outra ocorrência antiga é atribuída a Cato (234-149 AEC), vide menção e tradução de Georgescu (2020) pág. 21343:

‘mundo nomen impositum est ab eo mundo, qui supra nos est: forma enim eius est <. . .> adsimilis illae’; eius inferiorem partem veluti consecratam dis Manibus clausam omni tempore nisi his diebus, qui supra scripti sunt … (FEST. p. 154)

‘the name of the ‘mundus’ was given from that mundus that is above us: because its form is similar to that one [from above]; its inferior part, just as it is consecrated to the Manes gods, is closed all the time, except for those days mentioned before.’

Mas para ser mais conclusivo seria necessário se debruçar detalhadamente no verbete e melhorar a cronologia do uso da palavra.

4.4.3 Conjecturação

Com base no breve levantamento anterior, cheguei às seguintes conjecturas sobre a origem da palavra latina fōrma:

  1. Conjectura sobre a origem da palavra latina fōrma relacionada à beleza.

  2. Conjectura sobre a origem palavra latina fōrma relacionada ao conceito de molde.

    Esta conjectura consiste em considerar o significado originário de fōrma como um molde, ou modelo, compatível com os quatro conceitos gregos da “Teoria das Formas” platônico-aristotélica – τύπος (typos), μορφή (morfé), εἶδος (eidos) e ἰδέα (idea).

    Um molde, modelo, ou uma fôrma podem ter sido os significados originários da palavra latina fōrma.

    Ou aquilo que é o resultado de uma modelagem, um recorte, um delineamento.

    Forma originalmente como algo vem moldado. Deformado seria o oposto.

  3. Conjectura sobre a origem da palavra latina fōrma relacionada ao um material colocado num molde e levado ao calor dos fornos.

    Esta é a conjectura mais figurativa, mitológica e de mais difícil sustentação, levando adiante a conjectura de fōrma como originalmente referindo a um molde.

    Embora seja descartada pelos estudos etimológicos recentes, esta é a conjectura mais instigante, pela conexão entre forma e termodinâmica.

    Talvez esta seja uma daquelas situações onde as atuais teorias etimológicas falhem, e novas precisem surgir considerando também o papel das dinâmicas mitológicas, históricas e filosóficas.

    A etimologia nos leva até um limite de origem. Nos resta algumas especulações conjecturais.

    Mesmo que esta conjectura seja considerada inválida do ponto de vista linguístico, podemos considerá-la como uma analogia para ajudar a compreender como os processos de formação eram explicados, sem desconsiderar inteiramente a “etimologia popular” neste caso. Apesar de não ser compatível com as teorias atuais, essa conjectura dos antigos tem muito a nos dizer sobre como forma era interpretada: beleza que gera e é gerada pelo calor.

    Ela é baseada numa “etimologia popular” feita pelo gramático romano Aelius Donatus, que pode ter confundido a origem de fōrma com a de formus (calor), numa difícil transição das vogais que não é um caminho atualmente aceito pelo consenso da área.

    Mas e se, por um momento, reconsiderássemos essa conjectura, de que forma tenha um significado originário em processos produtivos associados a fornos e forjas, onde um material era moldado – muitas vezes numa fôrma, ganhando um formato definitivo pela ação do calor. Essas tecnologias parecem mais antigas que a língua latina, e talvez tenham tomado de empréstimo a atividade fabril para explicações antropomorfizadas da formação das coisas.

    Donatus faz essa etimologia baseada no que os “antigos” diziam, e com isso talvez não esteja fazendo uma observação etimológica e sim mitológica.

    O entendimento de vários processos de “formação” talvez derivem do vislumbre da fôrma e do calor dando a aparência e o comportamento para os corpos.

    Apesar da relação precária, a proximidade de fôrma e forno aquece a mente e impede que a similaridade seja totalmente ignorada. Talvez, e aqui segue um grande talvez, a palavra fōrma em latim tenha primeiramente servido para nomear o objeto usado para coser/assar/cozinhar alimentos, tijolos etc, isto é, um objeto usado para criar, consolidar, solidificar, cristalizar etc outros objetos. O processo de cozimento/consolidação ocorre com ingredientes materiais colocados dentro da fôrma e em seguida sendo expostos ao calor.

    Um próximo passo seria, por analogia, reaproveitar o termo fōrma para indicar o desenho, aparência, contorno etc de diversos objetos/seres, mesmo aqueles que não foram produzidor num forno com uma fôrma.

    Daí, talvez tenha sido confortável para os tradutores latinos dos conceitos platônicos e aristotélicos supracitados reutilizarem uma palavra já disponível e compatível. Ou seja, na tradução dos vários conceitos platônicos e aristotélicos a palavra fōrma pode ser sido reaproveitada para esse significado compatível com a analogia existente do processo de coser/assar algo até obter um objeto “formado”.

    Quando vários termos platônicos e aristotélicos relacionados a processos criativos foram traduzidos, a palavra forma talvez fosse a de sentido mais próxima e imediata para o entendimento do que se queria explicar.

    Ora, por que fōrma e não outra palavra do latim como folium (folha de planta/pétala)?

    Outras palavras com conotações construtivas também poderiam ter sido selecionadas. Mas por quê fōrma, e não outra, como martulus (martelo), de modo semelhante como a palavra grega typos (τύπος) teria vindo de de typto (τύπτω)?

    Por esta minha conjectura, fōrma teria sido mais apropriada não só pelo caráter modelador de uma fôrma, como pelo processo produtivo que requer calor para a consolidação de um objeto a partir de um material colocado num molde.

    Este processo forneceria uma imagem adequada para a compreensão de outros processos formativos.

    O significado amplo da palavra forma poderia ter sido forjado desta maneira? “Forma” então teria sido moldada44 no calor45 da fornalha46, fogo47? “Forma”, e consequentemente “informação”, viria desse amálgama, dessa fusão, dessa fornalha? Mito da Forma, como um mito da chegada do fogo.

  1. Com base em todos esse breve e limitado levantamento etimológico e filológico até aqui, arrisco a levantar uma conjectura adicional sobre a originem da palavra forma.

    Viria do (proto-)indo-europeu indicando forma e beleza, inicialmente associada às formas femininas consideradas como belas e talvez pela raiz \(*merg^{wh}-\) que derivaria posteriormente em morfé.

    Talvez “forma” e “beleza” já neste momento estivessem ligadas à mitos, lendas e concepções sobre a origem da mulher – por exemplo, de que teria sido moldada por um demiurgo, cortada a partir de outro corpo e modelada até adquirir uma beleza sedutora.

    Forma e beleza vão paulatinamente sendo associadas, no uso corriqueiro e também nas concepções e traduções de conceitos filosóficos e religiosos.

    Chega ao ponto de que forma, já na época de Donatus, passa a ser associada também ao calor e aos fornos, a ponto dessa conexão ser retrospectivamente e anacronicamente interpretada como o processo de originação da palavra forma.

    Não esqueçamos de Pandora, que dentro da mitologia sexista grega seria a primeira mulher, forjada/construída/moldada a partir do trabalho do deus grego Hefesto para ser bela e sedutora mas trazendo males à humanidade. Citando os versos originais seguidos pela tradução48:

    ὣς ἔφατ᾽: ἐκ δ᾽ ἐγέλασσε πατὴρ ἀνδρῶν τε θεῶν τε. 60Ἥφαιστον δ᾽ ἐκέλευσε περικλυτὸν ὅττι τάχιστα [60] γαῖαν ὕδει φύρειν, ἐν δ᾽ ἀνθρώπου θέμεν αὐδὴν καὶ σθένος, ἀθανάτῃς δὲ θεῇς εἰς ὦπα ἐίσκειν παρθενικῆς καλὸν εἶδος ἐπήρατον: αὐτὰρ Ἀθήνην ἔργα διδασκῆσαι, πολυδαίδαλον ἱστὸν ὑφαίνειν:

    Disse assim e gargalhou o pai dos homens e dos deuses [Zeus]; ordenou então ao ínclito Hefesto muito velozmente [60] terra à água misturar e aí pôr humana voz e força, e assemelhar de rosto às deusas imortais esta bela e deleitável forma de virgem; e a Atena ensinar os trabalhos, o polidedáleo tecido tecer

    Hefesto é um deus artesão, da forjaria, da escultura, da metalurgia, da técnica, do fogo e dos vulcões. O processo de formação de Pandora é narrado como tendo ocorrido a partir da mistura de terra e água, o que implicitamente requer um trabalho escultural, possivelmente com o uso de um forno para pôr “força humana” (σθένος, “força”).

    Repare que Hesíodo não usa a palavra morfé (que viria de \(*mergh\), garota), mas sim eidos (“παρθενικῆς καλὸν εἶδος ἐπήρατον” [lovely maiden-shape?]), também no sentido de forma aparente.

    Talvez este não seja um problema se considerarmos que Hesíodo não é a fonte do mito, e sim um dos contadores/narradores. Quando escreveu, tais histórias já estariam sólidas na cultura, assim cono as palavras eidos, morfé etc. Além do quê, como poeta suas escolhas teriam sido de métrica e rima, e não de ascendência etimológica.

    A peça Danae, de Naevius, também tem um enredo compatível com esta conjectura, em que uma bela donzela traria consigo um perigo futuro, e por isso é aprisionada49.

    Navius usa expressões muito parecidas às de Hesíodo para se referir à forma feminina e sedutora.

    Posteriormente toda essa carga mítica na palavra teria sido reduzida com o uso cotidiano, mas preservando a carga simbólica do ato de formar/moldar algo que seja eficaz e eficiente em seus desígnios. No caso de Pandora, seria a eficácia de Zeus em seduzir os homens com uma forma perfeita para esse propósito. A forma aparente de Pandora seria a da beleza perfeita, ideal. A noção de de forma talvez tenha ganho aí sua conotação de forma modelar, ideal, efetiva.

    Ou seja, tudo indica que a palavra forma não vem da palavra forno ou do calor, mas que desde muito cedo foi a estes associada, através de mitos sobre o surgimento de seres, pessoas e objetos, e em especial a um suposto advento da mulher, a quem fora atribuída beleza e ardilosidade.

    Ressaltemos que essa conjectura também é incerta e interpretativa.

    Incerta e frágil, porém potente.

    Forma poderia ter vindo, por analogia, da técnica.

    Ainda estou trabalhando nela. Não sei se ela vai parar em pé por muito tempo ou se precisará ser descartada. Ao menos ela nos dá uma noção de como o surgimento da palavra forma está envolta em mistérios que atiçam nossa imaginação.

    Ela coloca o conceito de forma ainda mais na centralidade do pensamento ocidental prevalente. Forma, beleza, técnica, calor e perigo.

4.4.4 Formatação

Mesmo com todas essas conjecturas, ainda não sabemos dizer muito bem de onde vem essa palavra.

O que podemos afirmar é que desde cedo que ela é fundamental no latim para explicar diversos conceitos e fenômenos, e tudo indica que forma já era uma palavra pré-existente no momento em que quatro termos usados em textos platônico-aristotélicos foram para ela traduzidos a partir do grego.

Ou seja, forma não foi uma palavra criada pelos tradutores de textos: ela já existia no latim enquanto uma palavra usual (tendo ou não sido derivada do grego).

Foi através da palavra existente forma que é traduzida essa série de conceitos platônicos e aristotélicos originalmente expressos por τύπος (typos), μορφή (morfé), εἶδος (eidos) e ἰδέα (idea), e que formam base para outros conceitos traduzidos como informação.

Importante aqui diferenciarmos as palavras dos conceitos. Grosso modo, digamos que os conceitos são explicações e usos mais específicos de uma palavra, muitas vezes associados a uma linha de pensamento ou autorias, enquanto que a palavra seria o termo que abarca todos seus significados já utilizados. Um conceito diz respeito a significados específicos de uma palavra.

Essas traduções ao latim de diversos conceitos gregos ocorrem não só para a palavra fōrma como também para infōrmo e infōrmātio5051:

Los conceptos griegos traducidos en latín como forma, y en especial las interpretaciones de Platón y Aristóteles, subyacen etimológica e históricamente a toda la evolución semántica del concepto de información. Esta afirmación, que expresa la tesis sobre el origen griego del concepto de información, se demostrará recién en la presentación de la evolución del concepto de información. Los análisis que siguen a continuación son solamente de carácter heurístico. Ellos presentan textos selectos de Platón (427/348 a.C.) y Aristóteles (384-322 a.C.), en los que se muestran los significados más importantes de estos términos griegos relacionados con la etimología y la historia del concepto de información.

La selección de estos textos no es por tanto arbitraria, sino que tiene lugar en vistas a textos o problemas que son tratados en las interpretaciones antiguas, medievales, modernas y actuales del concepto de información. La interpretación de estos textos platónicos y aristotélicos está en estrecha relación con los sentidos del término latino informatio en la Antigüedad (Cicerón, Agustín) y en la Edad Media (Alberto Magno, Tomás de Aquino, Nicolás de Cusa).

[…] En la interpretación de los textos se hará referencia a los significados que aparecen en la evolución del concepto de información. Al escribir in-formación e in-formar queremos hacer explícita la relación etimológica e histórica con el origen griego.

4.4.5 Tipificação

Segundo Capurro (2022)52 τύπος (typos),

significa en general la forma externa de un objeto, su figura, y es usado por Platón y Aristóteles de la misma manera que μορφή (morfé), εἶδος (eidos) / ἰδέα (idea) en sentido ontológico, epistemológico y pedagógico. Este es el fundamento que permite entender la evolución etimológica y de historia de las ideas del concepto de información. Ordenamos los significados de τύπος (typos) en tres grupos, de acuerdo con los comprobantes: 1) impresión, 2) sello, 3) esbozo.

Enquanto impressão, Capurro (2022) nos conta o seguinte de τύπος 53:

Percibir y conocer pueden ser comparados, escribe Platón, con la impresión en una tablilla de cera,51 cuando aquello que hemos oído, visto o pensado es impreso o in-formado ἀποτυποῦσθαι (apotypousthai) en nuestra alma “como al imprimir con el sello de un anillo” (Theaet 191d).52 El alma así formada o in-formada contiene las impresiones (τύπον, typon) de las cosas percibidas. Este proceso de in-formación es a la vez un proceso de conocimiento y de aprendizaje. La verdad consiste en la relación correcta entre las imágenes (τύπους, typous) y las copias (ἀποτυπώματα, apotypómeta) (Theaet. 194b). Todo depende de si las marcas son finas y suficientemente profundas para no ser confundidas. Cuando la cera está húmeda, el aprendizaje es más fácil (Theaet. 194d-e).

Esta famosa comparación del alma con una tablilla de cera que Platón interpreta en el diálogo Teeteto y Aristóteles en Sobre el alma está en relación muy estrecha con los significados epistemológicos y pedagógicos del concepto de información. Sin entrar ahora en la crítica que hace Platon a esta comparación, remitimos a la concepción platónica del proceso del conocimiento en el contexto de su pregunta sobre las ideas […]. En la interpretación del concepto de εἶδος (eidos) retomamos esta comparación en el uso que hace Aristóteles de ella […] Agustín, cuyo pensamiento fue influenciado por la filosofía platónica, llama al proceso sensorial informatio sensus y lo compara con la impresión de un anillo en la cera […]

El concepto de τύπος (typos) también juega un rol en relación con saber y aprender en el diálogo platónico Fedro. Platón narra la historia del invento de la escritura (Phaedr. 274c-275d) por el dios egipcio Thot, que corresponde al Hermes de la mitología griega.[53] Thot presentó su invento al rey Tamus, diciéndole que los egipcios iban a ser más sabios y tener mejor memoria. Thamus temía que con este invento los egipcios iban a descuidar el recordar, obteniendo sólo una sabiduría aparente, ya que confiando en la escritura iban a recordar sólo “a través de signos ajenos” (ὑπ᾽ ἀλλοτρίων τύπων, hyp‘ allotrion tupon) (Phaedr. 275a) en lugar de hacerlo internamente por sí mismos. Typos (τύπος) significa la letra impresa o in-formada.54 Platón contrapone la escritura como lenguaje fijo o in-formado (λόγος, logos) a la “escritura interior”, un saber (ἐπιστήμη, episteme) en el alma del aprendiz. La escritura es solamente un ayuda a la memoria para quien ya sabe de lo que se trata (τὸν εἰδότα, ton eidóta) (Phaedr. 275d).[55] Para Platón el conocimiento de la cosa misma, la ἰδέα (idea), es previo a la obtención de conocimientos escritos […]

Platón distingue entre un saber sensorial, o fijado sensiblemente, y un saber suprasensible. Esta diferencia es un fundamento del pensamiento de Agustín con referencia al proceso in-formacional de la percepción sensible y del conocimiento (informatio sensus y cogitationis) y el conocimiento de las formas esenciales en la visión beatifica (informatio civitatis sanctae).

Já sobre selo/estampa54,

En La república describe Platón el proceso de educación como un modelar las almas (πλάττειν τὰς ψυχὰς, plattein tas psychas) (rep. 377c). El educado in-forma el alma de un niño en base a un modelo (τyπος, typos) así como lo hace el artesano. El modelo de acuerdo con el cual el hombre es modelado es para Platón la ἰδέα (idea) del bien. El hombre educado con ese modelo es el hombre bueno (ἀνδρὸς ἀγαθοῦ, andros agathou), reacio a dejarse “im-presionar” por malos modelos (τῶν κακιόνων τύπους, ton kakionon typous) (rep. 396 c-e).

Com relação a esboço55,

[…] hay una relación estrecha entre τύπος (typos) y λόγος (logos). Esta relación es la base del concepto de información en sentido de esbozo conceptual. Platón escribe, por ejemplo: “Tienes ya el esbozo (τὸν τύπον, ton typon) de lo que digo” (rep. 491c). En la Ética a Nicómaco Aristóteles indica que su intención es una exposición conceptual que corresponda al objeto a tratar, siendo así que, en este caso, la verdad sólo puede ser esbozada (τύπῳ, typo) (Et. Nic. 1094 b 20). En el diálogo Crátilo escribe Platón que las letras, palabras y frases son sólo un esbozo de las cosas (ὁ τύπος ἐνῇ τοῦ πράγματος, ho typos ene tou pragmatos) (Crat. 432e)

4.4.6 Morfização

Segundo Capurro (2022), existem algumas diferenças sutis em como Platão e Aristóteles usam as palavras μορφή (morfé), εἶδος (eidos), ἰδέα (idea) e τύπος (typos)56:

Tanto para Platón como para Aristóteles el concepto de μορφή (morfé) está íntimamente ligado a εἶδος (eidos) / ἰδέα (idea) así como a τύπος (typos) en sentido de forma exterior. Pero, a diferencia de este significado, εἶδος (eidos) se usa en sentido de la especie común o lo común a individuos concretos, mientras que ἰδέα (idea) es la imagen originaria (Urbild) en sentido platónico. Sin embargo, como mostraremos, varían los significados de εἶδος (eidos) e ἰδέα (idea). Mientras que Platón usa poco el término μορφή (morfé), este tiene un significado filosófico sólido en Aristóteles, en sentido de principio del ente.

No caso, μορφή (morfé) estaria mais associada à forma externa (imagem) ou princípio do ser57:

En el diálogo La república pregunta Platón si dios es un mago capaz de aparecer en diversas formas (ἐν ἄλλαις ἰδέαις, en allais ideais) mostrando su esencia (τὸ αὑτοῦ εἶδος, to autou eidos) en diversas formas externas (εἰς πολλὰς μορφάς, eis pollas morphas) (rep. 380d). Esto lleva a reflexionar sobre qué cosas pueden cambiar su forma, es decir, pueden dejarse in-formar. […] Platón deduce que la posibilidad de que los entes cambien su forma o que sean in-formados nuevamente depende de su grado de imperfección. El dios es en todo sentido perfecto y no puede tener muchas formas (πολλὰς μορφάς, pollás morphás).

Si bien Aristóteles utiliza el término μορφή (morfé) en sentido de imagen externa,[…] este término tiene el significado básico de principio del ente.

[…]

El concepto de μορφή (morfé) juega un rol central en la dualidad ontológica aristotélica: forma (μορφή, morfé / εἶδος, eidos) y materia (ὕλη, hyle / ὑποκεμείνον, hypokeimenon).

Los términos μορφὴ (morfé) y εἶδος (eidos) son mencionados a menudo juntos. Hay dos maneras de designar la esencia (οὐσία, ousía) del ente: materia (ὑποκείμενον, hypokeimenon) y forma o esencia (ἡ μορφὴ καὶ τὸ εἶδος, he morfé kai to eidos) (Metaph. 1017 b 20).

[…] también es usado por Aristóteles en relación con la experiencia sensorial cuando escribe, por ejemplo, que “es evidente que la forma (εἶδος, eidos), o como se quiera llamar a la forma percibida por medio de los sentidos, no se genera” (τὴν ἐν τῷ αἰσθητῷ μορφήν, οὐ γίγνεται, ten en to aistheto morfen, ou gígnetai) (Metaph. 1033 b 5). Günther Patzig señala que el concepto aristotélico de μορφή (morfé) es usado habitualmente en relación con εἶδος (eidos), ἐνέργεια (energeia), λόγος (logos), etc., estando generalmente en segundo lugar, es decir, que tiene un sentido explicativo como en el texto recién citado. El término μορφή (morfé) tendría entonces una función mediadora entre la terminología aristotélica y el lenguaje diario.[58]

[…]

El término μορφή (morfé), en sentido de principio del ente, designa algo permanente; es lo que hace la esencia de las cosas. Sólo lo que es concreto surge, mientras que μορφή (morfé) es el principio de la realización (ἐνέργεια, energeia) de una sustancia como materia (τὸ μὲν ὑποκείμενον ὡς ὕλη, to hypokeimenon hos hyle) en potencia (δuνάμει dynamei). ¿Qué es la calma del mar? pregunta Aristóteles, una planicie marina. El mar es la materia, la planicie su realización y forma (ἡ δὲ ἐνέργεια καὶ ἡ μορφὴ, he de energeia kai he morfé) (Metaph. 1043 a 259). El ente percibido por medio de los sentidos existe, por un lado, como materia (ὕλη, hyle) y, por otro lado, como forma y realización (μορφὴ καὶ ἐνέργεια morfé kai energeia) (Metaph. 1043 a 25-29).

Es particularmente en la filosofía escolástica influenciada por Aristóteles donde el concepto de informatio materiae está en relación directa con el sentido ontológico del concepto de μορφή (morfé). Para Tomás de Aquino, por ejemplo, informatio materiae no es otra cosa que actus materiae, es decir, la realización o la in-formación de una materia en potencia por una forma […] En base a estos sentidos ontológicos y epistemológicos del concepto de información medieval surge el concepto moderno de información como comunicación del conocimiento […] En las definiciones científicas y filosóficas actuales se dan también los momentos de seleccionar, inspeccionar, dominar, así como cambiar, distinguir y orientación (visual) práctica, que tienen su origen en la etimología y la historia del concepto de μορφή (morfé)

4.4.7 Ideação

Sobre εἶδος (eidos) e ἰδέα (idea), nos conta Capurro (2022) que58:

Los conceptos de εἶδος (eidos) e ἰδέα (idea), así como τύπος (typos) y μορφή (morfé), significan en general forma o imagen percibida. Tanto Platón como Aristóteles los usan así, pero ambos los reinterpretan en sentido ontológico y epistemológico. Tanto el sentido general como el sentido filosófico especial subyacen a la evolución semántica del concepto de información. La herencia de este origen se manifiesta, por ejemplo, en el concepto de informatio deorum en Cicerón, que significa tanto las imágenes de los dioses o su apariencia como su esencia y naturaleza […] Este origen etimológico e histórico del concepto de información se acentúa cuando las interpretaciones platónicas o aristotélicas son explícitas

Por otro lado, hay que destacar que las interpretaciones de Platón y Aristóteles no muestran una diferencia exacta entre εἶδος (eidos) / ἰδέα (idea).

Nestas concepções, a palavra εἶδος (eidos) é usada no sentido de espécie comum, ou aquilo que é comum a indivíduos concretos. Já ἰδέα (idea) seria59

la imagen originaria (Urbild) en sentido platónico

4.4.8 Teorização

Assim nos é resumida a “Teoria” Platônia das Ideias60:

La pregunta por las ideas en Platón La así llamada teoría platónica de las ideas es más bien una pregunta o un impulso que una teoría. […]

Para Hans-Georg Gadamer, el diálogo Crátilo es “el texto fundamental del pensamiento griego sobre el lenguaje”.[64] En este diálogo, Platón trata de la relación entre lenguaje y realidad o de “la rectitud de los nombres” (ὀνόματος ὀρθότητα, onómatos orthoteta, Crat. 383a), es decir, de la pregunta sobre hasta qué punto el lenguaje nos da una información correcta sobre la realidad, o bien hasta qué punto nuestro conocimiento de la realidad puede expresarse o in-formarse en el lenguaje.

Platón compara al creador de palabras con un carpintero al que se le rompe la lanzadera de tejedor y vuelve a hacer otra semejante (τὸ εἶδος, to eidos, Crat. 389b) o con un herrero que imprime “la misma imagen” (τὴν αὐτὴν ἰδέαν, ten autén idean, Crat. 389e) en el mismo hierro. La pregunta es entonces si en las cosas hay formas originarias (εἶδη, eide) […] En este caso, el creador de palabras in-formaría el lenguaje de acuerdo con ellas.

[…]

En la famosa alegoría de la caverna (rep. 514ss) describe Platón el camino hacia las ideas. Partiendo de la sabiduría de la caverna, que es un saber sobre lo percibible a través de los sentidos, alcanza el hombre un saber esencial o meta-sensible sobre los entes. Todo lo que ha visto lo ve en su totalidad en la idea del bien (τὴν τοῦ ἀγαθοῦ ἰδέαν, ten tou agathou idean, rep. 508e). Las ideas son la esencia de los entes sensibles.

[…]

La “visibilidad” significa la posibilidad de ser designado. Lo denotado es, por otra parte, lo que un ente es, su significado. Por eso, como indica Andreas Graeser, las ideas son un híbrido de significado y designación.[67] Ellas son mediadas por el lenguaje, pero al mismo tiempo son independientes de él, es decir, posibilitan originariamente la in-formación del conocimiento y del lenguaje. Pero el punto crucial del platonismo consiste en saber cómo objetos no lingüísticos pueden ser mediados por el lenguaje sin que surja la duda fundamental sobre si son correctos o no. Esto es lo que hace que las ideas no sean una teoría, sino una pregunta.

Hay que indicar además el trasfondo pedagógico de la pregunta platónica por las ideas y, en especial, en la alegoría de la caverna. La educación humana no es solamente una formación o in-formación del conocimiento, sino de la moralidad, puesto que el grado más alto del conocimiento es la idea del bien. El conocimiento de las ideas tiene sentido en último término en vistas a la orientación de la acción moral, que es propia del ser humano. Los momentos epistemológicos, filosófico-lingüísticos, ontológicos y pedagógicos coinciden en la pregunta platónica por las ideas, y desde aquí en las interpretaciones del concepto de información.

[…]

[…] En el Timeo Platón expone la relación ontológica de las ideas con los entes. Él menciona un tercer género, que es “capaz de recibir toda generación como una nodriza” (Tim. 49a), “totalmente informe y careciendo de todas las formas esenciales que puedan advenir” (πλὴν ἄμο ρφον ὂν ἐκείνων ἁπασῶν τῶν ἰδεῶν ὅσας μέλλοι δέχεσθαί ποθεν, plen amorphon on ekeinon hapason ton ideon hosas melloi dechesthai pothen) (Tim. 50d 2). Este tercer género, semejante, como veremos, a la materia aristotélica, es in-formado por las ideas. Las ideas, escribe Aristóteles sobre Platón, son la causa de que cada cosa pueda ser algo determinado (Metaph. 988 a 10ss), y la idea del bien o del uno es la forma de las formas puras, que posibilita toda formación o in-formación.

La pregunta platónica por las ideas tiene una amplia repercusión en los significados ontológicos, epistemológicos y pedagógicos del concepto de información, como se puede constatar, por ejemplo, en los comentarios sobre el diálogo Timeo de Apuleius (siglo II d. C.) […] Esta influencia vale también para el pensamiento cristiano-platónico de Agustín, para quien Dios es la forma simplex. En Dios tiene lugar la iluminación de la sociedad celeste (informatio civitatis sanctae) […] La interpretación epistemológica del concepto de información en la antropología dualista de Descartes está en íntima relación con la actividad de la “ideas” que nos trasmiten el conocimiento, es decir, que nos informan […]

William Whewell (1794-1866) concibe el proceso del conocimiento como un proceso informacional en el cual las sensaciones son in-formadas por “Ideas” a priori […] Finalmente, en la discusión científica y filosófica actual se discute sobre el concepto de información como forma o estructura refiriéndose explícitamente a la concepción platónica del concepto de forma

Já em Aristóteles estes conceitos ganham também um fundo biológico, como no caso de eidos61:

Klaus Oehler ha llamado la atención sobre “los orígenes bio-lógicos de la teoría aristotélica del εἶδος (eidos), entendiendo la palabra ‚bio-lógicos‘ en sentido metafísico desde la filosofía de la naturaleza”.68 La forma, el εἶδος (eidos), es para Aristóteles algo general. Los individuos son diferentes debido a la materia (ὕλη hyle) pero idénticos en lo que se refiere a la forma (Metaph. 1034 a 5-8). Oehler escribe:

Oehler escribe: En tanto que la esencia de las cosas reside para Aristóteles en su forma, y esta constituye el contenido del concepto de una cosa, puede concebir la forma esencial de una cosa también como su concepto, que le es inmanente y la constituye en su ‚ser así‘. Desde esta perspectiva, el concepto de esencia o especie no es meramente noético, en el sentido que tendría su lugar sólo en el pensamiento, sino que existe al mismo tiempo en las cosas mismas, y el concepto de esencia como unidad noética en el pensamiento es sólo una correspondencia adecuada. Esta proposición es cierta en toda su extensión en el campo de los entes vivientes, donde géneros y especies se realizan en la forma más clara.69

Este origen bio-lógico del concepto de εἶδος (eidos) se manifiesta por ejemplo en la teoría de la herencia: portador y trasmisor del principio reproductor y de la forma (εἶδος, eidos) es el semen, el cual trasmite, como un instrumento, forma y movimiento a la sangre menstrual femenina (las catamenias) (De gen. anim. 728 ss). […]

Como indica Erna Lesky, tanto Aristóteles como Platón sostienen una concepción epigenética de la evolución del germen, en oposición a la visión preformista de, por ejemplo, Anaxágoras. De acuerdo con esta concepción, los órganos no están preformados en el semen, sino que se desarrollan cuando el semen masculino provoca como impulso del movimiento una reacción en cadena en la materia femenina, dando lugar al acto de lo que estaba en potencia de desarrollarse.[70]

Varro (116-27 a.C.), que también sostiene una concepción epigenética de la teoría biológica de la herencia, usa el término informo en relación el proceso de generación […] Para Tomás de Aquino la vida opera per modum informationis […] En la Edad Moderna, Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840) acuña el concepto de nisus formativus […], que puede entenderse como una formulación pre-genética del concepto actual de información genética hereditaria […]

La cosa individual es lo que es por la forma. Esta no es separable (οὐ χωριστή, ou choristé) de la cosa individual, la cual está constituída esencialmente por la forma. Forma, materia, causa eficiente y causa final son los cuatro principios fundamentales aristotélicos. Todo en el ámbito sub-lunar está formado por materia y forma, es decir, todo lo que es generado y perece tiene una forma diferente. Pero materia y forma no perecen

[…]

En cierto sentido la concepción aristotélica se acerca a la platónica.

[…]

La interpretación aristotélica del concepto de εἶδος (eidos), como un principio permanente en la realidad sin existencia autónoma, es el fundamento de los significados ontológicos del concepto de información en la escolástica. Así, por ejemplo, para Tomás de Aquino, quien concibe el cuerpo viviene gracias al alma como informatio materiae, por lo que la materia en potencia se actualiza como siendo gracias a la forma. Las formas son, por otro lado, nada más que actus materiae y no tienen una existencia propia. Lo que es, es el compuesto (compositum) […]

Forma e matéria também são conceitos importantes na epistemologia aristotélica62:

Finalmente, se ha de tratar otro significado de la teoría aristotélica de forma y materia, como es el epistemológico. En De anima analiza Aristóteles los procesos de percepción y conocimiento y describe la acogida de las formas sensorialmente perceptibles (τῶν αἰσθητῶν εἰδῶν, ton aistheton aidon), que tiene lugar “sin la materia” (ἄνευ τῆς ὕλης, aneu tes hyles), “de manera semejante a como la cera que acoje el signo del anillo sin el hierro y el oro” (οἷον ὁ κηρὸς τοῦ δακτυλίου ἄνευ τοῦ σιδήρου καὶ τοῦ χρυσοῦ δέχεται τὸ σημεῖον, oion ho keros tou daktyliou aneu tou siderou kai tou chrysou dechetai to semeion) (De an. 424 a 17). No se trata, precisa Aristóteles, de un proceso material por el cual lo opuesto es eliminado, sino de una transformación de lo que, en cierto modo, es decir, potencialmente (δυνάμει, dynamei) existe ya, pero cuyo fin ha de ser actualizado (ἐντελέχειαν, entelecheian) (De an. 417 b 1-6).

Las capacidades de percepción, representación y pensamiento son in-formadas por las formas sensibles, representadas y pensadas (τὰ αἰσθητά, τὰ φαντάσματα, τὰ νοητά, ta aisthetá, ta phantasmata, ta noeta), siendo así que existe una relación estrecha entre las formas representadas y las pensadas[…] El proceso del conocimiento es por tanto un proceso in-formacional en el cual, en base a la concepción ontológica del concepto de εἶδος (eidos) como algo presente e inherente en el proceso de la vida, las etapas del conocimiento que conducen al reconocimiento de este principio dependen unas de otras.

[…]

La ontología y la antropología de Aristóteles se distinguen de esta manera del pensamiento dualista platónico, que se pone de manifiesto en su interpretación del concepto de forma. Mientras que para Platón las ideas son esencias que existen independientemente de los objetos percibibles sensorialmente, las formas de pensamiento son para Aristóteles solamente en potencia formas del pensamiento y sólo actualizadas en la actualización de los objetos. La capacidad de pensar puede acoger las formas, es decir, dejarse in-formar. La in-formación misma no es una cosa, sino que recibe cada cosa solamente de acuerdo con su forma. Ella es, en cierta manera “como una tablilla para escribir en la que no hay nada escrito actualmente” (De an. 430 a 1-2).

[…]

[…] En base a este proceso in-formacional, que en definitiva es posible por la actividad del “intelecto agente” (νοῦς ποιητικός, nous poietikos), el hombre puede comprender la esencia de las cosas. A la naturaleza de las cosas, que son una unidad de materia y forma, corresponde la unidad del pensar, que, por un lado, se relaciona con la capacidad sensorial y, por otro, con poder contemplar las formas.

In-formar um corpo externamente, para que ele adquira um formato e comportamento específico, não soa hoje como uma explicação de processos colonizadores?

4.4.9 Informização

Etimologia 4.3 (Formação da Informação) No salto da forma para a informação (informo63, informatio64, informis65 etc66), houve mais transformação.

Na passagem do grego para o latim, vários conceitos com vários sentidos são traduzidos como informo/informatio até meados do século VIII EC. Segundo Capurro (2022), os sentidos dos termos gregos originários estariam divididos em “momentos ontológicos” e “momentos epistemológicos”. Não dá para saber com certeza se os tradutores deram novos significados para informo e informatio ou meramente se aproveitaram dos existentes. Minha impressão, lendo a tese de Capurro (2022), é de que usaram a palavra que mais se aproximava do sentido original – de acordo com o entendimento deles –, mas nesta manobra acabaram por adicionar significados à palavra existente.

Usando uma analogia auto-referente, poderíamos dizer então que da passagem do grego para o latim, alguma informação foi perdida mas alguma também foi ganha, numa convergência de diversos conceitos in-formativos67:

  • ὑποτύπωσις (hypotyposis)68.
  • ἐντυποῦν (entypoun)69.
  • διάταξιν (diataxin)70.
  • χαρακτηρισµός (charakterismos)71.
  • μανθάνω (manthano) e πείθω (peitho)72.
  • πρόληψις (prolepsis)73.

A coalescência de tantos termos produziu uma espécie de “complexo info-”74:

Informatio es el sustantivo del verbo informo. Tales sustantivaciones expresan “una acción terminada o un efecto o un estado, a veces también, como en el caso de las que terminan con -tio, una acción que está sucediendo”. Los términos informatio e informo se basan en el concepto de forma que traduce todos los significados de los términos griegos τύπος (typos), μορφή (morfé), εἶδος (eidos), ἰδέα (idea). El prefijo “in” en relación con el término forma puede significar tanto la intensificación como la ubicación de la acción de formar y en este caso corresponde al griego ἐν (en), pero también puede significar una negación y en este caso corresponde al prefijo ἀν (an).

El concepto latino de información se refiere a los derivados de forma con el prefijo “in” en sentido de intensificación o ubicación de una acción. Estos derivados son:

  • informatio: formación, diseño
  • informator: escultor, maestro
  • informatus: formado, educado
  • informo: formar, diseñar

Los derivados de forma con el prefijo “in” en el sentido de negación son:

  • informabilis: lo que no puede ser formado
  • informia: cosas que no tienen una forma (bella)
  • informis: sin forma, mal formado, deformado

[…]

Informatio significa en general, como lo indica la terminación -tio, el acto de formar (actus formandi) así como el resultado (status informati). En el caso de informo el prefijo “in” tiene el sentido de intensificación o ubicación de una acción. Informo significa por tanto comenzar a formar algo (incohare), dar alguna (quandam) forma a algo (aliquatenus formare), así como con respecto a ubicación: imprimir, insertar (formando imprimere, infigere). 94 Informatio aparece en genitivo subjetivo, objetivo y explicativo.

[…]

[…] Los comprobantes abarcan el período desde el latín clásico hasta el siglo VIII d. C. Tanto en el caso de informatio como de informo los comprobantes están divididos en dos grandes grupos:

  1. Formar un objeto material (corporaliter): el concepto de información es usado en los campos artificiales y organológicos en el sentido de crear (creare), hacer (fieri), generar (nasci);

  2. Formar un objeto inmaterial (incorporaliter) o sea formación del conocimiento: en este caso se trata del campo filosófico y en especial epistemológico. Se indican especialmente los significados “activos” de aclarar (adumbratio), definir (definitio), probar (demostratio) etc. así como formación del conocimiento (genitivo subjetivo), y los significados “pasivos” en el sentido de formación del conocimiento (genitivo objetivo) como ser enseñar o comunicar un tema (de animo erudiendo, imbuendo, instruere), un ejemplo o modelo (exemplum), una orden (iussionem), una doctrina (doctrinam), etc.

Dada a complexidade dos significados, não se pode simplificar o conceito latino de informação usando um modelo único75:

[…] el uso del concepto de información y sus interpretaciones no se pueden simplificar reduciéndolos a un modelo único. Estas interpretaciones ejemplares tienen lugar desde el trasfondo de esta complejidad que fue mostrada en la exposición general y ofrecen una explicación más detallada de tres autores que son relevantes para la historia del concepto de información. Estos autores estuvieron de diversas formas en interacción con la filosofía griega y especialmente con Platón y Aristóteles. Con respecto a la interpretación del concepto de información se constata la influencia de Platón en Agustín y de Aristóteles en Tomás de Aquino. Sin embargo, hay que destacar que en ambos autores se trata de una síntesis entre el pensamiento griego y la fe cristiana que se manifiesta en las interpretaciones ontológicas, epistemológicas y pedagógicas. Estas remiten siempre al origen griego, pero a causa del contexto filosófico-teológico van más allá del mismo.

Se um modelo único simplificador dificilmente dá conta dessa diversidade, ao menos é possível agrupar o emprego de informo/informatio em campos de aplicação dessas palavras76:

  1. campo artificial y organológico: información significa formar una materia o un organismo en el proceso de su generación;

  2. campo filosófico: información tiene un sentido ontológico (formar la materia) y epistemológico (formar el conocimiento);

  3. campo pedagógico: información significa el proceso de educación e instrucción.

Mas, se quisermos arriscar um significado básico inicial, podemos resumir no seguinte77:

Informatio originally meant the formation of matter, its acquisition of a form. “Information thus implies, on the one hand, the stamping and, on the other, information-giving, upon which the informed being reacts” (Heidegger and Fink HS, 14).

Notar que, curiosamente, o conceito grego de mensagem é dado pela palavra ἀγγελία (angelía), que tem a ver com nossos conceitos atuais de informação mas que em nada influiu a palavra “informação” originalmente78:

El concepto griego de mensaje pertenecía también al lenguaje de la vida pública, de los torneos y de los soberanos, y no al de la filosofía y la pedagogía. Por esta razón, no existe una relación etimológica o histórica directa entre ἀγγελία (angelía) y el origen griego del concepto de informa- ción. Pero sí se puede constatar una relación indirecta, dado que algunos momentos del concepto diario actual de información corresponden a los del concepto griego de mensaje. Estas correspondencias se pueden constatar en el caso de otros conceptos griegos como ser ἀπόστολος (apostolos) (el enviado), πέμπειν (enviar) y también διδάσκω (didasko) (enseñar), que este excurso va a tematizar. […]

Liddell y Scott dan como significado básico de términos con la raíz ἀγγελ- (angel-): proclamar (to proclaim).[83] Es es el caso, por ejemplo, de ἀγγελία (angelía) en sentido de proclamación en la Odisea (Odyssee 5, 150).

La palabra ἀγγελία (angelía) significa, como muestra Julius Schniewind,[84] la acción de comunicar, así como lo comunicado. Este doble significado se encuentra también en εὐαγγέλιον (euangelion),[85] que, como ἀγγελία (angelía), fue usado para noticias políticas y para eventos felices. La estructura: evento y, por tanto, novedad, y mensaje-mensajero-receptor, es la base del concepto griego de mensaje.

El término εὐαγγέλιον (euangelion) es en general un término técnico que designa mensaje de victoria, es decir, la comunicación de algo nuevo y gratificante. Debido a malas experiencias, indica Gerhard Friedrich, fue necesario “marcar una diferencia entre mensaje y evento que antes no se conocía.”[86] El uso del término en el campo religioso implicaba una equiparación de mensaje y realidad.[87] El trasmisor de un mensaje es en Homero (Ilias 5, 804) el ἄγγελος (angelos).

Estes elementos nos permitem agora analisar a forma da forma, e o papel originário da informação.

Mosquito vetor da transmissão de si próprio: com outro mosquito específico e um pouco de sangue, bota ovos produtores de futuros mosquitos específicos, mas ligeiramente distintos, reproduzindo assim o padrão de um Mosquito Geral. Mas o quanto esse mosquito genérico realmente existe, e se existe, está onde? A doutrina clássica das formas parece não considerar aquilo que uma concepção atual dos padrões chama de evolução, isto é, uma lenta mudança de padrões herdados e que persistem enquanto mutam ao longo do tempo. Aliás, o que nesta foto nos faz distinguir o mosquito das outras texturas?

Figure 4.1: Mosquito vetor da transmissão de si próprio: com outro mosquito específico e um pouco de sangue, bota ovos produtores de futuros mosquitos específicos, mas ligeiramente distintos, reproduzindo assim o padrão de um Mosquito Geral. Mas o quanto esse mosquito genérico realmente existe, e se existe, está onde? A doutrina clássica das formas parece não considerar aquilo que uma concepção atual dos padrões chama de evolução, isto é, uma lenta mudança de padrões herdados e que persistem enquanto mutam ao longo do tempo. Aliás, o que nesta foto nos faz distinguir o mosquito das outras texturas?

“Forma” e “informação” não seriam conceitos surgidos para denotar uma comunicação de um modelo num ser modelado. Comunicação pressuporia outras propriedades, como por exemplo um diálogo em que forma e formador afetam-se mutuamente; ou num processo evolutivo no qual os seres formados atualizam as formas das quais se originaram. Ao contrário, processos de formação do tipo platônico-aristotélico seria unilateral: formas eternas perfeitas, imutáveis, e que mediante um processo de in-formação modelariam a matéria e os espíritos. Forma e informação, em certo sentido, são conceitos autoritários: as formas eternas seriam os modelos seguidos por todos os seres existentes. Aí há um autoritarismo também por retirar da matéria qualquer atividade criativa, relegando-a à passividade de ser in-formada externamente. Autoritarismo ainda pelas formas que seriam eternas e imutáveis, desconsiderando a possibilidade de ums dinâmica interna entre as próprias formas de modo a surgirem novas formas, pois isso misturaria formas “puras” e “irredutíveis” de formas compostas. A Doutrina das Formas, ou da “In-formação”, fornece assim explicações e justificações sobre a “ordem” do mundo79.

A partir disso teria sido amplamente usada no latim para explicar diversos conceitos, e creio ter sido assim que a palavra forma foi “formatada” pelo pensamento ocidental prevalente na antiguidade. Parece que muito desse autoritarismo ainda prevalece, se é que não ficou ainda mais intenso com o passar dos tempos.

A palavra Informação seria a realização máxima da chamada “Teoria das Formas” platônica. Tomando de emprestado a própria palavra idea mas usando um sentido mais contemporâneo e derivado, poderíamos até chamar a “Teoria das Formas” de “Doutrina” ou “Ideologia das Formas”, essa crença na existência da categoria ontológica e metafísica “forma”. Informação seria aquilo que nem é matéria, nem espírito – como comenta Capurro (2022) sobre esse debate80.

Uma “Teoria” das “Formas” não é algo “testável” no sentido científico contemporâneo: não é possível fazer um experimento para detectar se existe um “plano” existencial habitado por formas eternas que “in-formariam” matéria e espírito, pela própria característica esotérica dessas “Formas”. Por isso que esta “teoria” é mais uma “ideologia”, a ser adotada ou rechaçada apenas com base na fé ou pragmatismo. Complicações abundam em todos os lados: se os entes materiais não acessam as Formas, mas são acessados e modificados por elas, então como se dá esse ponto de contato entre uma forma e aquilo que é informado81?

Indo mais além nos comentários sobre a Teoria/Ideologia das Formas, se alguma destas conjecturas for correta, seria também irônica, nos mostrando que o abstrato vem do concreto: as palavras do guarda-chuva “forma” não surgiram a partir desses conceitos abstratos, mas sim de usos concretos: “forma”, no seu entendimento mais básico de delineamento/aspecto/etc é uma abstração do que é mais comum e básico na percepção de todos os entes materiais observáveis: por mais díspares que sejam entre si, todos os “objetos” possuem uma “forma”, um “desenho”, um “aspecto”. Daí que os conceitos platônico-aristotélicos dão um passo de abstração a mais e acabam invertendo a relação: a aparência, o desenho, o aspecto seriam concretizações de entidades supra-materiais chamadas de “forma”. Ainda, a semelhança de muitos entes quando comparados entre si pode levar, dentro desse autoritarismo das formas, a uma hierarquia de categorias agrupando entes semelhantes.

O louva-deus desafia as teorias das formas. Seria ele uma junção da forma-graveto com a forma-folha e a forma-inseto? Ou as formas básicas seriam ainda mais básicas? Quais são as formas mínimas? Daí a proximidade platônica com a geometria, sob grande influência dos pitagóricos. Uma destas concepções é a que chamo de Teoria Atômica Formista Triangular, contida no texto Timeu -- Platão e Gregory (2009) --, que supõe o mundo ser composto por triângulos diversos. É comum também que seja feita referência às formas geométricas contidas na "natureza", que estaria repleta de triângulos, círculos e outras formas. Mas me parece que existem uma série de pressupostos e aproximações nesse tipo de análise. Estas formas consideradas "perfeitas" parecem longe de ocorrerem por aí. Tudo parece ter alguma ranhura, alguma imperfeição, algum detalhe que marca historicamente os seres.

Figure 4.2: O louva-deus desafia as teorias das formas. Seria ele uma junção da forma-graveto com a forma-folha e a forma-inseto? Ou as formas básicas seriam ainda mais básicas? Quais são as formas mínimas? Daí a proximidade platônica com a geometria, sob grande influência dos pitagóricos. Uma destas concepções é a que chamo de Teoria Atômica Formista Triangular, contida no texto Timeu – Platão e Gregory (2009) –, que supõe o mundo ser composto por triângulos diversos. É comum também que seja feita referência às formas geométricas contidas na “natureza”, que estaria repleta de triângulos, círculos e outras formas. Mas me parece que existem uma série de pressupostos e aproximações nesse tipo de análise. Estas formas consideradas “perfeitas” parecem longe de ocorrerem por aí. Tudo parece ter alguma ranhura, alguma imperfeição, algum detalhe que marca historicamente os seres.

O termo informação, então, originalmente, está relacionado à morfogênese, isto é, à explicação dos processos de formação, e não ao entendimento dito moderno mais próximo ao processo de comunicação82:

[…] informatio and information were used in a broader sense to account for the way that the universe […] of matter is given shape and identity by the forms or essences that imbue it. The intelligibility of material objects owes to the forms that in-form them, shaping them from within. This doctrine, which was later dubbed hylomorphism (from Aristotle’s hyle, or matter, and morphe, or form) […] Information was a term that took part in a vocabulary that described how matter was imbued with the intelligible order of forms. It belonged to a social world very different from our own, one still “enchanted” and governed by complex networks of similitudes, resemblances, and correspondences […]

[…] This work of informing has nothing to do with gaining information in today’s sense, but in receiving the envigorating sources of life. […] Perhaps the clearest example is Sir Thomas Browne’s description (1981/1646, 441) of the fabrication of Eve: “there was a seminality and contracted Adam in the rib, which by the information of a soul, was individuated into Eve.” […] Clearly this information has nothing to do with gaining facts, and everything to do with the embodiment of form. Perhaps we could best translate the early meaning of information with a term such as morphogenesis, taken broadly as the origin and evolution of forms.

O conceito de Forma assim foi estabelecido como um terceiro campo ontológico, ao lado de matéria e consciência/espírito, mas talvez num nível hierárquico superior83.

Monoteísmos como o platônico insistem na conexão realizada por um demiurgo entre formas e seres, cujo limite chegaria não somente à separação entre Forma e Matéria, mas à separação de Forma e Ser como categorias distintas: o Ser só o \emph{seria} se imbuído de Formas, estas eternas a ponto de não necessitarem inclusão dentro categoria de Ser. As antenas da borboleta seriam incapazes de captar suas formas essenciais. Nesse entendimento da realidade, a borboleta somente acessaria um mundo já disforme, de luzes e sombras distorcidas. Mas, se todo Ser seria feito de Formas puras, como é que a deformação surgiria? Há uma dificuldade desse pensamento, que só se resolve considerando que Formas puras são impuras (contradição) ou que a composição de Formas puras gera a impureza, o que seria um absurdo pela "impureza" vindo da própria "pureza".

Figure 4.3: Monoteísmos como o platônico insistem na conexão realizada por um demiurgo entre formas e seres, cujo limite chegaria não somente à separação entre Forma e Matéria, mas à separação de Forma e Ser como categorias distintas: o Ser só o se imbuído de Formas, estas eternas a ponto de não necessitarem inclusão dentro categoria de Ser. As antenas da borboleta seriam incapazes de captar suas formas essenciais. Nesse entendimento da realidade, a borboleta somente acessaria um mundo já disforme, de luzes e sombras distorcidas. Mas, se todo Ser seria feito de Formas puras, como é que a deformação surgiria? Há uma dificuldade desse pensamento, que só se resolve considerando que Formas puras são impuras (contradição) ou que a composição de Formas puras gera a impureza, o que seria um absurdo pela “impureza” vindo da própria “pureza”.

4.5 Historização

É a partir desta antiga consolidação de vários conceitos da filosofia grega clássica que informação passa a ter uma “vida” própria no pensamento ocidental, dentro dos períodos esquemáticos resumidos a seguir e num breve lampejo:

  1. Ignismo dos períodos clássicos, quando a “chama” da informação acende.

  2. Iluminismo, com a ascensão da tocha do empirismo e dos dados estatísticos das burocracias estatais.

  3. Hiperluminismo, ou Explodismo, com o incêndio pela ascendência das tecnologias informacionais.

4.5.1 Ignismo

Neologizemos a palavra ignismo a partir de ignis, ou fogo em latim. Palavra cuja acepção remontará a velhos mitos e lendas sobre luz e informação: fiat lux, que a luz seja feita, implicaria que a própria luminosidade teria um aspecto de forma.

Similarmente, o conceito de informação a partir das formas figurativamente viria do calor dos fogos dos fornos.

Já cobrimos boa parte deste período na discussão precedente:

  1. Desde a antiguidade (ou pré-antiguidade?), há o aparecimento das palavras e significações que alimentarão o guarda-chuva da “forma”, possivelmente ligadas às própria genealogia dos processos de abstração.

  2. No período grego clássico, são engendradas diversas teorias que, na perspectiva de nossos dias, poderíamos até chamá-las de doutrinas, em especial:

    • A Teoria/Ideologia Platônica das Ideias.

    • A Teoria aristotélica da explicação, das causas, das formas e das cadeias formativas (transformações), sobre transformações de forma de uma substância inalterável84.

  3. Já no período latino, ocorre a fusão de um complexo de conceitos num único, como que numa alquimia semântica85:

    Los análisis […] sobre la proveniencia latina del concepto de información han mostrado que el uso de este concepto en el campo artificial, organológico, ontológico, epistemológico y pedagógico se puede comprender etimológica- e históricamente desde el origen griego, es decir desde los conceptos τύπος (typos), μορφή (morfé), εἶδος / ἰδέα (eidos / idea) interpretados por Platón y Aristóteles […]

    Como resultado más importante sobre la evolución del concepto de información desde los inicios hasta el fin de la Edad Media hay que retener la influencia de la pregunta platónica sobre la ideas hasta alrededor del siglo XII mientras que a partir de entonces la concepción aristotélica del concepto de eidos condiciona fundamentalmente los significados ontológicos, epistemológicos y pedagógicos del concepto de información. Además, hay que destacar que en el uso y la interpretación del concepto de información por autores cristianos se manifiesta una síntesis de la filosofía griega con la fe cristiana.

E foi assim possivelmente que ocorreu a ignição do conceito de informação.

Importante ressaltar a relação entre “informação” e “inteligência”, ao menos como parece ter se consolidado ao fim deste período: inteligência parece significar a apreensão correta das formas transcendentais. Neste mesmo arcabouço metafísico, poderia-se pensar nas “formas” elas próprias sendo “formadas” e tendo em si parte de uma inteligência externa, num outro nível, talvez demiúrgico – um demiurgo enquanto artesão/tecnologista de formas. O processo informacional imbuiria a matéria de inteligência86.

4.5.2 Iluminismo

Há uma série de mudanças que vão desaguar no período conhecido como “Iluminismo”. Aqui faremos um uso desse termo de uma maneira diferente: iluminismo, na perspectiva deste arremedo de história da informação, seria uma “iluminação” figurativamente produzida não por pelo dito “esclarecimento” de uma tal de “razão” e do chamado “conhecimento”, mas pelo grande aumento da quantidade de comunicação produzida e circulada. “Informação”, metaforicamente surgida da forja das formas e fôrmas, começa a ter um brilho incandescente e, como uma tocha ardendo na mente das pessoas, vai se espalhando de mente em mente.

A chegada da imprensa de tipos móveis possibilita a cópia acelerada de livros, aumentando não somente a difusão de textos clássicos como novos na filosofia e nas ciências. Incrementos na malha de transporte viabilizam não apenas a expansão de mercados e de colônias, como também a circulação desses livros e também de correspondências. Esta infraestrutura é fundamental para a ocorrência dos períodos eurocêntricos conhecidos como “Renascimento”, “Revolução Científica” e “Iluminismo”.

A afluência dos textos clássicos – antes de circulação muito mais restrita – terá forte influência no pensamento da época nesta região do mundo, inclusive sobre as “formas” e a “informação”. Como como indica Peters (1988)87:

  • Inicialmente há uma continuidade nas noções medievais de que informação é um processo de dar forma a uma entidade material, porém gradualmente ocorre um afastamento e um rechaço das concepções escolásticas.

  • Mas também há uma grande mudança nos sentidos de informação, associados aos novos tempos que repelem a noção de um universo ordenado por formas:

    • No lugar de “almas” e “espíritos”, entram as “mentes”, “egos” e “cogitos”.

    • No lugar de uma ordem social divinamente instituída, surge um “imenso mas frágil” Leviatã, “arbitrário e inescapável”.

    • No lugar de “percepção direta”, são colocadas as “percepções” e “impressões” com seus potenciais equívocos e incertezas.

  • Com isso, a noção de que o universo estaria ordenado perdeu crédito, e o processo de in-formação cambiou de locus, passando da formação da matéria para a da mente. “Formas” metafísicas a serem compreendidas perdem o lugar para o empirismo da evidência dos sentidos, e para a necessidade de separar as “informações” que chegam aos sentidos entre verdadeiras e falsas.

Tanto o empirismo quanto o racionalismo trariam um novo sistema de explicações para a “mecânica da sensação”, no qual os sentidos são in-formados pelo mundo, numa transição de formas intelectuais para informações sensíveis, e com a consequente dificuldade de relacionar as sensações que chegam à mente com o que realmente existe e ocorre no mundo, trazendo um grande problema de como extrair conhecimento científico objetivo de sensações subjetivas e pouco confiáveis, agora sem o antigo amparo de “formas” universais que poderiam ser compreendidas pelo intelecto, mas somente com “ideias” do tipo cartesiano, presentes na mente, compostas ou influenciadas pelo sensório, e que precisariam passar pelo julgamento da “lógica” e pela “razão”. Propostas para solucionar esse dilema consistiram em filtrar pacientemente o fluxo sensório, suspender ou negar a possibilidade de qualquer ordenamento, ou então considerar que a própria mente teria estruturas (ou formas) que poderiam ser usadas para a organização sensorial. Esta última concepção, kantiana, poderia ser chamada de “exformação” (“outformation”), em contraste com a “in-formação” vinda de fora88:

[…] the empiricist problematic was how the mind is informed by sensations of the world. At first informed meant shaped by; later it came to mean received reports from. As its site of action drifted from cosmos to consciousness, the term’s sense shifted from unities […] to units […] information came to refer to the fragmentary, fluctuating, haphazard stuff of sense. Information, like the early modern world view more generally, shifted from a divinely ordered cosmos to a system governed by the motion of corpuscles. Under the tutelage of empiricism, information gradually moved from structure to stuff, from form to substance, from intellectual order to sensory impulses.

Este câmbio começa como uma continuidade da escolástica na acepção epistemológica: in-formação dos sentidos.

Mas vai divergindo a partir do momento que é questionada a garantia de que aquilo que in-forma os sentidos tem relação com a “realidade”. O conhecimento das “formas” universais transcendentais parece ficar relegado a um segundo plano frente a essa questão imediata: como obter conhecimento do mundo se não temos garantias naquilo que in-forma nossos sentidos? O processo de in-formação dos sentidos e da mente passou a ter mais relevância e ser mais questionado, a ponto da “informação” ganhar preponderância. Num prazo mais longo, essa mudança foi até além daquilo que era processo, e informação acabou gradualmente sendo substantivada, ou seja, ganhando substância, sendo algo em si própria: informação não somente mais como verbo, mas como coisa em si, mesmo que coisa imaterial.

“Forma” parece ter sido substantivada muito antes no passado, abstraindo contornos/desenhos/aparências. Informação, anteriormente um processo, foi sendo substantivada de acordo com o incremento da quantidade de mensagens89.

Neste momento, a relação entre informação e inteligência é dada pela capacidade de extrair conhecimento proveniente da atividade sensória, sendo assim capaz de informar a partir da inteligência. E valeria a recíproca, como o processo informacional em Descartes: dar instruções e ordens para que o corpo as cumpra como uma máquina90.

O termo informação parece se tornar mais relacional e menos engessado como processo unilateral de formação. A fonte “autoritativa” de “inteligência” deixa de ser um repositório metafísico de formas, se deslocando para formas fornecidas (in-formadas) pelos sentidos ou que existiriam a priori na mente. Esse termo também passa pouco a pouco a indicar um elemento ontológico atomizável, paulatinamente se aproximando da noção de mercadoria.

O problema da aquisição da obtenção de conhecimento confiável a partir de um processo in-formacional/sensorial atinge, analogamente, aos emergentes Estados Nação dos séculos XVII a XXI.

Se os empiristas dão os primeiros passos para substantivar a informação, é com o surgimento da “Estadística”, mais conhecida como “Estatística”, que haverá o impulso adicional necessário para que a informação se torne uma entidade com dinâmica própria.

Enquanto o empirismo clássico preocupava-se com a informação na escala individual, alimentada por fluxos sensórios, em meados dos séculos dezoito e dezenove há um novo empirismo, em uma escala além da humana, ligada à necessidade de produção de informações para as burocracias dos emergentes e vastos Estados-Nação. Numa analogia antropomórfica, “o Estado se torna um conhecedor, a burocracia são seus sentidos, e a estatística é a sua informação”91:

[…] Any large-scale polity requires some kind of monitoring. […] But the scale and intensity of bureaucratic growth over the last two hundred years is quite unprecedented in human history. […] But how did the term migrate from empiricism to bureaucracy?

[…] In the eighteenth century, statistics […] was the name for the comparative […] study of states. […] The scale of the modern state presents its managers and citizens with a problem[…] they […] need facts. And so, statistics arose as the study of something too large to be perceptible […] Statistics, like newspapers, novels, and encyclopedias, have the aim of representing entities too large for […] individual’s senses[…] into something factual and manageable. […]

[…] Statistics offer a kind of gnosis, a mystic transcendence of individuality, a tasting of the forbidden fruit of knowledge. […] This new kind of knowledge […] is […] information. Information is knowledge with the human body taken out of it. […] Implicit in statistics is a kind of knower not subject to mortal limits. […] Statistical data (information) are of course gathered by mortals, but the pooling and analysis of them creates an implied-I that is disembodied and all-seeing. […] Computers do […] what the state already long was doing: they make vast invisible aggregates intelligible and manipulable. […] The computer existed as a practice before it existed as a machine (Mumford 1970, 273-5).

The computer is a child of the state. […] In the eighteenth century information might be used to mean “other men’s experience” (Littlebury 1737, vii), but now it refers to the possible experience of no body […] part of the explicit alienation of human scales and proportions and of the disappearance of death as a form of meaningful closure (Benjamin, 1968/1936). […] Stalin recognized this in his chillingly telling comment that one death is a tragedy, a million deaths a statistic. Information is a form of knowledge that rearranges the significance of everyday realities, sapping them of substance. As Norbert Wiener recognized (1948, 27), “the first industrial revolution, the revolution of the ’dark satanic mills,’ was the devaluation of the human arm by the competition of machinery…. The [second] industrial revolution is similarly bound to devalue the human brain, at least in its simpler and more routine functions […]

[…]

In sum, empiricism took the forms out of information, leaving it the chaotic “stuff’ of sensory experience. But it remained anchored in the human mind and senses. With state empiricism – statistics – the old scale of the human mind and body is shattered. Information accumulates at rates and in quantities that can be”processed” by no single person […] it becomes objectified, exterior, and alien to human senses. Information ironically comes to be synonymous with noise – that which cannot be processed at present In the context of the state information becomes a thing, a noun, a reified stuff separable from processes of informing.

Aqui, “inteligência” passa a designar o resultado da informação processada pela computação burocrática, pronta para ser “consumida” por gestores. É neste mesmo período que “atividades de inteligência” entendidas enquanto “agências de inteligência” e “serviços secretos” passam a ganhar mais sistemática e estrutura institucional, seja na diplomacia ou no meio militar. Suspeito que seja neste momento em que o termo “inteligência” passa a designar também o resultado da obtenção e processamento de “informações” pela espionagem – o que representa uma grande mudança de significado em relação à era anterior, quando inteligência estava mais relacionada com a compreensão das Formas transcendentais, inteligência esta que seria in-formada na matéria inerte através dos processos morfogenéticos. No tempo iluminista, informação já passa a ser uma entidade própria, pronta para a próxima etapa de desacoplamento entre informação e significado, quando informação passa a ser entendida de modo similar ao conceito de mercadoria: algo que se produz, se troca (transmite) etc.

4.5.3 Explodismo

Chega então o próximo período esquemático desta breve história: o Explodismo, Infoluminismo ou Hiperluminismo, caracterizado por uma intensificação da Iluminação da era anterior, chegando a um ponto excessivo e ofuscante da explosão informacional, tal como na fissão nuclear.

“Explodismo”, neologismo aqui cunhado – do latim explōdō92, nos sentidos de “ejetar”, “expelir”, bater palmas para retirar alguém do palco. Uma ejeção de informação, retirando a humanidade dos holofotes, e colocando em seu lugar a própria informação reproduzindo-se em escala assustadora.

Período no qual é concluída a desconexão e o desligamento entre a “informação” e qualquer significado, numa fratura conceitualmente problemática.

A informatização expandiu a escala de mercados e se imbricou com as cada vez mais vastas redes de transporte, associada também à padronização do tempo93. A telegrafia, e posteriormente o rádio e a televisão, assim como a produção em larga escala, reduzem o custo da cópia de mensagens, que se multiplam para tudo quanto é lado.

“Informação” passa a ser um termo apropriadamente utilizado para descrever toda essa massa de conteúdo comunicacional – incluindo aí a atualização sobre fatos, e ligada aos conceitos de notícia, anúncio e divulgação. –, virando uma abstração útil e tão poderosa que passou a ser considerada como uma coisa com existência própria e separada daquilo que ela in-forma, e sobre o quê ela in-forma, sendo recentemente alçada à uma categoria ontológica.

Já chega-se a falar em Hiperhistória94, quando a sociedade e seus indivíduos são ainda mais formados pela informação95:

as society […] moves into hyper-history (with society dependent on, and defined by, information and communication technologies) and the infosphere (an information environment distinguished by a seamless blend of online and offline information activity), individuals and societies are dependent on and formed by information in an unprecedented way, and information overload needs to be taken more seriously than ever.

Se o momento epistemológico ganha primeiro plano no conceito de informação na chamada modernidade96, diria que o conceito também ganha cada vez mais praticidade.

A informação descorporificada também pode ser associada a um autoritarismo que relega a matéria e os seres pensantes a uma categoria ontológica inferior.

Inteligência agora passa a ser associada a valores mais facilmente atribuíveis aos assim chamados computadores digitais e seus algoritmos (ou algoz-itmos): identificação e classificação de padrões, indexação e busca, compressão, etc.

Aparatos de comunicação mais rápidos, mais estáveis e que podem transmitir mais conteúdo permitem que mais informações sejam obtidas e acumuladas, assim como mais decisões possam ser tomadas e efetivadas num menor intervalo de tempo. Chegar primeiro, saber primeiro, vender primeiro, decidir primeiro, atirar primeiro: na dinâmica competitiva entre Estados e empresas fica cada vez mais importante ter à disposição dispositivos informacionais mais eficientes na velocidade e no volume. A “fidelidade” do aparato também é uma preocupação, sendo nesse caso a qualidade de um aparelho de garantir que a mensagem recebida é representativa, para não dizer idêntica, à mensagem enviada.

Esses problemas passam a ser o cerne da nascente engenharia de telecomunicações. Os artigos mais célebres são de Nyquist (1924) e Hartley (1928), culminando com um dos trabalhos mais influentes de todo o século XX e que estabelece uma teoria matemática para um entendimento restrito do que seria “informação”: o artigo de Shannon (1948). Neles, a questão da “informação” é reduzida apenas aos problemas da velocidade, do volume e da fidelidade na transmissão e recepção de mensagens. Culminando o processo iniciado no Iluminismo, a engenharia de telecomunicações retira da sua definição de “Informação” qualquer significado que uma mensagem possa ter para um intérprete humano: o que interessa para essa engenharia é apenas o problema de como ter aparatos de comunicação mais eficientes e fidedignos.

Ao invés de utilizarem um conceito mais específico para tratar desses problemas de transmissão e recepção – como por exemplo o termo “sinais” –, Shannon e seus dois principais predecessores insistem em usar o termo “Informação”. Parte disso pode ser explicado como uma confusão terminológica do começo de um novo campo de pesquisa, mas creio que em parte também tenha sido mais um sinal da continuidade do processo de abstrair mais e mais as relações de afetação, influência, concepção e entendimento entre seres na longa história da informação no chamado Ocidente.

Essa escolha terminológica foi mais do que um sequestro do conceito de “informação”: ela faz parte do próximo passo de separação em que Informação consta como uma categoria própria, independente de matéria, de inteligência e também de significados. Informação passa a se tornar uma categoria fundamental, primitiva, e que consequentemente não precisaria mais de uma definição ou explicação sobre sua existência, sobre o que ela é. “Informação é informação”, e o trabalho da engenharia de comunicações é melhorar sua transmissão, recepção e armazenamento.

Livre das contingências de qualquer significado, este novo conceito de Informação poderia então ser usado como representação de qualquer sentido, de qualquer conhecimento, bastando para isso codificá-lo numa mensagem. A ampla difusão do aparato técnico de comunicação acoplado com os processos de controle, decisão e, como não dizer, de espoliação também contribuiu para galvanizar o novo entendimento sobre Informação.

Tal manobra pragmática e semântica mudou profundamente a própria maneira de encarar o conhecimento, enfeitiçando toda a sociedade com o espectro desta Informação sem fronteiras97:

The catalyst for the contemporary discourse on information is undoubtedly the diffusion of “information theory” and its terms through the American academy after World War Two. Information theory developed as an outcome of the […] “information practice” of state bureaucracy. […] It gave scientists a fascinating account of information in terms of the old thermodynamic favorite, entropy, gave AT&T technical means for “shaving” frequencies and thus economizing by getting more calls on one line, and gave American culture a vocabulary well suited to its new status as world leader in military machinery. It was explicitly a theory of “signals” and not of “significance.” […] Indeed, the theory may have seemed so exciting because it showed how to make something already familiar through the bureaucratic institutions of everyday life into a lofty concept of science and technology. It offered an indirect way to transfigure bureaucracy, to give it a halo.

One consequence of the diffusion of information-theoretic ideas was the rewriting of the great chain of being in informational terms. On the smallest level, where the secrets of life are “coded, stored, and transmitted” we find Watson and Crick, the discoverers of the double helix, writing of DNA as a code containing “genetical information.” Neural synapses are switchboards and nerves are telephone lines […] and the messenger RNA proteins are dubbed “informosomes.” Moving up to physiology, one hears of hormones and enzymes as messages. The human brain is an “information-processer.” […] Finally, a few radio receivers vigilantly await some “information” from the outermost reaches of the universe, in the quest for extraterrestrial intelligence.

[…] Some have gone so far (Beniger 1986), to suggest that all intellectual inquiry into human affairs should redescribe itself in terms of a new trinity of concepts: information, communication, and control. Such schemes are the latest appearance of the dream of unified science that runs from Descartes to Carnap; information has been a stimulant to such dreams, just as geometry, evolution, thermodynamics, statistics, and mathematical physics have been in earlier days.

A exclusão o sentido do termo Informação na teoria de Shannon-Weaver, para que ela se tornasse a entidade universal de manipulação de mensagens, criou uma espécie de “armadilha semântica98. Esta seria seria mais uma teoria de”sinais” do que uma teoria dos “significantes”99, muito menos do que uma teoria da “Informação”.

Paradoxalmente, tanto em Shannon (1948) quanto posteriormente em Shannon e Weaver (1963), a definição de “Informação” é fraca e ambígua o suficiente para indicar – ou confundir – o conhecimento de uma mensagem recebida ou uma medida da quantidade efetiva de seleções de símbolos necessários para compor uma mensagem.

Ainda hoje tem sido muito difícil tentar compatibilizar essa definição estreita de Informação com muitos outros entendimentos e teorias da informação, especialmente aquelas onde o significado e outras dimensões da linguagem não são excluídos.

Na impossibilidade de uma Teoria Universal da Informação100, há uma toda uma galáxia de teorias e definições sobre a informação. A maioria delas é muito dependente dos nichos e contextos específicos onde ela é usada. A informação de Shannon-Weaver acabou tendo preponderância e influência nos usos mais comuns e coloquiais, tanto enquanto notícia, anúncio, atualização sobre fatos quanto na disponibilidade, processamento e comunicação em geral.

4.6 Classificação

Estejamos ainda na história ou já numa pós- ou hiperhistória, e por debaixo dos usos atuais da palavra ocidental “Informação” tanto coloquiais quanto técnicos, há uma grande divergência terminológica e conceitual digna de nota.

Não há consenso sobre como conceituar Informação de maneira abrangente. O que existem são acepções majoritárias que acabam por obliterar outros entendimentos. Quero criticá-las sem cair no erro de com isso reforçá-las em suas posições atuais. Assim, primeiro exaltarei a polissemia do termo, para então focar na denúncia de como um entendimento específico e afunilado sobre Informação, porém majoritário, está associado às grandes mazelas em andamento.

Infelizmente, até o momento só consegui me debruçar na tradição ocidental e eurocêntrica. Mesmo com essa restrição já é possível encontrar muita diversidade.

4.6.1 Polimorfia

Na sua trajetória histórica ocidental, a palavra informação foi usada para traduzir diversos conceitos ligados à ação de um agente dando forma a algo passivo/latente, com diversas intenções e conotações. Se pensarmos então em dar forma à própria palavra que trata sobre o que dá e o que recebe forma, constatamos que a palavra informação é antes de tudo polimorfa101:

Information is notoriously a polymorphic phenomenon and a polysemantic concept so, as an explicandum, it can be associated with several explanations, depending on the level of abstraction adopted and the cluster of requirements and desiderata orientating a theory. […] schematic simplifications and interpretative decisions will be inevitable.

Tanto forma quanto informação são polissêmicas e contém uma grande quantidade de significados.

Informação, a palavra que exprime formações intensas, trata de “formas”, “configurações”, em todas as suas potencialidades e atualidades. Todas as morfias são por ela contemplados. Sendo então um termo polimórfico pelo que designa.

O termo informação também é polimórfico por si mesmo, porque ele é informado externamente, e não admite um único significado. Seus sentidos convergem e divergem. Existem muitas formas de designar formações intensas, e existem significações que não tratam da “formação intensa”, mas de outras interpretações.

Não é possível unificar todos os conceitos de informação em um único, nem mesmo naqueles que sigam uma fórmula deleuze-guatarriana do tipo “… E … E … E … E …” (exemplo: “… informação é isso E aquilo E aquilo também…), pois mesmo nesse caso a fórmula não consegue conter a sua própria negação.

Importante não deixar que o conceito de informação tome conta de toda a filosofia.

4.6.2 Polivalência

Há um paradoxo, ou ironia, dos múltiplos conceitos de informação, que não informam a respeito de um único conceito, um único significado. Talvez mais do que qualquer outro conceito, exceto provavelmente pelo de democracia102:

Chalmers (1999, pp. 104-105) […]

[…] For instance, I think it will be agreed that the Newtonian concept of mass has a more precise meaning than the concept of democracy, say. It is plausible to suggest that the reason for the relatively precise meaning of the former stems from the fact that the concept plays a specific, well-defined role in a precise, closely-knit theory, Newtonian mechanics. By contrast, the social theories in which the concept democracy occurs are vague and multifarious. […]

Se um conceito não converge num único significado, pode haver controvérsia, disputa histórica ou a divergência do termo é explicada pela sua polivalência e aplicabilidade em diversos campos e situações. Deixaremos para outra oportunidade as controvérsias e concepções antagônicas em torno do termo democracia, e por agora trataremos das existentes no termo informação.

A situação recente do conceito de informação é tão confusa que não há, até onde encontrei, nem ao menos uma classificação convergente de todas as formulações. Indico algumas delas na seção 4.10.4.

4.6.3 Transmorfia

Em toda sua história no ocidente, o conceito de informação também tem um quê de transmorfo que parece perpassar todas essas classificações, se considerarmos trans como aquilo que muda e perpassa.

Transformação seria o processo de mudança de forma. Sendo intensa, constituiria uma re-informação. Parece ter havido transformação nos diversos conceitos de informação, inclusive nos contra- ou anti-hegemônicos, especialmente nos últimos 200 anos. Aqui continuaremos focando no conceito mais hegemônico, que será objeto de crítica na próxima seção.

Do Ignismo ao Explodismo, esta Informação majoritária sai do ser “formador” (deixando de ser transcendente), sai dos corpos (deixando de ser sensível) e perde os sentidos (deixando de significar). Desencarnada, desacoplada e re-caracterizada. Deixa de ser um processo ligando as formas metafísicas do além com a matéria do mundo para ser considerada o próprio substrato infraestrutural da physis. As formas deixam de ser platônicas sem nunca terem deixado de sê-las. Perdendo a transcendência, ela ganha transcendência. Deixando de fazer parte do sensível, ela passa a ser percebida em todo lugar. Deixando de significar, ela passa a fazer sentido em si própria. Informação invariavelmente continua sendo mística e mistificadora.

Este acaba sendo um retorno à Platão por outros meios: informação como e sobre aquilo que não é possível acessar diretamente pela experiência sensível. Parafraseando Whitehead, seria como dizer que a filosofia dita Ocidental da informação não passaria de uma série de notas marginais da obra de Platão103.

Na trajetória da palavra informação, parece haver um tendencial aumento de abstração simultaneamente a uma compressão de significados104.

Informação parece um conceito simultaneamente alienado de seu processo genealógico e extremamente capaz de alienar outros processos ao reformulá-los em termos informacionais. Informação como alienação de tudo, inclusive de si própria.

4.7 Criticalização

Na tentativa de encontrar caminho oposto à alienação, analisaremos adiante a massa, ou ponto crítico, onde ocorre a explosão informacional.

4.7.1 Invariâncias

Apesar dos muitos sentidos, é possível esboçar um significado comum, uma essência ancestral mas talvez não essencial da palavra informação.

Informatio, informo: acepções ancestrais latina para os processos de formação, mas não qualquer processo. O prefixo in as distingue da palavra forma, intensificando-as. Informação seria um processo de formação intensa, particularmente de um ator tido como poderoso e ativo – no caso ocidental sexista seria o demiurgo, o homem masculino através do seu sêmen, um professor – sobre uma porção de matéria ou um ente considerado mais passivo, que receberia os “princípios ativos” necessários para adquirir a forma almejada pelo “informador”. Uma analogia contemporânea, anacrônica porém direta, seria associar essa passagem com a transmissão do “código”, ou “software”, necessário para que corpos-mentes se trasformem e funcionem de uma dada maneira105. Este in- denota não somente intensidade como também em, continência. Analogamente na culinária, quando dizemos “enformar”, colocar na fôrma. Infornação.

Intensidade e continência na formação dos corpos, na corporificação: informação trata então tanto da formação dos corpos – no caso de um processo de informar a matéria, dando uma determinada forma –, assim como da atualização dos mesmos – no caso de uma informação que chega e opera uma mudança na situação de um corpo.

“In-formação” dira respeito a processos de transformação como o da terra em uma fruta, da comida em gente etc. Não seriam quaisquer processos transformativos, mas aqueles que são muito intensos a ponto de conseguirem amalgamar uma “forma pura” com uma “matéria prima”.

É portanto um conceito antropomórfico, tal como typo vindo de typto indicando um processo artesanal de dar forma a um corpo em estado “bruto”, martelando etc a partir de um molde, de um modelo. Sendo uma martelada, ou marretada, processo intenso e vigoroso, representaria o esforço necessario para imbuir um corpo amorfo com constituição, função e propósito pré-definidos.

Neste momento talvez ainda não implicasse também numa intensidade re-formativa, de-formativa ou trans-formatida dos corpos, como converter um ser já formado em outro. Esta transmorfia já apresenta uma subversão à ordem imposta, pois abriria espaço para considerar que o intercâmbio de forma possa ocorrer sem a ajuda de um ser artífice “superior”; e que nenhum corpo estaria condenado a uma forma, função, propósito ou posição cósmica.

Tal sedição informacional ocorre posteriormente, e talvez seja concomitante ao câmbio de posição do ente ativo no processo in-formacional – por exemplo quando ele passa a ser identificado como ocorrendo na mente de uma pessoa que se informa, memoriza etc. Até o momento em que a informação é desacoplada de qualquer ente ativo ou passivo e torna-se uma entidade paradoxalmente substantivada e ativa por conta própria106. Atividade e passividade se transformam em emissão e recepção.

Contudo, a acepção de controle da formação da mente e da matéria sempre esteve embutida na palavra informação. Mesmo com todas as transformações – ou poderíamos dizer (re)in-formações – este conceito elementar permanece inalterado. Tanto nas a acepções ditas quantitativas – como a teoria de Shannon-Weaver – quanto nas chamadas qualitativas – como as teorias semânticas.

Nas quantitativas, há intenção de garantir transmissão e recepção de instruções e demais conteúdos.

Nas qualitativas, garantir transmissão de mensagens que tenham sentido, livres de ambiguidades etc.

Ao processo informacional da matéria e do corpo – o chamado “campo ontológico” em Capurro –, seguiu-se a questão de como as formas são percebidas e compreendidas pelo ser humano – o que Capurro chama de “campo epistemológico” –, especialmente para que este compreenda as instruções para viver a vida adequadamente – como por exemplo a correta aplicação das leis transmitidas por um demiurgo.

Assim, apesar de Capurro (2022)107 afirmar que não se pode considerar um modelo único que abarque toda a complexidade do conceito de informação, podemos ao menos considerar uma mistura básica oriunda do platonismo e do aristotelismo relativa a um intenso processo de formação das coisas e que transmitiria uma essência modelar, os moldes das coisas, seja para a matéria ou para a mente humana; processo este realizado ativamente por um ser dotado da capacidade de informar. Tal intensidade de formação pode ser compreendido se considerarmos o que é necessário para transformar seres: há uma intensidade necessária para transformar uma árvore em lenha, e uma intensidade muito maior para transformar a mesma árvore em ouro, ou a lenha de volta em árvore: cada processo requer informações distintas tanto em intensidade quanto em qualidade.

Arrisco então a dizer que a relação entre Informação e controle é uma invariante histórica:

  1. Informação, primeiro conceituada como um ato (divino) de dar forma com intensidade.

  2. Informação passa em seguida para o verbo, verbo divino (criação, leis) ou humano, dar forma pela educação e moralização.

  3. Com a revolução trazida pela imprensa, também surge a ênfase a uma informação escrita, que seria mais confiável que a falada.

  4. Já a dita Teoria Matemática da Informação é impulsionada pela Estadística via engenharia de telecomunicações, especialmente a eletroeletrônica, a fim de garantir e otimizar a comunicação por esse meio, desde antes dos esforços de guerra do século XX, mas intensificada por estes e posteriormente pelo mercado. A ponto do conceito de informação desta teoria ganhar ascendência sobre outras, e a informação circulante por via eletroeletrônica ganhar mais importância do que a impressa.

Essas mudanças, ou acréscimos, de significado da palavra informação também estão associadas aos seus usos e substratos tecnológicos.

Subjaz em todas essas acepções a intenção de produzir efeitos através do processo de informação. Efetividade aqui entendida como a produção de efeitos, de câmbios de forma, permitindo entender Informação também como relação entre forma e função, o que abre uma ótima brecha para nos perguntarmos sobre quem é que diz qual é a “função” de algo.

Conceber Informação relativa ao controle contempla inclusive informações “ambientais”, sem intencionalidade de efeitos e funções, já que mesmo estas estão ligadas à noção de controle: informações ambientais usadas para regular/balizar atuações efetivas. Informações territoriais, populacionais e econômicas para gerir empreendimentos como um Estado Nação, uma empresa, uma corporação. Informação sobre o Outro para fomentar ou empreender a guerra.

Não nos esqueçamos também da intensidade implícita na palavra informação, pelo seu prefixo in-. Curiosamente, informação é um conceito que vai se intensificando. Desde a palavra fōrma que significados vão se agregando, e a partir de infōrmātio e infōrmo há um acréscimo de conceitos, e aos poucos informação vai tomando conta da filosofia e da epistemologia.

Nesta longa jornada, Informação e Inteligência sempre estiveram próximas. Às vezes ambas são usadas como sinônimo para coleta de fatos a serem compilados e produzirem estudos, análises e relatórios amparando decisões executivas.

Mas hoje, no geral, Informação e Inteligência estão bem separadas. Informação e significado/sentido também. Informação se torna apenas um invólucro esvaziado, uma embalagem que é transmitida de um lugar com outro com a maior “fidelidade” possível, numa operação pragmática e alienadora.

Hoje já se consolidou uma cisão histórica entre Informação e Inteligência. Dada a quantidade enorme de informação disponível, inteligência passa a ser a capacidade de processar, filtrar, indexar, cruzar etc informações, para elaborar um produto mais “acabado” com o nome de “conhecimento”. Informações em princípio teriam um status menor do que inteligência e conhecimento.

4.7.2 Engolfamento

Uma das primeiras consequências dessa mudança da relação entre informação e inteligência está no comentário sobre a informatização de Walter Benjamin108 que, ao que me consta, parece ser a primeira teoria crítica do conceito “moderno” de informação.

Ela descreve o descenso da arte da contação de histórias: com a chegada da imprensa/impressão, a transmissão de história (oral) passa a ser gradualmente suplantada pela novela, que teve uma lenta maturação desde a antiguidade. No aprofundamento desse processo, informação passa a substituir a inteligência, estando pronta para consumo instantâneo, sem necessidade de interpretações adicionais109:

it is no longer intelligence coming from afar, but the information which supplies a handle for what is nearest that gets the readiest hearing. The intelligence that came from afar – whether the spatial kind from foreign countries or the temporal kind of tradition – possessed an authority which gave it validity, even when it was not subject to verification. Information however, lays claim to prompt verifiability. The prime requirement is that it appear “understandable in itself.” Often it is no more exact than the intelligence of earlier centuries was. But while the latter was inclined to borrow from the miraculous, it is indispensable for information to sound plausible. Because of this it proves incompatible with the spirit of storytelling. If the art of storytelling has become rare, the dissemination of information has had a decisive share in this state of affairs.

A teoria da informação de Walter Benjamin contrapõe os encontros e a histórias contadas oralmente com as “mídias” que destroem a experiência em primeira pessoa, especialmente daquelas vividas diretamente por viajantes que, ao retornarem, compartilham suas histórias não somente compostas de fatos, mas também de impressões e interpretações.

Com os correios, a imprensa, os telégrafos, o rádio, a televisão, a telefonia, a Internet e outras traquitanas, a atualização dos fatos chega antes das pessoas. A proeminência de figuras como Heródoto, Marco Polo e tantas outras pessoas viajantes-contadoras é gradualmente substituída pelo conteúdo da informação enquanto notícia, e as viajantes tendem a se tornar no máximo “correspondentes de imprensa”.

Essa nova informação perde o valor assim que chega, enquanto na história do viajante há uma riqueza de maior duração110:

The value of information does not survive the moment in which it was new. It lives only at that moment; it has to surrender to it completely and explain itself to it without losing any time. A story is different. It does not expend itself. It preserves and concentrates its strength and is capable of releasing it even after a long time.

A valorização deste tipo de Informação desvaloriza a longa contação de histórias que demoram para ser compostas, contadas e interpretadas. Também pode ser considerada como uma desvalorização do humano e das experiências individuais.

A informação que chega rápido e num tamanho compacto passa a ser cada vez mais a regra que permite decisões igualmente rápidas e compactas que possam ser passadas adiante como mais informação.

Neste cenário, processar informações em quantidades e taxas cada vez maiores e extraindo um “conhecimento” que viabilize decisões úteis, atitudes efetivas e ganhos garantidos passa a ser crucial, dado o mundo competitivo e antagonista do universo cada vez mais (ultra-neo)liberal de indivíduos, empresas e Estados Nação.

Analogamente, torna-se estratégico proteger informações valiosas para que não estejam disponíveis para a concorrência processar e extrair resultados semelhantes ou mesmo melhores.

Indo um pouco mais além, pode ser também vantajoso para muitos atores desta competição inundar o mundo com informações desconexas, desencontradas, de baixa factualidade, desimportantes etc para confundir e direcionar oponentes, especialmente quanto estes são populações inteiras.

Por isso que a Informação enquanto categoria é também uma categoria da disputa, do conflito e da guerra, como que a versão infraestrutural do famoso mote “conhecimento é poder”. Só que informação não necessariamente é poder. Pode ser também confusão, desencontro e derrota.

É da dinâmica do mundo em conflito que esse novo entendimento do que é Informação, arrojado e utilitário, ganha terreno, o qual está imbuído de premissas que desembocam na lógica da disputa: obter as melhores informações para si, descartando o que não interessa ou tem valor; emitir informações que sejam benéficas para si, sejam estas para direcionar ou confundir outros agentes.

O que seria esta senão a lógica dos Serviços Secretos e agências de espionagem? Estes prefiguraram tal uso tático-estratégico da informação desde a virada da Estadística durante o Iluminismo, mas que no Hiperluminismo passa a ser um comportamento muito mais difundido e inserido na racionalidade premente de internalizar vantagens e externalizar desvantagens.

O efeito composto desta miríade de emissores informacionais em escalada pela preponderância na captação, decisão e promoção da confusão é a prevalência de um novo aspecto da Informação: um engolfamento geral, com todos os agentes afundando numa quantidade cada vez maior de informação de qualidade duvidosa. Manter-se na superfície implica ter capacidade suficiente de processar e produzir informações, assim como tomar decisões em tempo hábil, o que tem sido um privilégio bem restrito.

O excesso de informação torna-se paradoxalmente análogo à desinformação, seja um excesso produzido intencionalmente ou advindo da própria quantidade de informação disponível. O excesso de informação propaga a desinformação ao tornar difícil e trabalhosa a seleção e processamento de informações que sejam úteis e acionáveis, no sentido de permitirem ações efetivas.

Este é o paradoxo da (des)informação: aquilo que forma também pode deformar e, com a intensificação da dimensão agonística neste jogo, a situação fica cada vez mais extrema.

O dano provocado pelo uso adversarial da informação não é apenas representado pela palavra “desinformar”, que significaria originalmente uma retirada de informação, mas também (complementarmente) uma deformação, composta pela remodelagem de um sistema desde uma forma anterior para uma forma posterior e em seu desfavor.

Modos da desinformação incluem factóides – fatos recentes pretensamente importantes – ou sua versão em alta-frequência e quantidade, que chamo de imediatóides; assim como notícias falsas (“fake news”), dados forjados, propaganda, conteúdo não solicitado (“SPAM”), roubo de pauta e de atenção, manipulação e guerra psicológica, “deep fakes”, ataques de negação de serviço (DoS - Denial of Service); campanhas de desinformação do tipo “smear campaigns”; etc. Não é somente o falso e a mentira que poluem, como também a notícia e o assunto que desviam a atenção das pautas mais urgentes.

Relacionar informação com critério de veracidade também revela-se problemático: por um lado, há uma expectativa de que informações contenham verdades sobre o mundo – mesmo que apenas algumas verdades entre tantas mentiras –, por outro é muito fácil confundir informações plausíveis com factualidade.

Espera-se que informações sirvam para agir, ao passo de que informações tem mais chances de servir à transmissão de crenças111:

For what people need and want first and foremost is true information about their world – information that makes it possible for them to plan their actions, by enabling them to make predictions about the consequences that the different lines of action open to them might have.

But none of this should blind us to the fact that it is nevertheless linguistic information […] – information about how the world might be, rather than information about how it actually is – that is the central notion in relation to human language; it is this kind of information that is language’s principal commodity, not the kind of information that has truth built into it. One indication of this is […] about the interpreter’s handling of both non-presuppositional and presuppositional content that is motivated by the concern for truth is ultimately not about the truth as such but about what the interpreter thinks is true. It is because the interpreter can represent the world as being of a certain kind, and thus imagine it to be of that kind, that he is also capable of thinking that it is of that kind. But in the case of thought, as in that of language, the commitment to the world actually being of a certain kind is distinct and detachable from the conception of a world of such a kind as such. This distinction – between truth and mere possibility, or, if you prefer, between belief and imagination – is at the core of information both as a cognitive and a linguistic commodity.

Parece haver um pequeno indicador mental que nos informa se uma história é considerada verídica ou não, se aconteceu conosco ou é produto da nossa imaginação. Como uma memória nossa que atribui a cada caso um tipo factualidade. Este indicador existe em cada conto, em cada lenda, conversa, relato, fofoca, rumor, boato, disque-disque, sonho ou devaneio que nos chega? Se existem, o quanto ele é estável? O quanto ele pode ser subitamente a(dul)lterado, misturando essas atribuições? Será que o excesso de informação não nos está nos confundindo e ofuscando uma classificação até então mais ou menos estável do que seria fato do que seria ficção? Sabemos, desde de já, é muito trabalhoso fazer essa triagem e separar uma coisa da outra.

4.7.3 Ofuscamento

O excesso de luz é um tipo de escuridão, já que ofusca112, e é assim que foi encerrado o período “Iluminista” das “Luzes”. Estamos agora na fase do ofuscamento pelo excesso de luminosidade, do “Hiperluminismo” que tende a produzir explosões de excesso informacional.

A Informação está entupindo tudo. Tamanha é a quantidade de informação que não sabemos mais o que fazer com ela. Como uma montanha de lixo nos soterrando.

Num mundo assim, a Informação, em estado bruto, seria algo não exatamente parecido com a analogia frequentemente usada de minerais a serem processadsos para extração de metais e terras raras, mas sim como lixo113 a ser ingerido e tratado para, com sorte, obter algum conhecimento precioso.

Informação é lixo quando alguém não precisa dela. Quando ela invade o campo cognitivo pela notícia que fisga, pela propaganda imposta. Alguém que aprendeu a ler visualmente dificilmente consegue ver um texto e escolher não interpretá-lo. Ou alguém que escute uma conversa em seu próprio idioma sem discernir o que é dito. Neste sentido, a alfabetização e o aprendizado de linguagens em geral, sejam faladas ou escrita, para além de ser um dos rituais de entrada na vida social, também acabam sendo uma passagem sem volta para o mundo da informação: rituais de passagem que vão além da inclusão social, caminho sem volta para a exposição informacional. Não dá pra tapar facilmente os ouvidos ou não interpretar palavras lidas!

É esse excesso de informação, transformada em lixo, que impulsiona vários procedimentos computacionais de seleção e classificação, inclusive os métodos estatísticos conhecidos como “Inteligência Artificial”114 (IA).

Este processo aprofunda a crescente divergência entre Informação e Inteligência: duas palavras que anteriormente eram praticamente sinônimos - Informação e Inteligência – vão divergindo cada vez mais.

“Inteligência” fica cada vez mais associada à estratégia, ao sigilo, ao segredo – domínio dos Serviços Secretos – assim como também pela capacidade de processar o lixo informacional para obter um produto que seria de “alto nível” e chamado de “conhecimento”, enquanto que “Informação” cada vez mais está ligada ao rejeito comunicacional que pode ser de alguma maneira reaproveitado. Inteligência se aproxima da estratégia, e Informação do lixo.

Aquilo que é chamado de “Inteligência Artificial” basicamente é um processo de extração de valor em cima da coleta e classificação de lixo informacional, conclusão que chego tanto pelo contato com o trabalho de doutoramento da minha amiga Nahema115 quanto pela minha própria experienciação do mundo e constatação de que informação cada vez mais se assemelha a rejeitos industriais116.

A “Inteligência” então é uma palavra que está cada vez mais se distanciando de outras como conhecimento, sabedoria, sagacidade, argúcia etc – nenhuma delas palavras tendo o mesmo sentido que “Inteligência” vem ganhando, menos ainda que “Informação”117.

O artíficio da “Inteligência” “Artificial” é a utilização de “algoritmos”118 para extração de “inteligência” a partir dos depósitos de “lixo informacional”.

Ou seja, resumidamente, o conceito de “informação” tem se afastado do conceito de “inteligência” e se aproximado do conceito de “lixo”:

  • A informação, por um lado, se tornou ferramenta de controle usada descontroladamente, a ponto de gerar um excesso de sinais emitidos na expectativa de “fisgar” algum sistema de interpretação/processamento – como por exemplo uma pessoa afetada pela propaganda –, numa poluição cujo efeito global é a transformação da informação em lixo. Por outro, a informação se tornou aquilo que pode ser captado como rastro, rejeito e efeito colateral da atividade das pessoas – sensores, equipamentos de monitoria, registros de interação etc – que também constitui uma espécie de poluição residual da atividade humana.

  • A inteligência, por sua vez, passou a ser a atividade de processamento desse lixo para ordená-lo e utilizá-lo como base para gerar mais informações emitidas, multiplicando ainda mais a poluição informacional.

  • Assim, informação e inteligência descolaram-se nos últimos cem anos. Inteligência está passando a se tornar um termo mais e mais específico, mais e mais afunilado e que prioriza mecanismos de extração e ordenação informacional para decisões rápidas em detrimento de capacidades cognitivas como o juízo.

É inegável o aumento da daquilo que é considerado como conhecimento. A maior disponibilidade, acesso e afluência de estudos, juntamente com o aumento de quantidade de cientistas, exponenciou a produção e publicação de pesquisas. Mas o acesso a esse material continua muito restrito a segmentos, setores e classes sociais, e é ofuscado pela enorme quantidade de outros conteúdos. O grosso desse conhecimento gerado acaba sendo mais aproveitado pela maquinaria estadística, além de ser comummente privatizado e cerceado por interesses empresariais.

O conceito de informação também retém seu próprio paradoxo: por um lado é controle, é informação útil, bem formado, com significado etc; por outro lado é poluição ambiental, puro lixo, que dificulta a obtenção da própria inteligência – há muita “informação” para ser filtrada e processada, necessitando de mais e mais sistemas de “inteligência artificial” para recolhê-la – ou “minerá-la” – armazená-la, ordená-la, filtrá-la e processá-la. Para então posteriormente emitir mais informação, poluindo mais o ambiente e requerendo mais e mais sistemas para processamento e ordenação.

No meio de tanta lixarada, tentativas de organização conceitual surgem na intenção de salvar o termo “informação”, mas que quando muito apenas escondem e ofuscam ainda mais o problema. Uma delas consiste em chamar qualquer sinal registrado como “dado” – ou “dados”, no plural –, sem critério de valor, factualidade etc; enquanto que informação seria a porção já processada, ordenada e com significado. Já a inteligência seria composta por inferências, avaliações, julgamentos etc realizados a partir da informação – como tendências, projeções, criação de cenários etc.

Etimologia 4.4 (Dado) Do latim, via Glare (1968) pág. 485: datarius, datatim, datio, datiuus, dato, dator, datum, datus. Aquilo que é dado, oferecido ou fruto de um débito. Dado por alguma pessoa ou até dado pelos deuses. Cuja raíz latina – segundo Glare (1968) pág. 566 – é dō, de dar, oferecer, conceder…

O uso da expressão dados tem aumentado nas últimas décadas, e especialmente nos últimos anos, substituindo ou suplantando o de informação em diversos contextos.

É nesse sentido que Floridi (2004) afirma que a teoria de shannon não seria sobre informação, mas sim uma “teoria matemática de comunicação de dados”119; ele vai adiante distinguindo uma Definição Geral de Informação (General Definition of Information - GDI) de uma Especial (Special Definition of Information - SDI), na qual uma informação seria composta por dados “bem formados” (sic), consultas, significação e factualidade.

Tem sido difícil diferenciar o uso que se faz entre dados e informação por conta de encontros e desencontros terminológicos, assim como mudanças constantes.

Se, por um lado, “dados” referem-se mais ao conteúdo bruto e informação àquilo que é processado, por outro “informação” seria composta de dados (enquanto sinais codificados) mas com interpretações e significados; por outro lado, falar de “dados” como algo bruto – no sentido de fundamental, cru, básico, neutro, sem tratamento etc – não é correto, pois a codificação de fenômenos em dados implica em aproximações e interferências; nem que dados careçam de interpretação. A confusão conceitual abunda, e qualquer escolha das definições de informação e dasos, assim como a relação entre ambas, tende a ter aplicabilidade mais específica do que geral.

O problema persiste mesmo que esta nomenclatura diferenciadora entre dados e informação seja adotada: uma porção enorme de dados processados e apresentados enquanto “informações” bem formadas, possuindo significados e até mesmo ligadas a acontecimentos – anúncios, notícias não solicitadas etc – tem constituído uma enorme parcela da “comunicação” enquanto lixo.

4.7.4 Sobrecarga

O que fazer com tanto lixo, ainda mais com o imperativo de ter que encontrar o relevante dentro de uma imensidão de conteúdo indesejável? Como lidar com a sensação de que estamos deixando de saber coisas muito importantes que estão acontecendo, e que se não ficarmos a par sofreremos sérias consequências?

Se o regime incessante e avassalador da avalanche informacional opera para alijar humanos do processo, simultaneamente impera um entendimento tácito de que pessoas precisam “estar sempre bem informadas”.

A sobrecarga informacional não é um fenômeno recente. O desafio da assimilação, memorização e uso de mensagens atravessa os tempos120.

A “solução” mais difundida para esse dilema da sobrecarga informacional é a terceirização do processo de obtenção de informações que sejam relevantes. Seja confiando no trabalho da imprensa ou, mais recentemente, na utilização de processos estatísticos tais como aqueles chamados de “Inteligência Artificial” ou qualquer tipo de serviço de organização e recomendação121:

After “information theory” came to be, so did “information overload”, “information glut”, “information anxiety”, and “information fatigue”, the last recognized by the OED in 2009 as a timely syndrome: “Apathy, indifference, or mental exhaustion arising from exposure to too much information, esp. (in later use) stress induced by the attempt to assimilate excessive amounts of information from the media, the Internet, or at work.” Sometimes information anxiety can coexist with boredom, a particularly confusing combination. David Foster Wallace had a more ominous name for this modern condition: Total Noise. “The tsunami of available fact, context, and perspective” – that, he wrote in 2007, constitutes Total Noise. He talked about the sensation of drowning and also of a loss of autonomy, of personal responsibility for being informed. To keep up with all the information we need proxies and subcontractors.

Sem contar a renúncia política, mesmo essa delegação de atribuições tem sido insuficiente para aliviar a sensação de que sempre falta saber um pouco mais, já que agências de notícias e outros equipamentos informacionais competem entre si e dependem de manter a atenção das pessoas.

Não há como, dentro do que hoje mais ou menos se considera como “humano”, superar esse regime, e as pessoas já foram vencidas pela informação enquanto lixo: não há como “derrotar” a quantidade enorme de informação – a não ser que paradoxalmente passem a ignorá-la enquanto os fatos concretos e cotidianos da vida não obrigarem a se informar de acontecimentos.

É importante reconsiderarmos mal-estares tais como a ansiedade, neurose e paranóia sob a égide da informação, sobretudo agravadas pela sua sobrecarga. Arrisco, num relance, mas sem tentar esvaziar a psiquê num esquematismo empobrecedor pela sua “informatização”:

  • Neurose como infinita repetição de informações traumáticas – julgar já ter informações em excesso, insistindo em repeti-las, recusando-se a receber novas.

  • Paranoia da infinita suposição acerca de informações que não se tem, e acreditar sempre estar em falta de informação suficiente que confirme as próprias suspeitas sobre a operação do mundo contra si.

  • Ansiedade pela incapacidade de lidar com o regime informacional, tanto de informar quanto de receber – (in)suficiência. Mal dos tempos e intimamente ligada ao conceito de “informação”: tentar, mas não dar conta, de se informar e in-formar o mundo, o tempo todo, com a sensação de que não se informar implica na sua exclusão do mundo.

Todas parecem “compatíveis” entre si – um indivíduo pode sofrer de mais de uma ao mesmo tempo –, e uma reforça as outras: pode-se recusar informações de um dado conteúdo – para evitar “gatilhos” mentais – e buscar vorazmente outras, sentindo-se continuamente incapaz de “progredir” no conhecimento do mundo. Podem operar em alta frequência, acoplando-se à hiperexposição informacional, tendendo à confusão e à perda de efetividade122.

O excesso informacional redunda num assalto ininterrupto à atenção e ao desvio, à constante mudança de assunto, ou “contexto”, prejudicando o julgamento daquilo que é mais importante. É custoso para a mente mesmo sem considerar os efeitos da neurose, da paranoia e da ansiedade, cujo cansaço redunda em desatenção, dispersão e esgotamento – também chamado de “burnout”, a “queima mental” não somente pelo excesso de trabalho como pelo excesso de informação enviada e recebida.

Trago, da minha própria bagagem de superexposição informacional, três exemplos ficcionais que abordam esse esgotamento: um seriado de televisão, uma história em quadrinhos, e um filme:

  1. Os “Blipverts” da série Max Headroom123, que literalmente explodem o corpo telespectadores de tanta informação fornecida por 30 segundos de anúncios comerciais condensados em apenas três. A compressão da propaganda evitaria que a pessoa tivesse tempo para trocar de canal, mas acaba por estimular todos os seus neurônios.
  1. Os “Block Consumer Incentive Bursting” – ou “Buy Bombs” (bombas de propaganda) do quadrinho “Transmetropolitan”124: uma explosão sensorial que imediatamente causa fadiga e sono, e que se “desdobra” em sonhos patrocinados por empresas anunciando seus produtos.
  1. A “Síndrome da Atenuação Nervosa” (“Nerve Attenuation Syndrome” - NAS), patologia oriunda da sobrecarga informacional como alegoria mnemotécnica no filme “Johnny Mnemonic”125, que parece preconizar a situação do século XXI e que é apresentada numa cartela logo no início do filme:

    NEW CENTURY. AGE OF TERMINAL CAPITALISM.

    THE ARMORED TOWERS OF MULTINATIONAL CORPORATIONS RISE ABOVE THE RUINS OF DEMOCRACIES THAT GAVE THEM BIRTH.

    HACKERS, DATA-PIRATES, LOTEK MEDIA-REBELS ARE THE ENEMY, BORROWING LIKE RATS IN THE WALLS OF CYBERSPACE.

    A NEW PLAGUE CONVULSES THE CITY: NERVE ATTENUATION SYNDROME, INCURABLE, FATAL, EPIDEMIC, BRINGING FEAR AND MISERY AS OLD AS THE SPECIES ITSELF.

    BUT THE MOST PRECIOUS DATA IS SOMETIMES ENTRUSTED TO ELITE PRIVATE AGENTS, WETWIRED TO FUNCTION AS HUMAN DATA BANKS.

    MNEMONIC COURRIERS.

    A causa da síndrome seria a própria poluição difusa do aparato informacional126:

    So what does cause it?

    The world causes it.

    This causes it! [pointing to electronic devices]

    Information overload, all the electronics… poisoning the airwaves!

    Technological fucking civilization!

    But we still have all this shit, because we can’t live without it.

4.7.5 Esgotamento

A informação explode, e as pessoas definham. Os cérebros estão sendo informados principalmente enquanto receptores, na exacerbação de uma formação intensa, febril e específica nas suas conexões nervosas.

Há uma ilusão de que humanos estão ficando mais e mais inteligentes conforme aumenta o contato e uma suposta “simbiose” entre seus sistemas nervosos e os “enervamentos” das “redes” informacionais.

Mas suas neuroplasticidades cada vez mais cansadas tendem a um modo de operação em alta frequência e de microdecisões rápidas, sem o tempo lento da elaboração, da memória, da crítica, enfim, da maturação das conexões nervosas.

O excesso de maleabilidade informacional pode produzir uma redução da neuroplasticidade. Muita informação, muita informabilidade: indivíduos à mercê de serem constantemente sujeitados à reforma, à reprogramação. A lavagem cerebral é um processo de amnésia e reprogramação via excesso de informação, como na fictícia Técnica Ludovico. Ou de anestesia para pessoas que, após dias extenuantes num mundo opressivo, buscam grandes doses de escapismo com entretenimento como uma “higiene mental” para esquecer dos problemas, desacelerar a mente e ajudar a dormir.

Em seu “Elogio da lentidão”127, o neurobiólogo Lamberto Maffei indica que a sociedade do consumo está assentada na exploração da plasticidade do cérebro128, e que hoje há uma tendência a um tipo de “cérebro globalizado”, mais automatizado e menos diverso, porém sintonizado e compatibilizado para a sobrecarga129.

4.7.6 Lixificação

Talvez um novo tipo de demência esteja sendo engendrado, baseado na atrofia do pensamento lento e no estímulo de respostas rápidas encorajadas cada vez mais por “microdoses” de recompensas, como nos ciclos viciosos das notícias e das notificações130, que vão da expectativa crescente até o esquecimento,

O caso das notícias e do seu engajamento em campanhas pela atenção e replicação é mesmo espetacular. Elas não ajudam a resolver os problemas de que tratam, e apenas os exploram ainda mais.

A dinâmica das notícias é planejada para ser viciante, aditiva e adictiva. Consumir notícias provoca a falsa impressão de que o mundo está prestes a acabar e que, se acompanharmos os acontecimentos recentes por tempo suficiente, testemunharemos um grande desfecho lógico para qualquer história – de uma esperada condenação até o próprio fim do mundo. Talvez queiramos mesmo ler tantas notícias na expectativa de que este mundo esteja acabando logo para que outro melhor surja em seu lugar. Os mercadores de notícia, assim como outros atores informacionais, vivem desse “engajamento” – palavra que deixou de significar um comprometimento ativo para designar um processo de zumbificação de “usuários” viciados em informação. Para mantê-los engajados, os mercadores da notícia precisam fornecer informações mais e mais alarmantes e radicalizadoras, num crescente que tende à invenção de factóides quando o estoque factual acaba, de modo que as notícias falsas tendem a convergir ou suplantar a notícia factualizada, processo magistralmente consagrado no filme “A Montanha dos Sete Abutres”131.

A audiência é estimulada e clama sempre por mais: as maiores façanhas, os maiores recordes, a pessoa que come mais em menos tempo, os assassinatos mais brutais. Quem oferta informação – e compete por atenção – tende a entrar nesse clima de disputa e deve se auto-explorar para satisfazer expectativas sempre maiores e sempre insatisfeitas. Mesmo conteúdos gerados por “Inteligências Artificiais” podem perpetuam essa dinâmica. A radicalização aqui surge como uma dinâmica de informações mais e mais extremas que nunca chegam a um desfecho e sempre demandam a “fidelização” da audiência.

Essa dinâmica de “engajamento” constante e radicalização é favorável ao uso ideológico, especialmente por alas fascistas. Como explica Tarcízio Silva132 sobre esses circuitos de ódio,

Se extremismo gera engajamento de espectadores e o sistema algorítmico faz ajustes na recomendação de conteúdo para manter o usuário no serviço, a tendência é que tal usuário consuma mais e mais conteúdos extremistas. Um estudo de Bernhard Rieder e colaboradores mostrou que as redes de recomendação entre vídeos no YouTube e as flutuações nos rankings de visibilidade em espaços como a busca interna da plataforma favorecem muito o que descreveu como “exploradores de nicho altamente ativos para ganhar níveis excepcionais de visibilidade. Aproveitando-se de controvérsias e audiências legais, esses canais consistentemente apareceram nas posições de destaque.

Há anos, a radicalização crescente do usuário por meio de recomendação de conteúdo cada vez mais extremo e “inflamatório” é reportada por ex-funcionários que vazam informações e por estudos de big data. O levantamento de Manoel Horta Ribeiro e colaboradores identificou que canais extremistas cresceram consistentemente desde 2015 e que eles promovem a migração não só de visualizações, mas também de comentários dos usuários. Descobriram que “um número significativo de usuários comentadores sistematicamente migra de comentar apenas em conteúdo moderado para comentar em conteúdo mais extremo”. Zeynep Tufekci reflete sobre a necessidade de se questionar como sociedades permitem a concentração financeira em corporações que literalmente lucram com a circulação de ódio:

Nós estamos testemunhando a exploração computacional de um desejo humano natural: de olhar “atrás da cortina”, de se aprofundar em algo que nos engaja de algum modo. Quando clicamos e clicamos, somos levados pela sensação excitante de descobrir mais segredos e verdades mais profundas. YouTube leva usuários pela “toca do coelho” do extremismo, enquanto o Google aumenta a venda de anúncios.

O desejo humano de buscar o chocante frequentemente se associa à filiação a teorias conspiratórias ou à confiança em dados factualmente errados, mas que corroboram o conforto em crenças discriminatórias ou em sistemas de poder e privilégio, como o racismo estrutural. A busca ou visualização de conteúdos com essas motivações pode ter resultados desastrosos em termos coletivos e em manifestações individuais extremas.

O vício em informação é um vício em novidade, facilmente canalizável para o surpreendente que prepara a pessoa a aceitar as únicas conclusões possíveis de premissas e informações previamente selecionadas. Aliado ao apelo futurista da velocidade, neutraliza a capacidade crítica individual, numa guerra permanente à contemplação que incentiva “gastar” o mínimo de tempo em cada “bloco” de “informação”, pulando para o próximo item de uma lista infinita133 até que, na derrota pelo cansaço e tendo sorte, alguém tem a sutil impressão de que “são sempre as mesmas notícias”, e que portanto não há notícia, e que nada disso resolverá seus problemas. Para então tentar descansar o mínimo, e recomeçar… se tiver essa sorte, se antes não for completamente fisgado pelas narrativas…

O uso de toda essa escumalha para destruir a política e a capacidade de contribuir ativamente na resolução dos problemas coletivos resulta num conceito de “Informação” em estágio avançado de lixificação.

Informação está deixando de ser o componente formativo das coisas e está passando a ser aquilo que as deforma. De matéria prima para rejeito, para lixo.

Quando um elemento técnico se torna muito fácil de gerar, enviar e receber, seu valor cai, não só econômica mas em especial socialmente. Nessas situações de afluência, há tanta informação que não se dá mais tanto valor a meros exemplares. Até aí, mera tautologia. Indo um pouco além, um movimento em falso e uma sociedade passa a gerar mais do que ela necessita, podendo até comprometer recursos escassamente disponíveis. Pior ainda, quando a facilidade de geração implica num desperdício adicional e intencional quando a produção de exemplares excedentes destina-se basicamente a inflar o ambiente e desvalorizar o elemento técnico.

Da facilidade de geração, diríamos que cada vez mais está fácil registrar os momentos das atividades humanas e não-humanas, em frequências limitadas apenas pelas taxas de amostragem, e em resoluções tão altas quanto a acurácia dos equipamentos. Como aponta Zuboff (2019), cada atividade humana pode gerar um excedente informacional, havendo então informações geradas pela atividade em si e um excedente sobre, ou a respeito daquela atividade.

Da facilidade de envio, lembremos que, com a queda do custo de envio de mensagens, estas se multiplicam134:

“Toda a vida moderna repousa na possibilidade de multiplicar as informações por um preço mínimo” (Brillouin, 1959, p. 154).

Anteriormente, a produção e o envio uma mensagem eram custosos, fossem estas recados ou a escrita de um livro. Era necessário considerar, pensar e trabalhar o conteúdo da mensagem.

O envio displicente de mensagens gera uma condição precarizante. É muito fácil pedir coisas, divulgar coisas e poluir as caixas de mensagens das pessoas. Consequências da hiperexposição informacional incluem a amnésia e o esgotamento (“burnout”) e também uma pré-disposição à “programação” via sugestionamento, como discorrido na seção anterior135.

Esta facilidade de envio converte o aparato comunicacional em máquinas de amplificação e multiplicação das ansiedades:

  • O envio e recebimento acelerado de uma mensagem pressiona a parte receptora a um envio mais e mais rápido de uma resposta e mantém a emissora numa expectativa crescente da redução do tempo de recebimento de uma resposta.

  • Quanto mais rápido alguém responde uma mensagem, mais incita a outra parte a responder mais rápido, num ciclo vicioso até que alguém consiga encerrar a conversa, sem longas, milongas ou delongas. As trocas de mensagens tendem então a serem compactas e telegráficas. Mas resumir é muito difícil em geral…

  • O custo do envio de mensagens ficou tão baixo a ponto de, juntamente com a facilidade de envio, ter ocorrido uma inversão: é mais fácil enviar e receber mensagens do que se manter em silêncio, do que não enviá-las e nem recebê-las! Hoje é preciso de muito esforço para não checar por mensagens, e resistir à tentação de respondê-las.

Assim a Informação comprime ainda mais nosso cérebro e assassina o tempo. De tanto excesso, ela obriga ao mínimo dos resumos, só para comunicar se vai dar certo ou não, quando chegará o fim desses tormentos, quanto haverá na conta bancária, quando alguém vai morrer etc. Não é o laconismo forçado pela estreiteza do canal – a situação “telegráfica” anterior, mas pela quantidade de mensagens que aumenta tão logo a banda alarga.

Em termos de reprodutibilidade de conteúdo, a queda do custo da reprodução de mensagens tornaram muitas obras mais acessíveis. Esta é a essência da revolução da imprensa de tipos móveis de Gutenberg, e estreitamente ligada às revoluções que desaguaram no Iluminismo: as ideias, o conhecimento etc ficaram mais disponíveis, e o conceito de propriedade intelectual aparece como contra-revolução para frear a democratização e controlar o acesso – dificultando que setores menos favorecidos dispusessem de conteúdo crítico –, ao mesmo tempo em que concentrou o enriquecimento na mão dos poucos donos das casas editoriais e futuramente nas gravadoras, estúdios de cinema e outras licenciadoras de informação.

As obras consideradas “refinadas” e de “qualidade” acabavam restritas a círculos abastados – não somente pelo custo dos exemplares como especialmente pela “bagagem” educacional necessária para consumí-las. As demais, reproduzidas em escala, vendidas a preços mais acessíveis e com menos requisitos. Contrariamente à possibilidade de universalização de conteúdos, o crescimento acelerado porém restringido da reprodutibilidade levou ao efeito nocivo da competição entre conteúdos, dando especial vantagem os “enlatados” e “pasteurizados”, industrializados, baratos e prontos para o consumo – uma série chamada “Reader’s Digest” é só um dos exemplos explícitos –, muitas vezes ofuscando a troca de ideias e conhecimento, fundamentais para a prática política.

Reprodutibilidade, então, não é uma propriedade de acepção única. Algo pode ser facilmente reprodutível e no entanto ser facilmente quebrável. O tipo de reprodutibilidade que se fez mais presente nos suportes materiais da informação foram aqueles que aumentaram a quantidade de conteúdo armazenada com maior facilidade de reprodução (reprodutibilidade de conteúdo). Por outro lado, houve uma fragilidade crescente e pouco aparente na conservação, especialmente dos materiais originais, assim como um aumento da complexidade necessária para reproduzir a tecnologia (reprodutibilidade do suporte material)136.

Neste contexto, as obras não foram reproduzidas para durar, mas para circular e difundir. A durabilidade nunca foi prioridade.

À esta tendencial amnésia do suporte material soma-se àquela que, paradoxalmente, faz com que a quantidade de informação crescente produza cada vez menos memória na mente das pessoas. Temos acesso a tanta memória externa e memorizamos muito pouco internamente.

Aquilo que antes trouxe valor deixa de ter valor. Polt (2015)137 comenta sobre um outro paradoxo trazido pela própria informação: em grande quantidade, ela deixa de fazer sentido:

Ironically, information now blocks our way to the forma or essence (Heidegger ZS, 58/GA 89, 75). “The more frantically the volume of information increases, the more decisively the misunderstanding and blindness to the phenomena grows” (ZS, 74/GA 89, 96)

4.7.7 Metrificação

Qual será o tamanho da produção e da deposição informacional? E desta, qual seria a quantidade correspondente de lixo? Para isso, primeiro precisamos de uma maneira de medir informação, e em seguida tentar calcular as taxas de informação criada, armazenada e destruída.

Não há como medir “informação” sem antes defini-la. E nisso já incorre uma escolha com grandes consequências: uma opção por entender informação de uma maneira e não de outras. O problema é até maior: ao querer medir informação, já estamos incorrendo numa escolha que descarta formações intensas porém não exprimíveis numericamente, incluindo aí toda a polimorfia e polivalência do termo138, as potencialidades da forma recém formada assim como os múltiplos significados passíveis de interpretação numa mensagem. Imagine por exemplo uma mensagem com duplos, triplos, n-uplos sentidos… como quantificar a informação nela contida, especialmente se não sabemos a quantidade total de sentidos implícitos?

O interesse deste ensaio está no entendimento de como a noção mais hegemônica de informação é operacional no desastroso processo de dominação. Esta noção é oriunda da teoria da Shannon e da interpretação de Weaver139, e diz respeito ao problema de reproduzir uma mensagem com a maior fidelidade possível – na melhor das situações, reproduzir uma mensagem exatamente como foi originalmente emitida. Essa transmissão depende de alguns fatores:

  • A capacidade de transmissão ou armazenamento de mensagens de um meio.

  • A interferência, uma vez que a transmissão de mensagens pode sofrer adulterações intencionais ou não-intencionais, no espaço e no tempo e que alteram, limitam ou suprimem mensagens.

A teoria de Shannon-Weaver visa garantir que mensagens cheguem aos destinos da melhor maneira e no menor tempo possível. O truque consiste em ajustar o aparato de comunicação para que haja redundância suficiente nas mensagens – já que uma porção de mensagem adulterada pode se compensada por uma porção equivalente, mas não adulterada – porém sem que isso incorra numa diminuição excessiva da capacidade de transmissão: quanto maior a redundância, maior o tamanho da mensagem, e mais tempo demora para transmiti-la e recebê-la.

Diagrama da comunicação segundo a Teoria Matemática da Informação de Shannon (1948). Imagem via Wikimedia Commons e distribuída em Domínio Público.

Figure 4.4: Diagrama da comunicação segundo a Teoria Matemática da Informação de Shannon (1948). Imagem via Wikimedia Commons e distribuída em Domínio Público.

Essa relação entre redundância e tamanho médios de mensagens é obtida pela escolha do processo de codificação no qual símbolos de um conjunto finito – ou alfabeto – original são convertidos em símbolos de outro alfabeto finito de transmissão.

Sendo finitos ambos os conjuntos de alfabetos, sempre há uma quantidade finita de mensagens de um dado tamanho que pode transmitida ou recebida.

Uma informação é uma seleção finita de símbolos no alfabeto original, e podemos entender como um processo de dar forma específica a uma sequência de símbolos anteriormente em estado de indeterminação.

Já uma mensagem é a codificação desta informação nos símbolos do alfabeto de transmissão.

Uma informação “shannoniana” de um dado tamanho consiste então no conjunto de escolhas de símbolos disponíveis no alfabeto original, e que pode ter um tamanho maior – mas nunca menor – quando codificadas no alfabeto de transmissão.

São essas quantidades de escolhas que são passíveis de medição. A menor medida de escolha conhecida é aquela referente à seleção entre duas possibilidades, ou escolha binária. Essa mínima unidade de escolha é a medida mais comum para a quantidade de informação, e recebe o nome de “bit” (binary digit, ou dígito binário)140. Bits basicamente medem a quantidade de escolhas binárias, ou bifurcações.

O processo inicial de codificação de uma medição para uma sequência de dígitos – em geral dígitos binários – é chamado de digitalização.

A quantidade de informação gerada por uma comunicação específica pode ser entendida como uma redução de todas as outras possibilidades de comunicação – ou seja, uma seleção específica de uma sequência de símbolos implica numa escolha de não selecionar qualquer uma das outras sequências em potencial. Quanto maior a quantidade de informação, menos uma mensagem pode ser “resumida” numa versão menor.

Analogamente, uma mensagem recebida pode ser entendida como uma redução de incerteza – cada mensagem que chega reduz a quantidade de informações em potencial que um receptor poderia receber.

A probabilidade de ocorrência de símbolos no alfabeto original depende da linguagem utilizada na composição mensagens, e alguns símbolos serão muito mais usados do que outros. A Tabela 4.1 mosta a ocorrência de símbolos numa versão deste ensaio. A depender do conjunto de textos amostrado, os valores resultantes são diferentes.

Table 4.1: Quantidade e frequência de ocorrências de símbolos na versão 0.0.7-379-gb9f84d2 deste ensaio. Os números são diferentes das ocorrências médias de letras na língua Portuguesa, uma vez que a versão do texto amostrada contém trechos também em espanhol, inglês e francês. Por simplicidade, somente caracteres na faixa de a a z foram considerados, incluindo variações como ã. A contagem desconsiderou uma série de outros símbolos, como letras do alfabeto grego, pontuação e outros caracteres auxiliares.
Símbolo Ocorrências Frequência (%) Símbolo Ocorrências Frequência (%)
e 38364 11,8026 x 1242 0,3821
a 37475 11,5291 y 1210 0,3723
o 32472 9,9899 z 1062 0,3267
s 25273 7,7752 j 887 0,2729
i 24701 7,5992 í 877 0,2698
r 20971 6,4517 ó 857 0,2637
n 19961 6,1409 w 811 0,2495
t 19782 6,0859 ê 476 0,1464
d 15973 4,9140 k 434 0,1335
m 15396 4,7365 õ 376 0,1157
c 13336 4,1028 ú 257 0,0791
u 11155 3,4318 â 147 0,0452
l 10600 3,2611 à 147 0,0452
p 9181 2,8245 ô 110 0,0338
f 5251 1,6155 ō 60 0,0185
g 4527 1,3927 ñ 9 0,0028
h 3710 1,1414 ü 8 0,0025
v 3486 1,0725 ā 8 0,0025
b 3272 1,0066 è 6 0,0018
ã 2696 0,8294 ē 5 0,0015
q 2482 0,7636 ī 2 0,0006
ç 2210 0,6799 ä 2 0,0006
é 1468 0,4516 1 0,0003
á 1306 0,4018 Total 334042 100

Codificações eficientes usam uma quantidade menor de símbolos no alfabeto de transmissão para símbolos mais prováveis no alfabeto original, deixando uma quantidade maior de símbolos de transmissão para símbolos originais com menor ocorrência.

Em muitas comunicações, a probabilidade de que o próximo símbolo de uma sequência depende de quais foram os símbolos recebidos anteriormente: há uma redundância inerente na composição de mensagens no alfabeto original. Quanto maior essa redundância, menor é a informação efetiva contida numa sequência de símbolos do alfabeto original. Por outro lado, quanto menor for a redundância na sequência original, isto é, quanto mais a sequência original for aleatória, maior a quantidade efetiva de informação. À quantidade efetiva de informação contida numa sequência de símbolos do alfabeto original é dada o nome de entropia informacional141. Quanto maior essa entropia, menos correlação interna existe numa mensagem, e menos ela é “compressível”, isto é, resumível numa mensagem menor.

A medida de informação shannoniana não diz nada a respeito da qualidade da informação, e nesse sentido ela seria “agnóstica” a qualquer avaliação de valor, utilidade, veracidade, factualidade, plausibilidade etc. Ela ignora completamente etapas da comunicação como a intencionalidade e a interpretação. De tal modo que ela é aderente a qualquer comunicação que possa ser de alguma maneira reduzida ao esquema de codificação acima descrito142.

Mesmo que isto se aplicasse a qualquer forma de comunicação humana, não há como determinar a quantidade de informação, no sentido shannoniano, já produzida pela humanidade. Primeiramente seria necessário explicitar de que quantidade de informação shannoniana estamos nos referindo. Seriam todas as palavras que já foram pronunciadas, de tudo o que já foi escrito ou de qualquer ato humano que poderia ter sido registrado de algum momento – incluindo aí registros arqueológicos e fósseis de todos os antepassados hominídeos? E disto tudo, como determinar aquilo que já foi perdido, considerando que muitas perdas não foram sequer notadas, muito menos contabilizadas?

4.7.8 Concentração

Não há como calcular exatamente a quantidade shannoniana de informação já produzida pela humanidade. Poderíamos partir para uma longa e infindável jornada de compilação de todos os arquivos existentes – sejam estes já codificados no formato shannoniano, ou ainda abrigando somente os materiais de acervo como papiros, cerâmicas, pinturas, enfim – para tentar chegar em algum número parcial e rapidamente desatualizado por conta de novas produções e achados.

Uma iniciativa mais humilde consistiria em restringir ao material escrito e calcular o tamanho das bases de dados já existentes sobre os corpus143 literários clássicos de alguns idiomas.

Qualquer número resultante seria meramente esquemático, por alguns motivos:

  • As estimativas seriam dadas a partir dos registros existentes – lembrando que não há como estimar a quantidade de informações que já existiram mas que não deixaram registros. Não nos diriam nada sobre a quantidade efetiva de informação shannoniana que já foi produzida. No máximo, indicaria a estimativa mínima de informação shannoniana que nos foi transmitida ao longo dos tempos.

  • Mais uma vez: quantificar informação implica numa redução de riquezas e significados. E exclui uma série de comunicações que se dissiparam no registro dos tempos, como as canções que já foram cantadas, poemas entoados, discussões, marcas na areia, sinais de fumaça, o eco dos instrumentos, mitos e lendas que não chegaram até nós. Tabelas ou gráficos que exibam quantidades de bits ao longo do tempo estarão potencialmente negligenciando uma riqueza de comunicações que aliás são a base de qualquer escrita.

Ao invés de trabalharmos com a somatória dos registros históricos existentes, usaremos estimativas da quantidade de informação shannoniana de acordo com a capacidade e atualidade de “produção” e armazenamento recente da maquinaria antropotécnica instalada no planeta e que compõe o que chamam de “datasfera”144.

Estamos tratando tanta informação que a medida em meros bits é insuficiente, e a cada vez uma unidade mais agregadora de informação shannoniana é usada para dar conta da quantidade crescente. Alguém pode agrupar do jeito que quiser, mas aqui usaremos as unidades mais comuns atualmente, a começar com o byte, que em geral indica um agrupamento de 8 bits. A tabela a seguir mostra alguns destes agrupamentos.

Table 4.2: Unidades de medida de bytes e suas abreviaturas de acordo com o Sistema Internacional de Medidas (SI) na chamada notação científica de base 10, onde \(10^3\) significa o número 1 seguido por 3 zeros, ou seja, 1000. A última coluna contém exemplos de conteúdos correspondentes à escala da unidade.
Bytes Bits Unidade Abreviação Exemplo
\(10^{0}\) \(8 \times 10^{0}\) byte B Letras
\(10^{3}\) \(8 \times 10^{3}\) kilobyte kB Textos
\(10^{6}\) \(8 \times 10^{6}\) megabyte MB Fotos
\(10^{9}\) \(8 \times 10^{9}\) gigabyte GB Filmes
\(10^{12}\) \(8 \times 10^{12}\) terabyte TB Filmoteca
\(10^{15}\) \(8 \times 10^{15}\) petabyte PB Bib. do Congresso (EUA)
\(10^{18}\) \(8 \times 10^{18}\) exabyte EB Datasfera em 1986
\(10^{21}\) \(8 \times 10^{21}\) zettabyte ZB Datasfera em 2010
\(10^{24}\) \(8 \times 10^{24}\) yottabyte YB -
\(10^{27}\) \(8 \times 10^{27}\) ronnabyte RB -
\(10^{30}\) \(8 \times 10^{30}\) quettabyte QB -

Existem estimativas com embasamento publicamento disponível145, enquanto que outras, pela falta de transparência dos dados e análises, parecem servir mais aos interesses da própria “indústria de dados”146, porém são as mais recentes147. Dadas as imensas incertezas, todas essas estimativas estão mais ou menos compatíveis.

Importante considerar a dimensão agourítimica, isto é, da produção de redução da realidade desse tipo de estimativa encomendada pela indústria e que mostra o quanto é possível empurrar a sociedade numa dada direção. Para o caso da datasfera, por exemplo, a produção das estimativas é estimulada pelo mercado em crescimento, e a sua publicação estimula investidores e prepara a indústria – especialmente as chamadas “Big Techs”148 – para produzirem a realidade futura de crescimento do mercado prevista pelos estudos, num ciclo que se auto-alimenta. As empresas de consultoria estão imbricadas com a indústria que as consulta, numa parceria onde uma fornece dados com aspecto – ou impressão – de independência, e a outra é a fonte produtora dos produtos de onde os dados são baseados. Ou seja, estas estimativas se referem a fenômenos dependentes das ações atores que as produzem. Em termos marxianos, um mercado em expansão tem uma dinâmica própria, digamos infraestrutural, de continuidade da expansão, e essas estimativas operam como uma componente superestrutural capaz de reforçar essa tendência.

Sérgio Amadeu destaca149o papel das consultorias internacionais para a adesão dos gestores públicos e privados a discursos que dão cobertura à expansão do colonialismo digital” e que tem

demonstrado grande capacidade de sedução com relatórios e levantamentos aparentemente impecáveis, bem como com seus power points motivacionais. […] as consultorias são disseminadoras das estratégias das big techs, das métricas que portam as exigências de adequação e conformidade a produtos e práticas específicas do imperialismo. Como bem demonstrou David Beer em Metric Power, formas de medir são métodos de poder e de controle que moldam comportamentos e decisões são construções sociais, refletindo os valores e os interesses de quem as cria e as utiliza. As consultorias polinizam ideologicamente as classes dominantes e os gestores públicos dos países tecnoeconomicamente secundarizados. Consultorias são exércitos numerosos e operam em escala global

É com estas ressalvas e desconfianças que analisaremos os dados disponíveis e que nos dão a entender que a humanidade entrou na “Era dos Zettabytes”150 na década de 2010, sendo um zettabyte equivalente a \(8 \times 10^{21}\) bits, sendo esta uma maneira compacta de escrever 8.000.000.000.000.000.000.000 bits (8 seguido por 21 zeros de escolhas binárias possíveis!). Apesar da escala de produção de dados não ter precedentes, as projeções indicam que este será um período curto, e nos anos 2030 já estaremos na “Era dos Yottabytes”.

O gráfico da Figura 4.5 mostra as estimativas e projeções de crescimento da quantidade de informação shannoniana criada, capturada ou replicada entre os anos 2010 e 2035, de acordo com Buss et al. (2019).

Quantidade de dados criados por ano, em zettabytes (ZB), segundo Buss et al. (2019) pág. 6. Os valores para 2025 em diante são projeções.

Figure 4.5: Quantidade de dados criados por ano, em zettabytes (ZB), segundo Buss et al. (2019) pág. 6. Os valores para 2025 em diante são projeções.

De toda esta imensa quantidade de dados “criados”, “replicados” ou “capturados”, apenas uma parcela é armazenada de um ano para outro. As estimativas sobre a capacidade total instalada e utilizada para armazenamento indicam que apenas uma parcela é preservada:

  • IDC e Seagate (2020) indicam que em 2015 havia um total de 0,8ZB e projeta 9ZB para de capacidade de armazenamento empresarial em 2025151.

  • Duncan et al. (2024) estima um crescimento de 10,1 ZB em 2023 para 21ZB de capacidade de armazenamento em 2027, em “centros de dados” (data centers) e nos dispositivos das “pontas” (endpoint devices)152.

Empresas apontam que somente 56% dos dados disponíveis são coletados, e destes somente 57% são “explorados” (exploited), ou seja, apenas 32% dos dados disponíveis são “colocados para trabalhar”153.

Também há uma capacidade muito maior para obtenção e replicação de informação do que de seu armazenamento: muito mais informação circula do que é gravada de modo mais permanente.

No que diz respeito ao fluxo desses dados, os estudos mostram uma explícita centralização esquemática da “datasfera”, representada por três níveis154:

  1. Núcleos (Core): são os centros de dados governamentais ou empresariais, tipicamente destino “final” de informações armazenadas no longo prazo.

  2. Bordas (Edge): são os intermediários de dados localizados em escritórios, torres de transmissão e centrais de dados menores.

  3. Pontas (Endpoint): é a coleção de todos os demais aparelhos informacionais conectáveis na borda, incluindo aí computadores pessoais e dispositivos móveis como telefones. As pontas operam efetivamente como um tentáculo que simultaneamente coleta e fornece informações para “usuários”.

Datasfera segundo o modelo Pontas-Bordas-Núcleos

Figure 4.6: Datasfera segundo o modelo Pontas-Bordas-Núcleos

Muita da informação coletada nas pontas é pré-processada nas bordas antes de ser submetida para retenção no núcleo. Mas a via é bidirecional: dados de longo prazo armazenados no núcleo podem fluir em direção às pontas, para então retornarem e serem atualizados.

Não há um caminho estrito para a informação, mas sim uma tendência global de centralização em núcleos, e redução de armazenados em longo prazo nas pontas.

Existem mais atores na ponta do que nas bordas, e muito menos nos núcleos: os donos da infraestrutura são em menor número conforme avançamos para níveis internos. A concentração de dados no núcleo é um sinal da concentração de dados nas mãos e em benefício de pouca gente155.

Num mundo com 8 bilhões de pessoas, há uma pressão cada vez maior para que todos os seres humanos estejam plugados à “datasfera”. Contabiliza-se 5,35 bilhões de pessoas já conectadas, 97,8% destas possuindo um telefone móvel156.

Simultaneamente ao aumentos anuais da população “incluída” na “datasfera”, parece haver um aumento ainda maior da quantidade de dados coletada e fornecida de e para uma pessoa.

De fato, a quantidade de informação shannnoniana parece crescer muito mais rápido que a população. Cada habitante humano que chega no planeta implica num aumento na quantidade de informação coletada, mas além disso há uma intensificação na quantidade de informação gerada por habitante, ou dele coletada, sem contar a expansão da coleta de informações ambientais, tudo isso numa jornada da “ponta” para o “núcleo”.

A perspectiva propalada por aqueles que vendem esse tipo de realidade é a da “digitalização do mundo”157:

Mankind is on a quest to digitize the world

[…]

The data-driven world will be always on, always tracking, always monitoring, always listening and always watching – because it will be always learning.

Este é o resumo de um processo em curso que aprofunda uma infraestrutura de vigilância em escala planetária, indo muito além de projetos como o “Total Information Awareness” (TIA, ou “Atenção Informacional Total”) empreendido pela Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA) no início dos anos 2000158.

Fica aqui a pergunta de pesquisa sobre a proporção entre a quantidade de dados armazenados por empresas e governos. O quanto do total é armazenado pelos Serviços Secretos “clássicos” como a NSA, e por outras instâncias governamentais? Temos poucos dados sobre isso159, mas podemos partir da hipótese de que a capacidade de armazenamento de uma instituição – seja pública ou privada – depende hoje basicamente de orçamento e de limitações técnicas, o que permite que qualquer grande corporação opere como uma espécie de Serviço Secreto em termos de armazenamento, muitas delas talvez até maiores que a NSA.

Analogamente, podemos nos perguntar sobre a proporção entre quantidade de dados coletados por empresas e governos. Se, por um lado, são apenas as agências de vigilância estatais que possuem amparo legal para realizar coleta – ou mesmo amparo institucional para realizar coletas ilegais –, por outro lado são as empresas que hoje possuem produtos e serviços cuja fruição depende da coleta voluntária e garantidas por “contratos”160. Num mundo sendo forçado a depender cada vez mais deste tipo de produtos e serviços, o uso dos mesmos tem se tornado uma imposição, e as pessoas ficam artificialmente dependente deles.

Serviços Secretos de grande porte não são mais exclusividade de Estados-Nação, sendo um aparato também viável para grandes empresas. E aquilo que é coletado pela iniciativa privada pode, eventualmente, ser disponibilizado para Serviços Secretos estatais, numa espécie de parceria público-privada para o controle social.

Trata-se de uma nova etapa indo além da biopolítica clássica e que expande o paradigma das chamadas “sociedades do controle”161, com aumento de escala e escopo, “produzindo” mais informações e “provas” sobre indivíduos162 do que o aparato disciplinar e repressivo dos Estados é capaz de incidir diretamente para garantir comportamentos esperados.

O controle social dos bilhões de humanos hiperconectados também se dá hoje por mecanismos sutis tais como os descritos por Zuboff (2019), em dinâmicas agourítimicas nas quais a vigilância total é tornada necessária e chega até a ser desejada por parte das pessoas vigiadas.

O “horror ao vácuo” de hoje é o horror à não-informação, ao “radio silence”, ao offline, àquilo que não foi que ou resiste ao registro, à “datificação”, à digitalização de tudo.

Por detrás desta narrativa de registrar cada momento da vida de todas as pessoas e todos os rincões do planeta, há o efeito concreto de um aumento da poluição em todos os espectros.

4.7.9 Infoluição

Apesar de soar limpa, etérea e imaterial, a “datasfera” está longe do ideal ecumênico de unir povos e proteger o ambiente, ou de existir numa espécie de “nuvem”163 separada da realidade concreta.

Como diz Monserrate (2022), “nuvens” não são imateriais:

Cloud of the digital is elusive, its inner workings largely mysterious to the wider public […] But just as the clouds above us, however formless or ethereal they may appear to be, are in fact made of matter – water molecules in various states of condensation and crystallization – the Cloud of the digital is also relentlessly material.

To get at the matter of the Cloud we must unravel the coils of coaxial cables, fiber optic tubes, cellular towers, air conditioners, power distribution units, transformers, water pipes, computer servers, and more. We must attend to its material flows of electricity, water, air, heat, metals, minerals, and rare earth elements that undergird our digital lives. In this way, the Cloud is not only material, but is also an ecological force. As it continues to expand, its environmental impact increases, even as the engineers, technicians, and executives behind its infrastructures strive to balance profitability with sustainability.

O conceito de Datasfera é mais abrangente que o de Internet, que é mais abrangente que o de "Nuvem". Enquanto "nuvens" são conjuntos de computadores -- em geral nos núcleos --, a Internet é um conceito vago que se refere a uma quantidade enorme de computadores ao redor -- e também em órtita -- do planeta interconectados entre si de diversas maneiras formando uma rede de dados. Já a Datasfera abarca qualquer aparelho que produza ou consuma dados, estando ou não interconectado com outro aparelho. Há uma tendência por interconexão que fazendo com que a Internet tenda a englobar a Datasfera. E a esta última, estaria de dentro de outra esfera? Talvez não a "Noosfera" dos pensamentos, mas dentro de uma "Formasfera" composta de processos coloniais que impõe formas no mundo?

Figure 4.7: O conceito de Datasfera é mais abrangente que o de Internet, que é mais abrangente que o de “Nuvem”. Enquanto “nuvens” são conjuntos de computadores – em geral nos núcleos –, a Internet é um conceito vago que se refere a uma quantidade enorme de computadores ao redor – e também em órtita – do planeta interconectados entre si de diversas maneiras formando uma rede de dados. Já a Datasfera abarca qualquer aparelho que produza ou consuma dados, estando ou não interconectado com outro aparelho. Há uma tendência por interconexão que fazendo com que a Internet tenda a englobar a Datasfera. E a esta última, estaria de dentro de outra esfera? Talvez não a “Noosfera” dos pensamentos, mas dentro de uma “Formasfera” composta de processos coloniais que impõe formas no mundo?

A “Datasfera”, a “Internet” e a “Nuvem” são parte de uma lixosfera que inclui não somente a atmosfera poluída, aterros e esgotos, como também o ainda tênue anel de lixo espacial já orbitando a Terra.

A começar pelo seu tamanho: a bolha informacional humana é de cerca de 200 anos-luz de emissões eletromagnéticas para tudo quanto é lado, desde que as ondas de rádio tiveram potência e frequência aptas para ir além da ionosfera terrestre.

No espectro eletromagnético, é a Terra que figura como estrela do sistema solar dentro da faixa das ondas transmitidas pela atividade humana. A amplitude dos efeitos humanos é muito maior que os limites sistema solar. Nessa escala interplanetária, porém, o Hiperluminismo humano não passa de uma trêmula lamparina, um pálido ponto irradiante.

São nas tenras órbitas terrestres que a poluição informacional tem maior concentração e efeito.

Nos séculos XIX e XX da era corrente houve a ascensão de várias poluições básicas, afetando a composição do ar, os rios, mares etc. Todas podem ser de certa maneira entendidas como poluições informacionais, pois alteram (ou adulteram) a forma dos meios comuns. Quando o meio também se torna a mensagem164, o meio se torna poluído. As poluições visual e sonora talvez tenham sido as primeiras identificadas como de característica informacional.

Informação, assim como plásticos e demais poluentes, deveria ser tratada com cuidado. O manuseio especial não deveria se restringir apenas a materiais radiativos. A informação produz plumas de poluição tão difíceis de lidar quanto plutônio.

Consideremos a poluição informacional planetária em algumas das suas componentes:

  1. A poluição pelo consumo energético165: examinar o que acontece nos centros de dados nos dá uma indicação muito direta do custo ambiental de tanta informação, e sua relação com a crise climática. Haja vista seu consumo de energia na escala dos TWh (Tera Watts hora166) anuais167:

    […] the Cloud now has a greater carbon footprint than the airline industry. A single data center can consume the equivalent electricity of fifty thousand homes. At 200 terawatt hours (TWh) annually, data centers collectively devour more energy than some nation-states. Today, the electricity utilized by data centers accounts for 0.3 percent of overall carbon emissions, and if we extend our accounting to include networked devices like laptops, smartphones, and tablets, the total shifts to 2 percent of global carbon emissions.

    Grande parte deste consumo de energia é usado para dissipar o calor, gerado pela própria computação como um subproduto indesejado168:

    The flotsam and jetsam of our digital queries and transactions, the flurry of electrons flitting about, warm the medium of air. Heat is the waste product of computation, and if left unchecked, it becomes a foil to the workings of digital civilization. Heat must therefore be relentlessly abated to keep the engine of the digital thrumming in a constant state, twentyfour hours a day, every day.

    To quell this thermodynamic threat, data centers overwhelmingly rely on air conditioning, a mechanical process that refrigerates the gaseous medium of air, so that it can displace or lift perilous heat away from computers. […] In North America, most data centers draw power from “dirty” electricity grids, especially in Virginia’s “data center alley,” the site of 70 percent of the world’s internet traffic in 2019. To cool, the Cloud burns carbon, what Jeffrey Moro calls an “elemental irony.” In most data centers today, cooling accounts for greater than 40 percent of electricity usage.

    Um dos efeitos da computação – e portanto da informação – é o calor! Desde nossa etimologia popular para a palavra forma, até o dispêndio energético dos centros de dados, o calor figura como um elemento tanto alegórico quanto operacional.

    Descontando esse gasto com arrefecimento, outra parcela significativa da energia é empregada em redundâncias e contingências para manter a integridade e a disponibilidade dos centros de dados169:

    Why so much energy? Beyond cooling, the energy requirements of data centers are vast. To meet the pledge to customers that their data and cloud services will be available anytime, anywhere, data centers are designed to be hyper-redundant: if one system fails, another is ready to take its place at a moment’s notice, to prevent a disruption in user experiences. […] the data center is a Russian doll of redundancies: redundant power systems like diesel generators, redundant servers ready to take over computational processes should others become unexpectedly unavailable, and so forth. In some cases, only 6-12 percent of energy consumed is devoted to active computational processes. The remainder is allocated to cooling and maintaining chains upon chains of redundant fail-safes to prevent costly downtime.

    É somente o restante da energia que é utilizado para as atividades-fim dos centros de dados. Destas, a “mineração” das tais “criptomoedas” assim como o chamado “aprendizado” de máquina (machine learning)170 das “Inteligências Artificiais” são especialmente dispendiosas171:

    […] there are two computational processes performed by servers that are particularly energyintensive and are of increasing concern […] 1) machine learning and 2) cryptocurrency mining. In a study conducted at the University of Massachusetts, Amherst, PhD candidate Emma Strubbel determined that training a handful of artificial intelligence models can emit over 626,000 pounds of carbon dioxide, as much as five American automobiles do over their lifespans. In this way, computation is metabolic: to maximize returns on computational processes, energy inputs must match intensity in the same way that tons of cooling (BTUs) must be matched to electricity curves (kWh) to prevent thermal runaway.

    Não são apenas os data centers que consomem energia. A produção e o uso de todos os equipamentos de toda datasfera requer bastante eletricidade. O gráfico da Figura 4.8 mostra três cenários tendenciais (melhor, esperado, pior) até 2030 para o consumo de energia por Tecnologias de Comunicação estimados por Andrae e Edler (2015)172, que ainda destacam:

    The most significant trend, regardless of scenario, is that the proportion of use-stage electricity by consumer devices will decrease and will be transferred to the networks and data centers. […] The analysis shows that for the worst-case scenario, CT could use as much as 51% of global electricity in 2030. This will happen if not enough improvement in electricity efficiency of wireless access networks and fixed access networks/data centers is possible. However, until 2030, globally-generated renewable electricity is likely to exceed the electricity demand of all networks and data centers. Nevertheless, the present investigation suggests, for the worstcase scenario, that CT electricity usage could contribute up to 23% of the globally released greenhouse gas emissions in 2030.

Consumo anual de energia em TWh por Tecnologias de Comunicação, estimado por Andrae e Edler (2015).

Figure 4.8: Consumo anual de energia em TWh por Tecnologias de Comunicação, estimado por Andrae e Edler (2015).

  1. A exaustão dos recursos hídricos: a “nuvem” também é sedenta173:

    The Cloud may be a carbonivore, but [..] is also quite thirsty. […] In Bluffdale, Utah, residents are suffering from water shortages and power outages, as a result of the nearby Utah Data Center, a facility of the US National Security Agency (NSA) that guzzles seven million gallons of water daily to operate.

    O consumo de água ocorre em ritmo absurdo, e para um dos sistemas de “IA” geradores de texto conhecido como “ChatGPT” ele foi estimado em meio litro por interação174:

    ChatGPT needs about 500ml water for a simple conversation of 20-50 questions and answers. Since the chatbot has more than 100 million active users, each of whom engages in multiple conversations, ChatGPT’s water consumption is staggering. And it’s not only the application’s operational mode: Training GPT-3 in Microsoft’s state-of-the-art U.S. data centers would directly consume 700,000 liters of clean freshwater

    Só considerando a demanda prevista para o uso de água por “Inteligências Artificiais” já nos dá um indicativo da gravidade da situação175:

    training GPT-3 in Microsoft’s state-of-the-art U.S. data centers can directly evaporate 700,000 liters of clean freshwater, but such information has been kept a secret. More critically, the global AI demand may be accountable for 4.2 – 6.6 billion cubic meters of water withdrawal in 2027, which is more than the total annual water withdrawal of 4 – 6 Denmark or half of the United Kingdom.

  2. Os aterros informáticos tóxicos176:

    Since the year 2007, when the first smartphone debuted on the marketplace, over 7 billion devices of the sort have since been manufactured. Their lifespans average less than two years, a consequence of designed obsolescence and a thirst to profit from flashy new features and capabilities. Meanwhile, the material and political conditions of their manufacture, and the resources required for their production, remain obscured. Under grueling conditions, miners tirelessly plumb the earth for the rare metals required to make information and communications technology (ICT) devices. Then, in vast factories like Foxconn located in the Global South, where labor can be procured cheaply and legal protections for workers are scant, smartphones are assembled and shipped out to consumers, only to be discarded in a matter of months, to end up in e-waste graveyards like those of Agbogbloshie, Ghana. These metals, many of which are toxic and contain radioactive elements, take millennia to decay.

    Historian Nathan Ensmenger writes that a single desktop computer requires 240 kilograms of fossil fuels, 22 kilograms of chemicals, and 1,500 kilograms of water to manufacture. The servers that fill the halls of data centers are dense, specialized assets, with some units valued in the tens of thousands of US dollars.

  3. A poluição sonora dos centros de dados, para não mencionar o ruído constante de outros aparatos que desafiam as regulações existentes177:

    […] the “noise” of the Cloud uniquely eludes regulatory schemes. In many cases, the loudness of the data centers, as measured in decibels (dB), falls below the threshold of intolerance as prescribed by local ordinances. For this reason, when residents contacted the authorities to intervene, to attenuate or quiet their noise, no action was taken, because the data centers had not technically violated the law, and their properties were zoned for industrial purposes. However, upon closer interrogation of the sound, some residents reported that the monotonal drone, a frequency hovering within the range of human speech, is particularly disturbing, given the attuned sensitivity of human ears to discern such frequencies above others. Even so, there were days when the data centers, running diesel generators, vastly exceeded permissible decibel-thresholds for noise.

  4. O desgaste humano: a exploração do trabalho humano precarizado nos centros de dados, intenso e extenuante, semelhante ao de cuidador de humanos, tendo que garantir o tempo de disponibilidade (uptime) dos dados178; assim como o aumento da exploração do trabalho humano atarefado tal como explanado por Falleiros (2024a).

    As energias eólicas, de tração animal etc nos aceleraram. A energia elétrica nos acelera. A informação ainda mais. Agir cada vez mas rápido para dar conta de uma taxa de transmissão e recepção de informação crescente, numa avalanche sem fim. Mais informação, mais trabalho.

  5. A poluição da própria datasfera, não somente pelo excesso de mensagens, notícias e dados já mencionado: a dinâmica dos sistemas informacionais está tendendo à proliferação de conteúdo apócrifo e falso. Em pouco tempo será possível dispor de vastas bibliotecas de livros gerados por “IAs”, para não dizer de artigos “científicos” impostores e “vazamentos” (leaks) tratando de episódios nunca acontecidos e dados forjados, dificultando a distinção entre falsos e legítimos denunciadores (whistleblowers) e comprometendo ainda mais a aferição de quais eventos, obras literárias clássicas etc foram ou não produzidas por sistemas infoluidores.

  6. A poluição mental da vasta massa informacional infestando nossas cabeças e que paradoxalmente promove o esquecimento. Se tudo tem valor, nada tem valor. Da mesma maneira, se todo momento é considerado digno de registro, menor valor será atribuído à nossa própria memória, treinada para a amnésia recorrente e à desatenção, porém estimulada a sempre receber mais e mais conteúdo, incentivada à pílulas de novidade contra uma espécie de tédio automático e padrão. Trata-se de um tipo de lixo estranhamente viciante, disponível em quantidades abismais e que permite a qualquer pessoa submergir num “porre” infomaníaco por dados, músicas, filmes, imagens e textos.

    Tanta informação anestésica ofusca aquela que realmente interessa, como dados e análises sobre desigualdade social, a má distribuição de renda, o racismo e o machismo estruturais, assassinatos pela polícia, gentrificação, encarceramento em massa, violência sexual, quantidade de guerras, crises ambientais etc. Os debates importantes tornam-se extremamente chatos perto de outros conteúdos mais sedutores que facilmente ganham a disputa por uma atenção cada vez mais fracionada e racionada.

    Mesmo quando as pautas importantes chegam, vêm como excesso de notícias ruins sobre problemas que nos deprimem por estarem muito além das nossas capacidades de resolução.

    Metralhadas por notícias sobre violência urbana, muitas pessoas ficam em casa com medo de sair desnecessariamente, e acabam vendo mais notícias: o susto do que assistem as assustam viciosamente e as engancham em pautas de extrema direita como a da tolerância zero e do extermínio da gente marginalizada.

  7. A informação é uma componente poluidora até do espectro eletromagnético: toda essa tranqueira datasférica emite radiações eletromagnéticas179 durante seu funcionamento, em maior ou menor grau, e cujo impacto na saúde dos seres vivos tem sido largamente subestimado180:

    The most notable is the blanket of radiofrequency electromagnetic radiation, largely microwave radiation generated for wireless communication and surveillance technologies, as mounting scientific evidence suggests that prolonged exposure to radiofrequency electromagnetic radiation has serious biological and health effects. However, public exposure regulations in most countries continue to be based on the guidelines of the International Commission on Non-Ionizing Radiation Protection and Institute of Electrical and Electronics Engineers, which were established in the 1990s on the belief that only acute thermal effects are hazardous. Prevention of tissue heating by radiofrequency electromagnetic radiation is now proven to be ineffective in preventing biochemical and physiological interference. For example, acute non-thermal exposure has been shown to alter human brain metabolism by NIH scientists, electrical activity in the brain, and systemic immune responses. Chronic exposure has been associated with increased oxidative stress and DNA damage and cancer risk. Laboratory studies […] confirm these biological and health effects in vivo. As we address the threats to human health from the changing environmental conditions due to human activity, the increasing exposure to artificial electromagnetic radiation needs to be included in this discussion.

    Due to the exponential increase in the use of wireless personal communication devices (eg, mobile or cordless phones and WiFi or Bluetooth-enabled devices) and the infrastructure facilitating them, levels of exposure to radiofrequency electromagnetic radiation around the 1 GHz frequency band, which is mostly used for modern wireless communications, have increased from extremely low natural levels by about \(10^{18}\) times […] It is plausibly the most rapidly increasing anthropogenic environmental exposure since the mid 20th century, and levels will surge considerably again, as technologies like the Internet of Things and 5G add millions more radiofrequency transmitters around us.

    Unprecedented human exposure to radiofrequency electromagnetic radiation from conception until death has been occurring in the past two decades. Evidence of its effects on the CNS181, including altered neurodevelopment and increased risk of some neurodegenerative diseases, is a major concern considering the steady increase in their incidence […] and experimental evidence, such as the Yale finding, shows that prenatal exposure could cause structural and functional changes in the brain associated with ADHD-like behaviour182.

    […] This weight of scientific evidence refutes the prominent claim that the deployment of wireless technologies poses no health risks at the currently permitted non-thermal radiofrequency exposure levels. […]

    Evidence also exists of the effects of radiofrequency electromagnetic radiation on flora and fauna. For example, the reported global reduction in bees and other insects is plausibly linked to the increased radiofrequency electromagnetic radiation in the environment. Honeybees are among the species that use magnetoreception, which is sensitive to anthropogenic electromagnetic fields, for navigation.

    […] It has been widely claimed that radiofrequency electromagnetic radiation, being nonionising radiation, does not possess enough photon energy to cause DNA damage. This has now been proven wrong experimentally. Radiofrequency electromagnetic radiation causes DNA damage apparently through oxidative stress, similar to near-UV radiation, which was also long thought to be harmless.

    At a time when environmental health scientists tackle serious global issues such as climate change and chemical toxicants in public health, there is an urgent need to address so-called electrosmog.

  1. A poluição do céu e do espaço orbital: o excesso de satélites e os debris de foguetes usados para lançá-los compõem um novo tipo de depósito de lixo que não é aterro, mas o desterro das órbitas terrestres. A quantidade desses objetos – em operação ou não – tende a aumentar, e mesmo os satélites em funcionamento são prejudiciais183.

    A Figura 4.9 mostra a quantidade de objetos como satélites, sondas espaciais etc lançados ao espaço – totais anuais e cumulativo – compilada pelo Escritório das Nações Unidas para Assuntos Espaciais184. Até 2023, foi registrado um total de 17.263 lançamentos, com um aumento significativo a partir da década de 2010, subindo ainda mais na década de 2020.

    Já a Agência Espacial Européia (ESA) aponta que até 06/12/2023 foram lançados 16.990 satélites, sendo 11.500 deles ainda em órbita, porém com apenas 9.000 ainda em funcionamento; a Agência rastreia regularmente 35.150 objetos, mas considera que existam ao redor de 131 milhõs deles em órbita e maiores que 1mm; o número de colisões, quebras e explosões seria da ordem de 640185.

    Estimativas agourítmicas chegam a indicar que entre 2021 e 2031 ocorram 24.500 lançamentos de satélites, numa média de 2.500 por ano186, sendo dois terços deles de cinco megaconstelações como a Starlink (vulgo Starlixo?) e a OneWeb.

    O limite teorizado para esse tipo de poluição é a chamada Síndrome de Kessler, quando o excesso de bugigangas orbitando o planeta chega a um ponto crítico de colisões ocasionando uma reação em cadeia multiplicando a quantidade de fragmentos. Em cenários extremos, isso poderia inviabilizar o envio de mais satélites ou até mesmo viagens espaciais por vários séculos187.

    Esse excesso de objetos, sinais e também de iluminação prejudicam não só a astronomia como o acesso ao céu noturno, ao vislumbre dos planetas, estrelas, galáxias, cometas…

    A explosão informacional paraxodalmente promove uma clausura e fechamento das pessoas para a informação que chega de fora do planeta, ou mesmo que vem de fora da própria datasfera: nem o céu mais tende a ser visível188 com tanta poluição espectral, enquanto os sistemas nervosos estão cada vez mais inchados e fechados para si num tipo de isolamento que tem sido chamado de “bolha informacional”. A Informação está eclipsando até os céus.

    Imaginemos um futuro distópico e talvez não tão distante onde não haja mais estrelas visíveis no céu, a tal ponto de que até surjam campanhas de desinformação afirmando que elas não existem, nem nunca existiram, e de que nada há para além do céu. Só os muito ricos – com o poder de viajar muito longe para os “oásis de céu escuro”189 ou para o espaço exterior – é que ainda conseguirão vislumbrar as estrelas, se é que estarão interessados nisso, possivelmente também isolados em suas próprias bolhas de enclausuramento cognitivo.

Todos esses commons (recursos comuns) e também a saúde dos seres tem sido degradados pelas externalidades da atividade econômica190 das grandes corporações da datasfera, que são pouco cobradas e respondem timidamente para mitigar ou combater a poluição resultante de suas operações comerciais.

Quando muito, adotam o contraditório arcabouço do “desenvolvimento sustentável”, sugerindo que um crescimento infinito seja possível sem impactos ambientais. Mas confiar numa auto-regulação das corporações, e especialmente daquelas conhecidas como “Big Tech”, é arriscado191:

Media scholar Mél Hogan warns against entrusting “Big Tech” with its own regulation, given the companies’ financial ties to the fossil fuel industry and failure to meet the deadlines of previous pledges to reduce carbon emissions or other kinds of waste. Per the 2021 Emissions Gap Report authored by the United Nations Environment Programme, global temperatures are projected to rise by \(2.7^{\circ}C\) by the end of the century. Planetary heating will melt glaciers and raise sea levels. The result will be the salinization of freshwater supplies, proliferation of pathogen growth in stagnant water reservoirs, and the intensification of ongoing processes of desertification, creating near-ubiquitous conditions of water scarcity by 2040 if governments and companies fail to intensify their efforts to curb emissions. While corporate pledges offer no guarantee that data centers will regulate, larger mechanisms of accountability like the recent Climate Neutral Data Centre Pact, a consortium of European data center companies and infrastructure providers promising to become “climate neutral” by 2050, provide a model for larger-scale regulatory initiatives that could make a more substantial impact.

O discursos da sustentabilidade e da eficiência são até apropriados para as corporações, pois se beneficiam duplamente: nas relações públicas, ao venderem a imagem de empresas comprometidas com o ambiente; e no próprio bolso, pois os ganhos em eficiência correspondem diretamente em ganhos econômicos. Os padrões, promessas e acordos de redução da poluição também tem um efeito monopolizador: poucas serão as empresas capazes de investir na obtenção dos patamares de eficiência estipulados por elas mesmas, dificultando a entrada de outros atores – inclusive centros de dados comunitários operados por pequenas organizações, caso não tenham acesso a fontes de energia e de refrigeração de menor impacto.

É preciso tomar cuidado com a ardilosa promessa da regulação e da “sustentabilidade” que mascaram uma expansão desenfreada por mais recursos energéticos alimentando uma datasfera em inflação: dentro do paradigma da hiperformatização, os ganhos ambientais pelo melhor aproveitamento energético tendem a ser relativos e de curta duração, já que os incrementos em eficiência não tem sido revertidos em redução de consumo, mas sim na sua intensificação: mais capacidade de processamento tem sido aproveitada para computar algoritmos mais e mais custosos. Os softwares de hoje possuem muito mais código do que os de ontem: são mais “pesados”. Cada vez mais dados são coletados e processados. Cada vez mais pessoas passam mais tempo ultraconectadas.

Apesar de ser crucial reduzir ao máximo a extração de energia de fontes petrolíferas, é uma ilusão considerar que uma migração para fontes livres ou neutras em carbono será suficiente para mitigar as crises climáticas e energéticas. As outras fontes de energia tem seus próprios problemas e impactos ambientais. É importantíssimo reconsiderar o que tem sido feito com tanta energia.

Por exemplo, antes de se pensar em “Inteligência Artificial” “sustentável” – seja em carbono, água ou qualquer recurso – é preciso perguntar primeiramente para quê “Inteligência Artificial” ou qualquer outro sistema estatístico/computacional. A importante questão da sustentabilidade pode ser usada como subterfúgio retórico para justificar o uso acrítico de uma tecnologia. Um “automóvel” só será sustentável não somente se for sustentável da sua fabricação, do seu uso até o seu descarte, como também pela consideração de quais circunstâncias seu uso é justificável em detrimento de tecnologias de transporte coletivo, ou mesmo do uso de bicicletas. Não há tecnologia sustentável se o seu uso é baseado no desperdício e na falta de necessidade. O risco é o discurso de “sustentabilidade” redundar em promessas vazias que a indústria a indústria fará para a sociedade se sentir com a consciência limpa, permitindo que todos possam esquecer hoje a questão que baterá à porta amanhã.

Lançamentos anuais e cumulativo de objetos ao espaço, segundo o United Nations Office for Outer Space Affairs (2024).

Figure 4.9: Lançamentos anuais e cumulativo de objetos ao espaço, segundo o United Nations Office for Outer Space Affairs (2024).

Tais discursos de sustentabilidade pendem facilmente para a falácia e para a perversidade. A própria tecnologia ofensiva ao ambiente é justificada pelo eventual benefício que ela poderia trazer. Isso tem sido argumentado para o uso de “machine learning” no avanço da agenda ambiental192:

Ironically, advances in machine learning have led to sustainability innovations in a number of industries and have advanced research to support environmentalist agendas.

Mas é preciso tomar cuidado para que este uso não se torne legitimizador e irrefreável de tecnologias como “Inteligências Artificiais”, que estão mais próximas de agendas coloniais do que emancipatórias, algo que ironicamente pode comprometer a agenda ambiental.

Mapa mundial da iluminação noturna, de Falchi et al. (2016). A coloração mostra o quanto a iluminação local está acima do que seria se não houvesse contaminação lumínica. Também é um indicativo de concentrações populacionais e informacionais. Distribuída sob licença Creative Commons Attribution NonCommercial 4.0 (CC BY-NC).

Figure 4.10: Mapa mundial da iluminação noturna, de Falchi et al. (2016). A coloração mostra o quanto a iluminação local está acima do que seria se não houvesse contaminação lumínica. Também é um indicativo de concentrações populacionais e informacionais. Distribuída sob licença Creative Commons Attribution NonCommercial 4.0 (CC BY-NC).

Em seu livro “Poluição é Colonialismo”, Max Liboiron contrapõe193 uma concepção colonial da poluição enquanto incapacidade de um ambiente de se “auto-purificar”, reduzindo a quantidade de descartes nocivos, com a noção de que a poluição é a atuação de relações coloniais com Territórios:

pollution is not a manifestation or side effect of colonialism but is rather an enactment of ongoing colonial relations to Land

Essa noção de Terra (Land), ou Território, é ampla, não se restringindo somente à uma categoria fundiária, indo além de meios considerados materiais, ou seja, poderia até mesmo abarcar outros locais e corpos194:

Land extends beyond a material fixed space. Land is a spiritually infused place grounded in interconnected and interdependent relationships, cultural positioning, and is highly contextualized […] when I capitalize Land I am referring to the unique entity that is the combined living spirit of plants, animals, air, water, humans, histories, and events recognized by many Indigenous communities. When land is not capitalized, I am referring to the concept from a colonial worldview whereby landscapes are common, universal, and everywhere, even with great variation.

Numa noção colonial, é considerada poluição somente aquilo que é despejado num Território mas que não é “processado”: o Território é modelado como uma coisa que tem uma capacidade de carga, descarga ou de assimilação195. O Território já é considerado logo de cara uma espécie de “prestador de serviços” ambientais capaz de lidar com os rejeitos industriais, ou seja, estaria disponível e seria utilizável para esse propósito.

Mas a poluição, como discutimos até agora e ainda trataremos adiante, não é somente um efeito colateral e uma externalidade de processos informacionais, como é parte necessária do processo de colonização Territorial, incluindo, por exemplo, os Territórios mentais.

Adotarei aqui um entendimento provisional de colonialismo a partir da informação, enquanto uma imposição de formas em corpos e territórios. Decorre daí que informar autoritariamente significa impingir um molde ou até forçar modos de comportamento. Essa imposição é de aspecto poluente ao disseminar formas de relação nocivas, alienantes, racializantes, exploratórias e até genocidas196.

O sistemas coloniais implantam recortes territoriais, raciais, de gênero, classe e outros como parte necessária da mecânica agourítmica do extracionismo quantificado em termos materiais, energéticos, informacionais, simbólicos, capitais etc. Tais sistemas não somente precisam descartar toda a poluição gerada por esse processo em algum lugar como tiram vantagem de poluir os territórios e sujeitos colonizados, pois assim estes tem mais dificuldade de resistir e se insurgir. A poluição é parte dos mecanismos de opressão.

A poluição gerada pelo sistemas coloniais chega até a ser articulada pelos mesmos como um problema que eles não teriam gerado mas que poderiam resolver, bastando para isso aceitar novas soluções supostamente miraculosas que necessitam da manutenção desses sistemas. Tal como o exemplo anterior de se utilizar “Inteligências Artificiais” para de algum modo colaborar para a “mitigação” da crise climática agravada pelos sistemas de relações que engendram as próprias “IAs”.

A poluição também é intrínseca a esses sistemas, que só operam se houver descarte, com exaustores, escapamentos, dutos de escoamento etc emitindo aquilo que não têm capacidade de processar e acondicionar, gerando e emitindo aquilo que tem sido chamado de “entropia” em suas muitas vertentes – sendo a informacional, comentada na Seção 4.7.7, apenas uma delas.

A poluição faz parte da circulação global quantificada em matéria, energia, informação, símbolo, capital etc. Uma forma de poluição é gerada para que seja possível gerar a outra. Da queima de combustíveis fósseis, da construção de barragens, da fissão nuclear etc é gerada a eletricidade que polui o espectro eletromagnético e é usada para produzir informação poluidora da datasfera.

A emissão de informação então não se restringe ao sentido dado pelo diagrama shannoniano clássico de informação197 – na qual ela seria aquilo que compõe mensagens trafegando de um emissor para um receptor através de um meio que contém a interferência do “ruído” –, mas também à emissão de lixo e à emissão involuntária de informações, no caso de dispositivos de vigilância baseados na coleta de “exaustores” informacionais.

A poluição é tendencial em sistemas de “informação” operando nesse tipo de regime. A Informação virou lixo, mais um tipo de poluição. Ela é também integrante do ruído. A “nuvem de informação” está mais para uma “pluma de poluição”. Há até uma poluição conceitual no próprio conceito de informação, com tantas definições e entendimentos.

O conceito de “datasfera” também não dá conta da perda de indivíduos e espécies na atual grande extinção em massa, que vai muito além de uma redução informacional. Ou da amnésia e mal-estares advindos dos excessos hiperluminista.

Essa informação lixosférica – ou líxito, produto do colonialismo informacional198 – não é sempre apagada, muito pelo contrário: sempre que possível, ela é armazenada por data brokers ávidos pela extração de algum valor de todo esse lixo. É passível de armazenamento hoje mesmo que não se saiba o que fazer com ela, já que os custos de armazenamento são decrescentes, representando assim um investimento futuro quando novos métodos e capacidades computacionais estiverem disponíveis para analisá-la.

Haveria um limite para a expansão da “datasfera” e deste processo colonizador? Consideremos primeiramente os atuais limites físicos199:

Ainda que pareça contraintuitivo, dados, códigos e programas virtuais são entes sujeitos às leis da física e, sobretudo, aos interesses sociais e aos projetos de poder que lhes dão fundamento e existência. Como tudo o que existe, se movimentam no tempo e no espaço ou são armazenados a certa velocidade e intensidade, fisicamente definidas pela infraestrutura existente mediante determinado contexto social. Toda via de transmissão – rodovia, rede de esgoto, fibra óptica etc. – tem um limite posto por suas características físicas e disposição geográfica, e elas próprias são ou não construídas em alguns lugares a partir de decisões políticas e econômicas socialmente determinadas.

[…]

[…] a existência do universo digital somente é possível a partir da interação de pessoas em determinados meios físicos de comunicação codificada […] [que] demandam certa quantidade, velocidade e interação de massa e energia no tempo e no espaço para que sejam possíveis.

Pela chamada “Lei” (agourítmica) de Moore, a capacidade de processamento computacional dobra a cada dois anos, permitindo que a quantidade de dados computados também aumente. Já reparamos que a capacidade de armazenamento também aumenta tendencialmente, ainda que não seja tão rápida. A energia consumida não diminui, muito pelo contrário. Muito menos a quantidade de software.

O limite teórico para o colonialismo informacional não é somente a “digitalização de tudo”, como também a conversão dos corpos subjugados em armazéns de dados a serem extraídos.

Vopson (2020) calcula uma “catástrofe informacional” se as atuais tendências de crescimento datasféricas forem mantidas sem que ocorra algum processo de saturação: em cerca 350 a mil anos, o número de bits produzidos excederia a quantidade de átomos na Terra, e a quantidade de energia requerida para sustentar toda essa informação excederia o total atualmente produzido200.

O absurdo deste prognóstico já indica alguma mudança de cenário, seja pela explosão, implosão, saturação, extinção ou redução. O Explodismo parece ter chegado muito rápido, e com suas as taxas de consumo de recursos é capaz que não dure por tanto tempo antes que outro regime pós-explosão e talvez neo-feudal se estabeleça201.

Catástrofe, nesse sentido, talvez seja somente a aniquilação do paradigma, e não o fim de tudo202.

No momento, o que constatamos é que a quantidade de informação já cresceu para muito além da experiência humana.

Há uma evidente superprodução de dados: mais informação é “produzida” do que a humanidade precisa. Este crescimento é muito mais um imperativo do mercado do que uma necessidade humana de fato, mas é vendido como uma melhoria geral da qualidade de vida e uma forma de inclusão social, ao passo que parece produzir mais endividamento, mais desgaste ambiental, mais desigualdade social, mais racialização, reforço de desigualdades de gênero, mais precarização do trabalho, maior vigilância social, e mais lucros para as grandes corporações.

Como qualquer processo capitalista, a engrenagem marcha até o ponto de destruição, até a hiperprodução que não encontra mais possibilidade de consumo, até a guerra, que é a atividade de queima direta da produção.

4.7.10 Infoguerra

Um aspecto notável da informação enquanto lixo é a possibilidade de usar todo esse entulho, todos esses escombros, enquanto um novo tipo de projétil direcionado ao inimigo ou à esmo, para gerar confusão, desinformação, sobrecarga. A poluição também pode ser convertida em arma de guerra (“weaponization”).

O que impulsiona processos informacionais como o da “Inteligência Artificial” não é uma vontade nobre de transcendência humana – este talvez seja um impulso pessoal de pesquisadores, financiadores e entusiastas. Aquilo que move sua construção são fatores econômicos da competição e da guerra: obter e processar quantidades cada vez maiores de informação e que podem produzir informações para dois “consumidores”, basicamente: os tomadores de decisão e para os outros. Os outros aqui vão desde o público em geral – por exemplo com manipulação de uma “opinião pública média”–, clientes – com peças publicitárias direcionadas – ou até mesmo para o inimigo, ou seja o outro a ser controlado ou combatido com “desinformação”.

Conforme o processamento informacional se aprofunda nessa lógica, os dois tipos de consumidores tendem a um único: os tomadores de decisão cada vez mais passam a ser igualados aos “outros”: se tomar decisões mais e mais rápidas é o imperativo, então o produto do processamento informacional deve estar cada vez mais “pronto” para a decisão, até o limite de nenhuma decisão mais ser necessária e os “donos” do sistema, até anteriormente os efetivos tomadores de decisão, tornarem-se meros supervisores das decisões tomadas.

A lógica da guerra requer “tirar os humanos” do “loop”, da “equação”, do processo, da cadeia de tomada de decisões e, se possível, da execução das mesmas. Este talvez seja o principal ponto do livro “A Guerra na Era das Máquinas Inteligentes”203. Lógica que considera humanos como máquinas de alto custo de produção e manutenção, de baixa performance e muito suscetíveis ao erro, reduzindo as chances de sucesso.

A informação não é apenas uma componente importantíssima para o sucesso nos conflitos em cada espectro – ar, mar, terra. Agora a disputa informacional ocorre em seu próprio “espectro”, como se a informação habitasse um ambiente próprio.

Cada lado do conflito opera então seu aparato de produção informacional direcionado aos oponentes, de modo a poluir esse novo espectro com conteúdo desencontrado, operações psicológicas e “false flags” (operações falsas), ao mesmo tempo que tenta filtrar o conteúdo desencontrado semeado pelo inimigo e permanecer com aquilo que se assenta nos acontecimentos “reais”: a checagem de fatos (“fact checking”) é antes de tudo uma tarefa da guerra e da lógica do Estado, só sendo posteriormente uma atividade de imprensa.

Parece haver uma queda tendencial da possibilidade de se informar, e os implementos técnicos surgem ao resgate. Os mais recente deles são as chamadas “Inteligências Artificiais” que, longe de resolver o problema, apenas o agrava: os beligerantes agora tem suas próprias “IAs” para filtrar e poluir o espectro informacional. Veremos adiante204 que as “IAs” apenas contribuem consideravelmente para a vitória caso haja uma assimetria significativa, isto é, quando são empregadas contra um inimigo que não as possui. Em geral isso ocorre nas guerras coloniais e nas guerras internas contra o próprio povo. Nos outros tipos de guerra, seu uso implica numa nova escalada armamentista.

A censura, longe de ser uma solução para o problema da poluição informacional, é seu próprio corolário: a existência da informação indesejável serve como justificação para a supressão arbitrária de conteúdo. Poluição e supressão operam como duas faces da corrida armamentista informacional.

A censura caracteriza-se pelo corte da capacidade informacional de inimigos externos e internos. Tende a ser uma proteção do status quo contra ameaças informacionais de atores políticos e militares, e é apresentada como uma medida paternalista de proteção da população. A censura não resolve o problema da informação indesejada: ela o intensifica, incitando novas formas de drible e contorno.

Se regimes nitidamente totalitários tendem à censura, o totalitarismo disfarçado das ditas “democracias liberais” suprimem as opiniões contraditórias ao deixarem que elas afundem no meio de tantas outras informações, num tipo de “censura soft” resultante da própria irrelevância.

Opera-se um fechamento, seja pelo excesso ou pela falta informacional.

Esta “esfera”, “camada” ou “ambiente” informacional tende a um fechamento nele mesmo. A hiper financeirização descolada de uma “realidade” “fincada no chão” é um exemplo da ubiquidade deste fenômeno, tendo como um dos seus ícones a chamada Hight Frequency Trading (HFT - Negociação em Alta Frequência). Agora todas as dimensões existenciais padecem do mesmo comportamento: sistemas de informação numa corrida armamentista em rápida escalada, se autodigerindo e se auto-excretando indefinidamente, gerando uma poluição de dados que não tem mais a ver com ganhar conhecimentos necessários para enfrentar os grandes problemas do mundo. Muito pelo contrário: aumentam os problemas do mundo, não só por desviarem a atenção como também pelo seu próprio impacto ambiental: informações custam recursos do planeta para serem produzidas, transferidas e armazenadas.

A “inovação” impulsionada por esta “competição” está ligada a uma racionalidade instrumental extremamente paranoica: trata-se de uma schizogenesis – a cismogênese205 como impulsionadora das técnicas de guerra.

Este impulso vem da própria dinâmica competitiva capitalista, que adota qualquer tecnologia que apresente ganhos de eficiência – dentro da lógica de quem não adotar será passado para trás por aqueles que o fizerem o quanto antes.

O mesmo temor da existência da bomba atômica alimentou sua criação: “é melhor construirmos, pois o outro pode estar construindo”. Algo semelhante parece ocorrer com as chamadas “Inteligências Artificiais Gerais” (AGIs - Artificial General Intelligence): como aponta Rushkoff (2022)206, o medo das “AGIs” impulsiona a corrida pela sua construção, mesmo que “AGIs” sejam apenas quimeras:

I was at a small invite-only conference for “friends of” a tech industry leader, where I met the wealthy founder of a social media app who was so afraid of the coming age of AI that he was careful not to ever post anything negative about thinking machines. “We can talk about them here”, the twenty-eight-year-old practically whispered to me, “but never on the record, and never ever online.”

This young man’s fear was that when the AIs do take over, they will review all of our social media posts in order to determine who among us are friendly to their interests and who must be eliminated—like the Chinese Cultural Revolution or the McCarthy hearings, except conducted by robots.

Yes, he had this insight while tripping on some sort of toad venom with a shaman. But on returning to work the next week and observing how his own company was using AI, he concluded that his vision of AIs networking themselves together into a new planetary governance structure was, to use his word, “inevitable.” He warned me to be careful about the essays I post, and maybe to pepper them with some hints that I was only concerned for how people would exploit AI, not about the AI itself. Although he then admitted that this strategy was doomed to fail, since AIs would be able to discern such subterfuge by analyzing our linguistic patterns over time.

“It’s not that I hate AI – I just fear them. That may not be interpreted as a threat to their interests.” The bigger the billionaire, the greater the fear, and the countermeasures. Elon Musk told a 2014 audience at MIT that by experimenting with AI, Larry Page and his friends at Google are “summoning the demon .” In a now famous Vanity Fair account of a conversation between Elon Musk and DeepMind creator Demis Hassabis, Musk explained that one of the reasons he intended to colonize Mars was “so that we’ll have a bolt-hole if AI goes rogue and turns on humanity.” Similarly, Musk has been developing a neural net apparatus that can be lasered onto our brains, which would potentially allow us to compete with a superintelligent rogue AI that turns against us. Of course, most of Musk’s space technologies are entirely dependent on AI, so a Mars mission may be less a means of escape than running straight into the robots’ arms207.

Esta paranóia do (in)formismo208 leva às bombas tecnológicas. O mesmo raciocínio reflexivo que impulsionou a construção da bomba atômica onte impulsiona hoje a corrida pelas “Inteligências Artificiais”: “sabemos que um aparato deste tipo será destrutivo e que talvez seja possível construí-lo; nossos oponentes devem saber disso, e devem estar pensando que nós estamos pensando o mesmo, e devem estar pensando que nós já estamos construindo, e por isso devem estar construindo; por isso devemos construir: façamos antes que nossos oponentes façam”.

Esta corrida “inevitavelmente” – no sentido agourítmico – produz tecnologias bombásticas, e não necessariamente produzirá “AGIs” no senso estrito de seres inteligentes, mas certamente aprofundará a indigência artificial.

4.7.11 Indigência Artificial

A Informação se tornou a Poluição, o Lixo da Indigência Artificial.

As “Inteligências Artificiais” tem sido promovidas à panaceia capaz de resolver todos os problemas humanos, inclusive aqueles gerados pela própria informação: bastaria “alimentá-las” com informação suficiente, “treiná-las” o suficiente, e modelá-las o suficiente para que produzam em suas saídas as receitas para a humanidade seguir.

Isto justificaria a qualquer atividade humana ter como parte de suas tarefas a coleta e o processamento de informações. Até mesmo hospitais não seriam mais apenas locais de cura, mas principalmente postos de coleta de informação para a criação de grandes bancos de dados biométricos a serem posteriormente convertidos em prognósticos e diretivas de saúde.

Soa pertinente investir em pesquisas que coletem e processem dados responsavelmente para a melhoria das condições da vida em todas as escalas. No entanto, esta forma de fazer ciência tem se convertido na justificativa para impor novas versões de antigos colonialismos, assim como varrer da existência outros modos de viver e de fazer. Além disso, abre-se a brecha para coletas de dados cada vez mais invasivas e que facilitam o controle social repressivo e opressivo, ou até a exclusão e a eliminação.

O perigo imediato das “IAs” hoje não viria do advento de “superinteligências” autônomas que ameaçariam a humanidade e a vida na Terra – um cenário do tipo “Skynet” onde uma “Inteligência Artificial Geral” (AGI) tomaria o controle de um arsenal de guerra. Mas sim, em primeiro lugar, do uso estratégico da poluição gerada pelas “Special Purpose IAs”, ou “IAs” estreitas, de propósito específico e já existentes, para tirar vantagens em cima da população não só economicamente como também pelo controle social direto e indireto, incluindo aí o reconhecimento facial e sistemas de julgamento assistido por software. E, em segundo lugar, mesmo que as “AGIs” não possam ser construídas, as narrativas sobre elas impulsionam continuamente a pesquisa na área e mascaram outros problemas, mais concretos e imediatos. Como frisa Tarcízio Silva209,

É importante fazer essa distinção entre o que se chama de “inteligência artificial geral” e o que se chama de “inteligência artificial estreita”.

Em linhas gerais, a busca pela inteligência artificial geral significa tentar emular capacidades da mente humana nas diversas esferas da experiência, produzir comportamento autônomo, independente e proativo e aprender sobre esse comportamento de forma criativa.

Os robôs completamente autônomos e criativos que povoam as narrativas da ficção científica e do cinema representam geralmente o ápice da inteligência artificial geral – que provavelmente nunca será de todo alcançada. A controvérsia sobre a viabilidade da inteligência artificial geral é algo de que não trataremos […] Sobretudo porque vemos como negativa a tendência a hipervisibilizar os debates filosóficos sobre robôs autômatos e seus possíveis direitos no futuro ante a realidade material do impacto da inteligência artificial estreita na vida contemporânea. Além disso, historiadores da tecnologia, como Jones-Imhotep, argumentam que a promoção da ideia de autonomia robótica desde o século XVIII, com a Revolução Industrial, já era operacionalizada para cada vez mais invisibilizar o papel do trabalho humano contido nas máquinas.

O lobby das corporações operadoras de “IA” inclusive tem usado o temor da criação de “AGIs” hostis como justificativa para limitar a pesquisa e criação de outras “IAs”, e com isso manterem o oligopólio de licenciamento de uso, agora que já estão estabelecidas no mercado. Oligopólio este seja para controle social direto – do tipo “sociedade do controle” – ou indireto – numa “sociedade do descontrole” via geração de lixo informacional. A classe dominante usa o bode expiatório das “inteligências gerais e hostis” para manter seu monopólio sobre as “inteligências de propósito específico” e ganhar tempo para que tentem inventar suas sonhadas “inteligências gerais”. Independentemente da viabilidade técnica e do que seja considerado “inteligência”, tais propósitos gerais e específicos sempre serão hostis ao resto da humanidade210.

Esta nova oligarquia mundial é baseada e dependente da manutenção do oligopólio das “IAs”. Almeja suprimir ou limitar do resto da sociedade a tecnologia que ela mesmo fomentou, similar ao que aconteceu com a bomba atômica: o temor da sua existência alimentou sua multiplicação, sempre nas mãos de poucos. E as “IAs” são a “bomba atômica informacional” por excelência, como veremos211. Ao mesmo tempo, negam qualquer responsabilidade por essa tecnologia212.

Mesmo que não houvesse monopolização e todo o software e dados necessários para rodar “IAs” estivessem disponíveis publicamente, a imensa infraestrutura requerida continuaria inacessível para o público geral.

Trata-se da monopolização da “inteligência”.

Adotaremos o termo “Indigência Artificial” para se referir à noção estrita e corrente de “Inteligência Artifical”, assim como os efeitos provocados por ela. “Indigência Artificial” é a operação de sistemas para a geração artificializada de empobrecimento – tanto da própria inteligência quanto das condições existenciais –, de modo intencional ou não. Manteremos a sigla “IA” para referir a esta acepção específica e redutora.

As concepções mecanicistas de “inteligência” e “inteligência artificial” tem, no nível de discurso, uma aparente preocupação e inclinação pelas “verdadeiras bases” da inteligência sobretudo da humana, enquanto que no plano prático estão basicamente assentadas na enganação, seja de quanto uma máquina pode enganar um examinador considerado “inteligente” – o chamado Teste de Turing –, seja para provar uma inteligência supostamente superior de alguém que cria tal maquinaria.

Dividir seres entre “inteligentes”, “não-inteligentes” ou “menos inteligentes” também alimenta a justificação para a o domínio e controle dos que possuem a qualidade daqueles que não possuem, especialmente se o critério selecionado possuir aspectos de objetividade, testabilidade e mensurabilidade. Como anteriormente foi feito com seres que teriam ou não teriam uma “alma”, o que já foi usado como justificativa moral para a escravização.

As classes dominantes sempre clamaram para si o papel da inteligência, até como justificativa para exercer seu domínio da sociedade.

Mas, assim como qualquer monopólio, a concentração da inteligência não é algo “natural” e sim mantido forçosamente.

O povo sempre teve sua inteligência, e a elite sempre fez de tudo para expropriá-la ou suprimi-la. Este sempre foi um processo violento de impor a indigência artificialmente. Agora, com império da Informação, isto só se agrava.

Numa fase anterior deste processo, houve uma privatização do conhecimento comum via “crowdsourcing” – a alimentação de grandes bancos de dados pela contribuição voluntária ou involuntária. Na fase seguinte, tais bases foram usadas para abastecer sistemas estatísticos de “IAs”. O comum foi expropriado e integrado à bases de dados ainda mais proprietárias. As chances de alguém ler um texto parecem já muito menores do que o mesmo ser ingerido por um sistema de “IA”.

As mesmas “inteligências artificiais” que expropriam o intelecto geral disperso nas redes informacionais com fins de aumentar a eficiência da extração de lucros são usadas para fomentar um desintelecto geral, robotização e precarização das pessoas.

Parte desse sequestro de inteligência também ocorre hoje pelo conteúdo poluente que as “IAs” cospem de volta e que tendem a turbinar ideologicamente a sociedade, canalizando opiniões coletivas em níveis sem precedentes.

Isso dificulta o trabalho de checagem de fatos não só atuais como históricos. Se “factualidade” já é um conceito difícil de estabelecer numa historiografia clássica, a nova historiografia terá de se deparar com um mar de lixo informacional e destilar aquilo que mais potencialmente esteja associado a “fenômenos factuais”.

Imaginemos não só obras de ficção, mas uma avalanche de conteúdo que soe como “histórico” – não só livros, filmes, podcasts como inclusive “pergaminhos” e “papiros” “digitalizados”, assim como “opiniões”, “dossiês”, “estudos”, “relatórios” e até “vazamentos”. Isso tende a dar um trabalho enorme para criação de cadeias de custódia e autenticidade de conteúdos – como assinaturas digitais e lastros em documentos físicos – para de algum modo estabelecer relações verificáveis entre obras “digitais” e suas fontes “analógicas”: pessoas, documentos etc.

Está cada vez mais difícil de saber se um conteúdo tem lastro com antigas construções coletivas que chamávamos de realidade, ou se faz parte da nova ilusão coletiva gerada por sistemas estatísticos chamados de “Inteligências Artificiais”.

A “sociedade de afluência” informacional se tornou, de fato, uma sociedade de efluentes poluicionais. As “Inteligências Artificiais” operam na lógica do GIGO: Garbage in, Garbage out (lixo entra, lixo sai).

O que sobra em termos de “informação de qualidade”, estratégica, é privada, restringida, secreta ou vendida, aprofundando a desigualdade de oportunidades no campo informacional: a “boa informação” sendo um privilégio, e quem não consegui-la terá uma forçosa existência num aterro informacional de conteúdo não verificado, grande parte dele gerado e recomendado por “IAs”.

As “tecnologias da informação” são produzidas e produzem um lixão informacional, estimulando mais e mais a criação de analisadores estatísticos do tipo “IA”.

Os grandes fabricantes destas tecnologias as mantém fechadas, sob segredo e em regime de propriedade intelectual. Restringem o acesso para terem exclusividade sobre uma base de informações, evitando a mineração das “IAs” dos concorrentes; para manterem um celeiro de “usuários” dependentes ou mesmo viciados na plataforma, sob coleta-extração-vigilância constantes fornecendo informação para “IAs” proprietárias. E assim podem vender o serviço de uso, monopolizando o acesso àquilo que passa a ser considerado como “inteligência”.

Este é um processo de extorsão da “realidade”, forçando outros atores, mais populares, a entrarem neste triste jogo e fomentaram suas próprias tecnologias de extração de inteligência a partir do lixo informacional. São forçados a isso, não necessariamente por acreditarem que esse tipo de tecnologia é benéfico, mas para não ficarem totalmente à mercê dos novos mercadores da realidade (“reality brokers”).

Adentremos agora numa seara ainda mais especulativa, sobre a atual e também vindoura crise de superprodução, aliás hiper-ultraprodução informacional.

Como qualquer parque industrial da economia de escala, a indústria informacional não parece que vai parar de vomitar dados até entupir o mundo muito além dos limites suportáveis e assimiláveis. Pode produzir uma onda de choque suficiente para destruir a capacidade de julgamento do “real”, pavimentando com isso a próxima “nova ordem mundial”.

Chapados de tanto conteúdo, quem irá notar ou se interpor às guerras, morticínios e demais opressões afetando o outro? Se isto já acontece e acontecia nas versões anteriores da “indústria da (in)consciência”213, talvez vivenciaremos em breve um aprofundameto brutal e talvez sem volta, alegorizado em diversas maneiras na série de filmes “Black Mirror”.

A chantagem do monopólio das “IAs” será a venda de serviços baseados nessas mesmas “plataformas” que forneceriam “senso”, ou “sentido” enviesados num mundo poluído por essa própria tecnologia, na lógica de produzir o problema para vender a solução.

Este monopólio também vislumbra-se como da “fonte da verdade” em vários sentidos:

  • O monopólio da tecnologia em si, através de segredos industriais e “propriedade intelectual”.

  • Com a problemática da “liberdade de expressão” sendo “resolvida” por um choque de “credibilidade” com a monopolização das tecnologias de checagem de “fatos” (“fact checking”) mediante o uso de “IA” ou através de uma hierarquia notarial214. Opera-se uma redefinição do que é notícia e “informação verificada”, para além daquilo que uma pessoa pode confirmar numa experiência mais direta, tendendo a ser um monopólio dos novos “information brokers” também figurando como “mercadores do conhecimento”. A tendencial queda das taxas de lucro afetando a imprensa não produzirá somente mais e mais “muros de pagamento” (“paywalls”) como também uma restrição a quem pode acessar informações checadas por alguma auto-proclamada “autoridade”.

  • Ao produzirem o próprio consenso sobre o que é a cognição, o que é relevante, o que é “real”.

É um duplo movimento que coloca as “IAs”, num paralelo proverbial, a figurarem simultaneamente nos papéis de Demônio do Primeiro Tipo – o de Maxwell, na chave informação-classificação – e do Segundo – informação-poluição, como fabulado fabulosamente em Lem (1974) –, apesar de operarem dentro de limites termodinâmicos.

Apelar para as ditas “Inteligências Artificiais” tem sido a alternativa para processar largas quantidades de “informação” na expectativa de extrair conhecimento tático-estratégico, ao invés da lenta e penosa tarefa de selecionar e estudar conteúdo “manualmente”, e que produz outro tipo de resultado.

Se voltarmos a chamar de “sistemas estatísticos” aqueles que estão etiquetados como “Inteligências Artificiais”, conseguiremos entender melhor que basicamente tratam dos sistemas estadísticos da gestão da realidade, dentro do binômio “conhecer para controlar”.

“Organizar a informação do mundo” não é somente o slogan de um dos maiores conglomerados de triagem do infolixo215, como uma das primeiras diretivas das ciências da informação nos últimos 200 anos.

Com as “IAs”, uma importante etapa desta “organização” é o “treinamento” de máquina (machine learning), consistindo basicamente na calibração de um sistema estatístico a partir da ingestão do mesmo com informação previamente classificada. Após esse “treinamento”, o sistema é então usado para efetivamente produzir decisões – seja classificação, produção de conteúdo e “inferência” – usando dados a ele fornecidos216.

As “IAs” tem sido baseadas num “aprendizado” por classificação, para depois atuarem como mecanismos classificadores ou geradores de variações a partir da estatística acumulada. “Inteligência” é mais associado ao novo, à novas estratégias, e assim fica difícil considerar um classificador como “inteligente”: terá performance ruim em detectar e agir em cima da novidade. Esta “Inteligência” está tendendo ao enviesamento da classificação. O que é um sapato, que imagens contém um hidrante, quais dias são lindos. O clichê, o “genérico” e o médio sobressaem.

Os critérios classificatórios das “IAs” também fazem parte da terrível mecânica de racialização, com vieses transmitidos durante a programação e o “treinamento” das mesmas217. Preconceito entra, preconceito sai: qualquer sistema de classificação de pessoas baseado em atribuições genotípicas ou fenotípicas é potencialmente racista, sendo muito difícil, senão inviável, reformas para corrigir essa característica de “redes neurais” selecionando perfis de acordo com critérios previamente estabelecidos.

Haveria uma maneira dessas “IAs” classificarem sem classificar? Os argumentos na área de saúde pública – como a análise de perfis para prevenção de doenças relacionadas à composição genética – são muito delicados e precisam ser debatidos amplamente para que não sirvam de argumento para justificar outras aplicações de controle social. Ainda assim, toda iniciativa de reduzir a produção algorítimica de suspeitos e acabar com enviesamentos racistas é importantíssimo para mitigar os impactos concretos do uso dessas tecnologias nas vidas das pessoas, especialmente das mais impactadas.

Este perigo não surge apenas pela falta de diversidade e dos vieses de quem constrói esses sistemas, como também pela inserção dos mesmos num megassistema colonial que inclui por um lado, e exclui por outro. Como no verso de Augusto dos Anjos, “a mão que afaga é a mesma que apedreja”218.

Há esforços estatais e empresariais para “incluir” mais pessoas no megassistema informacional, e esta inclusão é cada vez mais imposta como requisito para outros tipos de inclusão e participação em programas sociais.

Esta inclusão corresponde tanto a novas formas consumo quanto de precarização.

A inclusão digital pelas “Big Techs” tem uma aparência de inclusão social e está ocorrendo pela via do “desenvolvimento”. Mas ela é uma inclusão digital que produz precarização e exclusão social.

O efeito combinado é o alijamento de humanos enquanto entes ativamente incidentes no processo. Informação continuará sendo a transmissão de comando e controle, não somente em humanos como em outros arranjos maquínicos, dentro da lógica da indigência artificial, isto é, a produção de indigência humana e ambiental como artifício para justificar a própria necessidade de “Inteligências Artificiais” que produzirá ainda mais indigência. Meu argumento não é circular por uma questão retórica: a própria dinâmica é circular e viciosa.

Os comportamentos humanos já tendem a ser direcionados mais e mais por “aplicativos” – que poderíamos entender como aplicações de uma lógica de governo – e menos por regras e normas codificadas pelo processo legislativo clássico219.

A programação computacional tende a deixar de ser menos uma atividade humana, sendo realizada majoritariamente pelos próprios aparelhos.

A tentativa expulsão do humano do mundo da informação corresponde à tentativas anteriores, como a chegada dos motores industriais que correspondeu a um ataque ao movimento humano, sempre forçado à adequação ao ritmo do parque industrial. O advento das “Inteligências Artificiais” é a mais recente tentativa de substituição, que de tão forte passa a impressão de ser o passo final para alijar completamente humanos dos processos produtivos.

Um exemplo é (de)generatividade das “IAs” produtoras de texto, imagens e vídeos:

  • No que tange à precarização do trabalho, não há ganho de médio ou longo prazo na redução de jornada com o uso deste tipo de sistema, já que o próprio mercado passará até a esperar este tipo de atitude; e as pessoas que forem revisar, avaliar ou consumir o trabalho também poderão fazê-lo via “IAs”. Na prática, a tendência é que qualquer alívio no tempo de trabalho seja preenchido com mais tarefas e novas exigências. Isto ou a perda do posto de trabalho, por este ter sido “automatizado” pelas “IAs” e não houver espaço para humanos atarefados que as treinem220.
  • Uma primeira reação sobre o uso esse tipo de gerador é bem resumida pelo que alguém disse que, “se não vale seu tempo pra escrever, não vale meu tempo pra ler”221. Mas como saber se vale ou não, antes de ler? E como saber que aquilo que foi escrito tem relevância, pertinência e especialmente está assentado em acontecimentos e referências fiáveis?

  • Escrever, contar histórias, falar etc são atos de memória e de organização dos pensamentos. Delegá-los para uma “IA” como uma medida para “salvar tempo” acaba por aniquilá-lo, por reduzir a memória – numa amnésia estimulada por computador.

  • Consequentemente, a contação de histórias benjaminiana, em primeira pessoa, decai ainda mais no rol das atividades humanas, sendo terceirizada para sistemas auxiliares. Na educação, as “redes neuróticas” de “IAs” treinadas pelas pessoas podem posteriormente treinando pessoas. Alimenta-se assim um “tamagochi” em forma de ouroboros, transformando professores em treinadores de “IAs”, e estas em adestradoras de estudantes.

  • As “IAs” generativas produzem lixo, mas é um lixo atraente, em alta definição, sob-medida e que incita à adoração. Da mesma maneira como as “mídias sociais” viciam e fazem as pessoas amarem os Grandes Irmãos222.

Novamente: “Informação” tem se aproximado do lixo e “Inteligência” da produção de indigência. Toda esta Demência Institucional é uma produção sistemática de indigência artificial, não somente produzida por “IAs” como por qualquer outro processo de despossessão, privação, espoliação e direcionamento cognitivo existente, especialmente no modo de operação infocapitalístico.

4.7.12 Infocapitalização

A metrificação de informações, oriundas de qualquer situação, em “dados” que compartilham o mesmo conjunto simbólico, permite não somente que sejam processados por uma mesma infraestrutura, como permite que sejam comercializados em grande escala: dados são como uma espécie de forma-mercadoria final e descorporificada.

Na dimensão das relações sociais do longo prazo que se revela cada vez mais curto, também há uma guerra contra o trabalho vivo e contra qualquer oposição a este processo, esboçado por esta breve dialética para além da trinca Capital-Trabalho-Informação.

Num plano mais econômico, há uma tendência por aprofundar a externalização do trabalho – terceirizá-lo tanto para “colaboradores” quanto para a própria clientela – e o consequente aumento da expropriação do valor gerado pelo trabalho. Aliás, já começa a ser difícil distinguir clientes de prestadores, como se essas categorias pouco a pouco deixassem de fazer sentido no âmbito da externalização de trabalho e expropriação de dados e valor.

Provavelmente tudo isto já seja bem repetitivo de mencionar mas, por uma questão de completude, seguem as linhas gerais do processo de adicção por dados da parte do ultra-hiper-turbo-explodo-liberalismo:

  • A relação direta entre “Informação” e “Inovação”, que já ajudei a detalhar no texto “Em busca do inapropriável”223 sobre o ciclo de expropriação de inovações no capitalismo. Com as “Inteligências Artificiais”, esse processo de extração pode se dar em alta velocidade, assimilando qualquer conteúdo disponível.

  • Internalização dos dados gerados pelo trabalho terceirizado, aprofundando ainda mais o processo de terceirização, expropriação e roubo adicional dos dados gerados; substituição o quanto possível do trabalho remunerado por não-remunerado. Esta também é uma forma de vigilância do trabalho e do consumo.

  • Dados são tratados e abstraídos em procedimentos de controle, decupando e atomizando cada vez mais a forma e o conteúdo do trabalho terceirizado. Parte destes dados, assim como “análises” (“analytics”) são também vendidos para terceiros como “conhecimento” ou “inteligência” agregada e estrategizável. Substituição e obsolificação do trabalho humano e da classe trabalhadora.

  • Consolidação de bancos de dados contendo toda a abstração do trabalho necessário para manter uma pequena elite com nível suntuoso de vida e servida por aparato mecanizado, momento em que sistemas já teriam sido completamente “treinados” pelo trabalho terceirizado.

  • Informação e fechamento bio-necropolítico: humanos sendo jogados para dentro (hiperexposição e delírio) e para fora (eliminação do trabalho, com a informação manipulada pela maquinaria) do loop informação, tendência ao extermínio pelo “deixar morrer”, genocídios, pandemia ou pior.

Se tal desfecho do processo ocorrerá ou se é apenas um devaneio das elites, só o tempo dirá. Tirar o trabalho humano completamente do loop não parece ser assim tão fácil. Mas podemos deixar essa questão de lado por um breve segundo e considerar que mesmo esse cenário também seria problemático para as elites, que teriam de lidar com o medo e delírio de não conseguirem controlar a complexidade maquínica demoníaca224:

[…] there are new dangers in the creation of worldwide decentralized networks that might make them disturbing […] In particular, while computers were originally seen as the medium for getting men out of the loop, network decentralization introduces a new kind of independent will, the independent software objects (or demons)225, which might prove as difficult to enslave as their human counterparts.

Demons are, indeed, beginning to form “computational societies” that resemble ecological systems such as insect colonies or social systems such as markets. Past a certain threshold of connectivity the membrane which computer networks are creating over the surface of the planet begins to “come to life.” Independent software objects will soon begin to constitute even more complex computational societies in which demons trade with one another, bid and compete for resources, seed and spawn processes spontaneously and so on. The biosphere, as we have seen, is pregnant with singularities that spontaneously give rise to processes of self-organization. Similarly, the portion of the “mechanosphere” constituted by computer networks, once it has crossed a certain critical point of connectivity, begins to be inhabited by symmetry-breaking singularities, which give rise to emergent properties in the system.

4.7.13 Infopocalipse

Num plano mais sociopolítico, digamos assim, esta indigência artificial de base informática parece ter vários aspectos funestos, incluindo:

  • Guerra informacional em operações psicológicas (psyops) de várias dimensões e amplo espectro, a partir da Informação enquanto valor estratégico e lixo para os oponentes e oposições, moldando opiniões e situações.

  • A população residual e “desnecessária” para esse processo é passível de ser “agendada” para destruição por diversos meios, com as psyops operando na criação de sistemas de justificação agourítimica para limpeza étnica, genocídio e outras categorias de matança e supressão.

A esta linha limite chamaremos de “Infopocalipse”, tragédia anunciada, enunciada e buscada, distinto da “catástrofe informacional”. Contrariamente a um Apocalipse considerado como uma grande revelação sobre tempos vindouros –, o Infopocalipse seria não uma descoberta proporcionada pela informação, mas sim a revelação de que Informação tem sido usada para ceifar futuros.

Enquanto uma catástrofe informacional tal como descrita na Seção 4.7.9 acometeria a todos indistintamente – com dados sendo (re)produzidos numa espécie de metástase informática –, o infopcalipse afeta os outros – somente as vítimas do processo, e não os detentores dos meios de destruição.

Informações tem sido usadas com tática e estratégia para nos desunir, nos chocar, nos enganar, nos paralisar, nos neutralizar e até nos encarcerar, ferir, torturar e matar. Informação tem sido o arcabouço e o calabouço teórico do controle e da dominação. Nada disso é um efeito transcendental de uma entidade pretensamente mística chamada de Informação. Informação é meramente o novo guarda-chuva conceitual e explosivo pelo qual esses processos tem sido explicados, e é a maneira que se abstrai a concretude das ações e resultados de uma imensa maquinaria apocalíptica.

Quem “informa” o mundo hoje, lhe dando o formato principal, é um sistema de extração, expoliação e direcionamento do comportamento humano226. Engbloba o que Enzensberger (2003) chamou de “indústria da consciência”, assim como do comando e do controle logístico no animal-máquina, humano-máquina e mundo-máquina. Mas que também é um sistema que necessita do extermínio tanto quanto da colonização.

Não é uma simples coincidência que haja uma enorme semelhança entre duas tecnologias aparentemente díspares: o computador e a bomba atômica227:

The two great technologies of the second world war – the computer and the Bomb – share more than a common origin in physical science. They share a common cultural space and symbolism. Information is often spoken of in nuclear terms: its half-life (as it decays like radioactive matter), it explodes if it fissions too fast, its molecular or granular quality. It shares semiotic space with subatomic physics, coming in bits, flashes, bursts, and impulses, and is often treated as mental photons: the minimal quanta of the cognitive stuff.

Both the Bomb and Information, moreover, cater to our pleasure in possible apocalypse, the exhiliration moderns (so used to the thrill of the new) feel in contemplating self-destruction. The end of the quest for novelty is death, the biggest bang of them all. Berman (1982) persuasively portrays modernity as the experience of everything solid melting into air. The Bomb is a means of accelerating the turnover in the realm of matter; information, of intellect. Both help to constantly revolutionize material and intellectual means of production. Both appeal to the love of absolute novelty, to the longing for those fresh beginnings and frontiers of various sorts […] Information stands at the frontier of knowledge, while the Bomb sits at the outer edge of human history. Both are means for making the future different from the past. One stands at the latest, and the other at the last, moment of history.

How can information be compared with atomic weaponry? How can it be accused of being a means for wiping out the past? First, information (like its ancestor, sensation) inexorably decays. It resides in the “experiences” of the knowing subject, not in a fixed form in the world (it has been utterly dematerialized). Instead, information’s value is given in relation to time (its freshness or staleness) and its accuracy. New “information” does not enlarge or transform old information, but makes it obsolete. Information belongs to a very different economy than texts, which preserve meaning across all the ravages of time. When a library is thought of as containing information, then one has set up a discourse in which the obsolescence of texts is natural […] Perception is fleeting and variable […] while inscribed in some fleshly or material form – a text (Ricoeur, 1971) – it lasts. […] The resistances of texts to interpretation, and their power to engender many and conflicting readings, evaporates when they become information, the latest sensation in the eyes of the world brain. Information lacks history: it belongs only to the present moment and risks being made obsolete in the next.

Second, information minimizes the past as an influence on the present through its in-built ideology of progress. Information is the stuff of science, and science is (rightly) where this doctrine has taken strongest root.

Peters identifica corretamente que a complementaridade entre Informação e Bomba Atômica estaria no desastre nuclear e na centralização da infraestrutura de controle228:

[…] the completeness and totality of the information revolution: nuclear disaster. But it also reveals the truth of the Information Age: centralization of world control in the computer-cable-satellite communications networks used by finance, commerce, and defense […] a communications network of optical fibers will not be crippled when the Bombs go off, unlike one based on copper. The system, at least, will survive.

O Boletim dos Cientistas Atômicos de 2024, ao manter os ponteiros do “Relógio do Fim do Mundo” aos 90 segundos para a “meia noite”, também menciona as ameaças nuclear, informacional, climática e biológica, reforçando a relação entre informação, poluição e bomba/guerra229:

The dangers of AI

One of the most significant technological developments in the last year involved the dramatic advance of generative artificial intelligence. The apparent sophistication of chatbots based on large language models, such as ChatGPT, led some respected experts to express concern about existential risks arising from further rapid advancements in the field. But others argue that claims about existential risk distract from the real and immediate threats that AI poses today (see, for example, “Evolving biological threats” above). Regardless, AI is a paradigmatic disruptive technology; recent efforts at global governance of AI should be expanded.

AI has great potential to magnify disinformation and corrupt the information environment on which democracy depends. AI-enabled disinformation efforts could be a factor that prevents the world from dealing effectively with nuclear risks, pandemics, and climate change.

Military uses of AI are accelerating. Extensive use of AI is already occurring in intelligence, surveillance, reconnaissance, simulation, and training. Of particular concern are lethal autonomous weapons, which identify and destroy targets without human intervention. Decisions to put AI in control of important physical systems—in particular, nuclear weapons—could indeed pose a direct existential threat to humanity.

Não podemos descartar os cenários de escalada nuclear, que são arriscados demais pela sua dificuldade de controle, ameaçando inclusive os próprios centros administrativos e de comando-controle-expoliação-poluição do sistema colonial – para não dizer da elite pega incauta fora dos seus bunkers.

No entanto, creio que estes prognósticos, apesar de prováveis, precisam ser atualizados considerando as inovações recentes no arsenal de destruição em massa. Recentes implementos tornaram possível a existência de ataques em larga escala e de alta precisão, mais ajustados para o extermínio seletivo, como reporta Yuval Abraham a respeito dos bombardeios israelenses na Faixa de Gaza em 2023, amparados pelo uso de “Inteligência Artificial”230:

Permissive airstrikes on non-military targets and the use of an artificial intelligence system have enabled the Israeli army to carry out its deadliest war on Gaza […]

The Israeli army’s expanded authorization for bombing non-military targets, the loosening of constraints regarding expected civilian casualties, and the use of an artificial intelligence system to generate more potential targets than ever before, appear to have contributed to the destructive nature of the initial stages of Israel’s current war on the Gaza Strip

[…]

The bombing of power targets, according to intelligence sources who had first-hand experience with its application in Gaza in the past, is mainly intended to harm Palestinian civil society: to “create a shock” that, among other things, will reverberate powerfully and “lead civilians to put pressure on Hamas,” as one source put it.

[…]

According to the investigation, […] reason for the large number of targets, and the extensive harm to civilian life in Gaza, is the widespread use of a system called “Habsora” (“The Gospel”)231, which is largely built on artificial intelligence and can “generate” targets almost automatically at a rate that far exceeds what was previously possible. This AI system, as described by a former intelligence officer, essentially facilitates a “mass assassination factory.”

According to the sources, the increasing use of AI-based systems like Habsora allows the army to carry out strikes on residential homes where a single Hamas member lives on a massive scale, even those who are junior Hamas operatives. Yet testimonies of Palestinians in Gaza suggest that since October 7, the army has also attacked many private residences where there was no known or apparent member of Hamas or any other militant group residing. Such strikes, sources confirmed to +972 and Local Call, can knowingly kill entire families in the process.

[…]

From the first moment after the October 7 attack, decisionmakers in Israel openly declared that the response would be of a completely different magnitude to previous military operations in Gaza, with the stated aim of totally eradicating Hamas. “The emphasis is on damage and not on accuracy,” said IDF [Israel Defense Forces] Spokesperson Daniel Hagari on Oct. 9. The army swiftly translated those declarations into actions.

[…]

The Chief of Staff of the Israeli Air Force, Omer Tishler, told military reporters that all of these attacks had a legitimate military target, but also that entire neighborhoods were attacked “on a large scale and not in a surgical manner.”

[…]

[…] The sources understood, some explicitly and some implicitly, that damage to civilians is the real purpose of these attacks.

[…]

Intelligence sources who served in the previous operations also told […] that, for 10 days in 2021 and three weeks in 2014, an attack rate of 100 to 200 targets per day led to a situation in which the Israeli Air Force had no targets of military value left. Why, then, after nearly two months, has the Israeli army not yet run out of targets in the current war?

The answer may lie in a statement from the IDF Spokesperson on Nov. 2, according to which it is using the AI system Habsora (“The Gospel”), which the spokesperson says “enables the use of automatic tools to produce targets at a fast pace, and works by improving accurate and high-quality intelligence material according to [operational] needs.”

[…]

[…] “It really is like a factory. We work quickly and there is no time to delve deep into the target. The view is that we are judged according to how many targets we manage to generate.”

A senior military official in charge of the target bank told the Jerusalem Post earlier this year that, thanks to the army’s AI systems, for the first time the military can generate new targets at a faster rate than it attacks.

A cidade mediterrânea de Gaza em 2007, muito antes dos bombareios de 2023. Imagem em domínio público, via Wikimedia Commons.

Figure 4.11: A cidade mediterrânea de Gaza em 2007, muito antes dos bombareios de 2023. Imagem em domínio público, via Wikimedia Commons.

Gaza em dezembro de 2023, após bombardeios. Imagem da Agência de Notícias Tasnim, licenciada sob CC-BY-SA-4.0 Internacional; via Wikimedia Commons.

Figure 4.12: Gaza em dezembro de 2023, após bombardeios. Imagem da Agência de Notícias Tasnim, licenciada sob CC-BY-SA-4.0 Internacional; via Wikimedia Commons.

Peters (1988) parece ter, trinta e cinco anos antes, prenunciado esta próxima etapa da imbricação da Bomba com a Informação: o holocausto não-radiativo da enxurrada de bombas. A integração dos bombardeios com “Inteligência Artificiais” permitiu que alvos fossem selecionados com uma taxa até mais rápida do que seria possível atingí-los232:

[…] in 2014, which was the previous biggest Israeli assault on Gaza, according to sources that I’ve spoken with, the Israeli military ran out of targets after roughly three weeks. And that operation lasted for 50 days. And sources have described a sense that in previous operations, that the military just runs out of targets to bomb, and alongside that there is some political pressure or some need to continue the war, to create a victory image for the Israeli public, to work, you know, to apply more pressure. And I think this increasing use of artificial intelligence, this acceleration of target creation, in part, is a response to that problem, to running out of targets.

And what we know now from sources is that target production using these programs – one of them is called “The Gospel,” and according to sources, it does facilitate this mass assassination factory that I can get into in a moment. But the rate of creating the targets is now faster than the rate that Israel is able to bomb the targets. And in this Targets Division, according to the army’s sources, already 12,000 targets were created during this war in this Targets Division, using these artificial intelligence tools, which is too much – two times as many targets as were bombed in the entirety of the 2014 war, which lasted for 51 days.

A matéria-prima para esta seleção de alvos vem da vigilância de massa baseada no constante monitoramento da população de Gaza, obtida de diversas maneiras – incluindo fotografias aéreas, imagens de satélite e rastreamento de telefones celulares. Esta que é de fato a “Smart City” das zonas de contenção e extermínio, dos campos de concentração a céu aberto.

Além do “The Gospel” – usado para selecionar edificações a serem destruídas com base na suspeita agourítmica de serem bases de operação de militantes –, as Forças de Defesa Israelenses (IDF) também contam com pelo menos mais um sistema de “IA”, o “Lavender” – usado para marcar indivíduos e inclui-los numa “lista para morrer” (“kill list”)233:

The Lavender software analyzes information collected on most of the 2.3 million residents of the Gaza Strip through a system of mass surveillance, then assesses and ranks the likelihood that each particular person is active in the military wing of Hamas or PIJ [Palestinian Islamic Jihad]. According to sources, the machine gives almost every single person in Gaza a rating from 1 to 100, expressing how likely it is that they are a militant.

Lavender learns to identify characteristics of known Hamas and PIJ operatives, whose information was fed to the machine as training data, and then to locate these same characteristics – also called “features” – among the general population […] An individual found to have several different incriminating features will reach a high rating, and thus automatically becomes a potential target for assassination.

Somente nas seis primeiras semanas da guerra, cerca de 15.000 pessoas Palestinas foram mortas, num extermínio facilitado pelo modo de seleção de alvos usado pelo exército israelense234:

[…] the sources explained that a major reason for the unprecedented death toll from Israel’s current bombardment is the fact that the army has systematically attacked targets in their private homes, alongside their families – in part because it was easier from an intelligence standpoint to mark family houses using automated systems.

Indeed, several sources emphasized that, as opposed to numerous cases of Hamas operatives engaging in military activity from civilian areas, in the case of systematic assassination strikes, the army routinely made the active choice to bomb suspected militants when inside civilian households from which no military activity took place. This choice, they said, was a reflection of the way Israel’s system of mass surveillance in Gaza is designed.

The sources told +972 and Local Call that since everyone in Gaza had a private house with which they could be associated, the army’s surveillance systems could easily and automatically “link” individuals to family houses. In order to identify the moment operatives enter their houses in real time, various additional automatic softwares have been developed. These programs track thousands of individuals simultaneously, identify when they are at home, and send an automatic alert to the targeting officer , who then marks the house for bombing. One of several of these tracking softwares, revealed here for the first time, is called “Where’s Daddy?”

Evidence of this policy is also clear from the data: during the first month of the war, more than half of the fatalities – 6,120 people – belonged to 1,340 families, many of which were completely wiped out while inside their homes, according to UN figures. The proportion of entire families bombed in their houses in the current war is much higher than in the 2014 Israeli operation in Gaza (which was previously Israel’s deadliest war on the Strip), further suggesting the prominence of this policy.

[…]

[…] By adding a name from the Lavender-generated lists to the Where’s Daddy? home tracking system, A. explained, the marked person would be placed under ongoing surveillance, and could be attacked as soon as they set foot in their home, collapsing the house on everyone inside.

“Let’s say you calculate [that there is one] Hamas [operative] plus 10 [civilians in the house],” A. said. “Usually, these 10 will be women and children. So absurdly, it turns out that most of the people you killed were women and children.”

Abraham (2024) também reporta o quanto esse sistema é cheio de falhas, vieses e arbitrariedades, pouco supervisionado e que já está efetivamente acima na hierarquia do exército, pois suas decisões são praticamente consideradas como ordens por oficiais de baixa patente encarregados de revisá-las.

Todo este aparato extremamente impreciso está muito longe de ser uma inteligência de guerra que almeja concluir conflitos armados com o mínimo de baixas e do tipo “cirúrgico”: ele é basicamente um sistema agourítmico usado para a justificação de bombardeios quase que a esmo, quase que aleatórios, mas baseados num complexo e falho fluxo informacional na tentativa de dar um aspecto objetivo, na fria racionalidade semelhantes aos horrores computacionais perpertrados com o auxílio da “Inteligência Artificial” das empresas IBM e Hollerith/Dehomag durante o pesadelo nazista das décadas de 1930 e 1940235, apesar das diferenças entre volume de processamento de dados e corpos, assim como nos critérios de produção de alvos: ora numa racialização explícita, ora implícita e disfarçada de critérios arbitrários como filiação político-militar, mas cujo efeito prático é a limpeza étnica – ou seria mais pertinente dizer “etnificada”?

Somada à imprecisão da seleção de alvos e a uma abordagem “estatística” para lidar com falhas, um levantamento concluiu que cerca de metade das bombas utilizadas nesses bombardeios de Gaza não eram guiadas (“smart bombs”), mas sim bombas de baixa precisão (“dumb bombs”)236, o que aumenta ainda mais a quantidade de danos e assassinatos colaterais237. Por outro lado, esta nova técnica de morte ainda está em seus estágios iniciais, e seu arbítrio pode se tornar de alta resolução – na vigilância ostensiva, nos critérios de criminalização e na pontaria precisa – e de volume ainda maior.

Este “domicídio”, isto é, a destruição em massa de casas, de tetos (domos)238, foi calculado em ao menos metade de todas as edificações de Gaza239.

Estimativas preliminares também indicam que, em menos de um mês, entre o início da guerra de 2023 na Palestina, no dia 7 de Outubro, e o dia 2 de Novembro, Israel teria jogado o equivalente a duas bombas atômicas na Faixa de Gaza240:

Israel hits Gaza Strip with the equivalent of two nuclear bombs

Israel has dropped more than 25,000 tons of explosives on the Gaza Strip since the start of its large-scale war on 7 October, equivalent to two nuclear bombs, Euro-Med Human Rights Monitor said in a press release issued today.

According to the Geneva-based human rights organisation, the Israeli army has admitted to bombing over 12,000 targets in the Gaza Strip, with a record tally of bombs exceeding 10 kilograms of explosives per individual. Euro-Med Monitor highlighted that the weight of the nuclear bombs dropped by the United States on Hiroshima and Nagasaki in Japan at the end of World War II in August 1945 was estimated at about 15,000 tons of explosives.

Due to technological developments affecting the potency of bombs, the explosives dropped on Gaza may be twice as powerful as a nuclear bomb. This means that the destructive power of the explosives dropped on Gaza exceeds that of the bomb dropped on Hiroshima, Euro-Med Monitor said, noting that the area of the Japanese city is 900 square kilometres, while the area of Gaza does not exceed 360 square kilometres.

Estamos então diante de uma Nova Bomba Atômica e do Holocausto Informacional.

Esta nova bomba atômica é tão eficiente que até há dificuldade de percepção da sua capacidade destrutiva.

O efeito atômico, no caso, não é mais da reação em cadeia de núcleos formados por partículas radiativas, mas pelo atomismo da seleção de alvos específicos – prédios, casas, carros e até pessoas – e da manipulação dos átomos informacionais – os bits.

O in-tenso acoplamento entre sistemas ditos de “Inteligência Artificial” permite agora que uma máquina de guerra despeje o equivalente a várias bombas nucleares num único território, sem o risco dos efeitos da radiação nuclear. Esta é a nova Bomba Atômica, que atomiza Gaza e “nivela para baixo” (“levelling down”) territórios. Como esse tipo de bombardeio não gera o icônico e imenso cogumelo nuclear, ele não parece ainda chocar a opinião publica do exterior. Há ainda o discurso falacioso de tratar-se de um bombardeio em grande escala, mas que ao mesmo tempo é “cirúrgico”, ao passo de que não poupa civis e nem estruturas de caráter humanitário e comunitário, como mesquitas, escolas, hospitais e casas.

Para uma máquina de guerra que antes tinha capacidade instalada de bombardear mas que ficava “ociosa” pela falta de “produção de alvos”, o acoplamento com os sistema de vigilância de massa e seleção agourítmica de suspeitos agora fornece, ou “produz”, alvos em grande quantidade, permitindo um crescimento de bombardeios em escala nuclear. A capacidade de processamento informacional ainda é até mais rápida em fornecer alvos, suprindo a demanda numa taxa além do que um exército consegue bombardear.

A Informação estando como que (re-)in-formando as armas de destruição em massa. Este bombardeio e todo o morticínio de Gaza se utiliza de informação obtida por vigilância e enviesamento processado por “IA”, e apenas se sustenta com outro uso estratégico da informação, consistindo em campanhas internas – dentro de Israel – e externas de desumanização do povo Palestino e de justificação da guerra. Campanha esta que também é baseada em vieses durante o processamento de informação, que vai desde a censura, passando pela seleção de conteúdos até a produção de narrativas de guerra psicológica interna (“bombas semiológicas”).

Bombadeiro em edifícios de Gaza em dezembro de 2023. Esta grande explosão é um pequeno fragmento da Nova Bomba Atômica. Imagem da Agência de Notícias Tasnim, licenciada sob CC-BY-SA-4.0 Internacional; via Wikimedia Commons.

Figure 4.13: Bombadeiro em edifícios de Gaza em dezembro de 2023. Esta grande explosão é um pequeno fragmento da Nova Bomba Atômica. Imagem da Agência de Notícias Tasnim, licenciada sob CC-BY-SA-4.0 Internacional; via Wikimedia Commons.

Não é só de pólvora, dinamite e outros compostos químicos que se fazem bombas as bombas de hoje, assim como também de muita informação.

George Orwell comenta sobre o impacto dos armamentos massivos no texto “You and the Atom Bomb”241, especialmente com o advento da bomba atômica diminuindo as capacidades individuais e coletivas de se insurgir. Esse argumento vale igualmente para as “IAs” que possivelmente passarão a ser reguladas com a justificativa de serem perigosas – nada menos que armas de destruição em massa –, efetivamente criando um oligopólio de poucas entidades – Estados-Nação e empresas – com licença para operarem – e assim impedindo a existência de sistemas estátisticos similares sob controle popular.

A Nova Bomba Atômica feita de “Inteligência Artificial” e dinamite opera, assim como a antiga Bomba Atômica, como um deterrente contra um inimigo que também a detenha e opere dentro da razão instrumental da chamada “Teoria Matemática dos Jogos”242: na possibilidade de “Destruição Mútua Garantida” (MAD - Mutual Assured Destruction), a estratégia que garante estabilidade é estocar esse tipo de armamento, mas não usá-lo. O uso por um dos lados provocaria o uso pelo outro, o que garantiria a destruição de ambos.

Ainda não há uma arma tão poderosa e que seja tão rápida a ponto de não dar tempo para uma retaliação por parte do inimigo. Se isto houvesse, a razão instrumental talvez mudasse significativamente, e para a pior: atacar o inimigo o quanto antes, com o risco do inimigo conseguir identificar o ataque a tempo de uma retaliação: guerra instantânea de aniquilação. Em termos informacionais, já estamos próximos da produção e difusão de dados em alta frequência, mas é na materialidade das bombas que a velocidade dos foguetes ainda está baixa para a efetivação deste cenário ainda mais explosivo.

Contudo, se a Nova Bomba Atômica não vai, por si só, mudar o frágil balanço da não-destruição mútua, são nas guerras assimétricas que ela impõe sua potencial invencibilidade. Como quando o lado fraco da guerra não possui suas próprias “IAs”, mas apenas foguetes com pouca ou nenhuma capacidade de manobra – este é exatamente o caso do Hamas.

São nas guerras coloniais e nas guerras internas contra a população que a Nova Bomba Atômica produzirá terras arrasadas, incluindo aí as chamadas “guerras de proxy”, nas quais qualquer pessoa passa a ser um alvo em potencial de alta ou baixa precisão – bastando portar um dispositivo de rastreamento e vigilância permanente conhecido como “telefone celular”243.

O que é chamado de “bombardeamento informacional” então não se restringe à sobrecarga cerebral por conteúdos – o bombardeio também é literal, podendo atingir corpos de ambas as maneiras, seja cindindo suas mentes ou também seus corpos.

No caso dos bombadeiros israelenses na Palestina em 2023, o uso dos sistemas “The Gospel” e “Lavender” só foi temporariamente reduzido para economizar o estoque de bombas de Israel, sob o temor dele ser necessário para uma eventual guerra com o Hezbollah no Líbano244: a “produção” de alvos por “IA” foi mais rápida do que a capacidade de reposição do estoque de bombas. Mas esta desaceleração é temporária, pois a tendência é que a chegadas dessas “IAs” incentive o aumento da produção de bomas, especialmente as “smart bombs”. E, como Loewenstein (2023) parece mostrar extensamente, a Palestina tem sido usada como laboratório de teste e propaganda das técnicas de guerra israelense que depois podem ser exportadas para outras guerras coloniais – inclusive recebendo para isso apoio financeiro dos EUA245.

Cabem aqui algumas breves colocações sobre os conceitos de bomba e de explosão:

  • Fissão, explosão e exploração parecem dois lados do mesmo lado, dois extremos de um mesmo extremo.

  • Um lado que é do crescimento acelerado, da exponenciação… uma explosão é basicamente um crescimento mais rápido do que o suportável, a ponto de não ser possível conter a expansão

  • Um reator de fusão opera abaixo da massa crítica, numa “explosão controlada” – haveria análogo ao reator que controle o capitalismo no longo prazo? Parece que nada há além dos ciclos e anticiclos keynesianos, dos tempos de guerra (hoje cada vez mais permanente) e dos megaciclos logístico-extrativistas…

  • Assim como a radiação, a informação na nova bomba atômica opera após ter sido “enriquecida”, isto é, com a eliminação dos dados que não interessam, concentrando aqueles que serão alvos para bombardeios.

Informação já é uma Bomba desde o seu conceito, enquanto bomba semiológica; e passa agora a ser parte de um novo tipo de bomba, ainda mais destrutiva.

Esta é uma maquinaria doente e adoecedora. Uma maquinaria extracionista da expoliação e da destruição, que em nada melhora a vida dos seres, apenas aprofundando suas mazelas.

4.8 Desinformação

Difícil saber se todas essas tendências continuarão tal como aqui esboçado, pois os cenários dependes de muitas dinâmicas. Mas o que tem sido imposto é um futuro desalentador nesta seara (des)informacional. Não podemos, contudo, encará-lo como já dado e inevitável. É importante considerar tanto os escapes quanto os restos que os sistemas coloniais não processam.

Talvez precisemos seguir por outros caminhos, começando por primeiro desinformar – no sentido de não ficarmos mais reféns dos conceitos majoritários vigentes de “Informação” – para em seguida re-informar, com um conceito de informação menos estreito e com uma maneira mais envolvente – que inclua as pessoas ao invés de alijá-las. Parafraseando Chico Science e Nação Zumbi, seria por dialética para “que eu me (des)informando possa (des)informar”, e que assim possamos praticar relações que sejam mais “do nosso jeito”, como diz TC Silva.

Para isso, apontarei algumas das possíveis alternativas, singelas sugestões ainda em concepção para escapar nos ciclos viciosos e viciantes da informação, assim como as brechas que se abrem a partir dessa própria dinâmica:

  1. Desconexão.
  2. Ruído.
  3. Perversão.
  4. Reconexão.

4.8.1 Desconexão

O que há de tão bom assim para uma pessoa estar o tempo todo conectada à “datasfera”?

Uma das maneiras mais simples de não padecer da sobrecarga informacional está na limitação do regime de atenção: expor-se a uma quantidade menor de informação, ter muita seletividade, recusar o excesso e focar no aqui-e-agora246.

Assim como a escolha pela conexão, a desconexão voluntária também pode ser entendida como um privilégio.

Mas hoje, a possibilidade de desconexão está se tornando “coisa de rico”. A pobreza hoje requer conexão contínua, para checar se a cidade está viável, se dá pra pegar o trem, se o médico confirmou a consulta, para acessar serviços públicos básicos etc.

Ricos, os ricos de fato, possuem camadas e camadas de equipes e sistemas para que possam desfrutar do tempo e do sossego sem serem importunados: alguém, ou algo, está cuidado dos negócios. Mas o alguém enquanto humano não é considerado confiável, e portanto há um esforço de substituir esse alguém por uma “IA”.

Aos pobres, por outro lado, as “IAs” serão – se já não o são – oferecidas como mais um equipamento para emular tempo livre: “olá, esta é a informação de hoje para você que considero relevante”.

Nesta lógica, ou dialética, da conexão contínua e da busca por desconexão, a “IA” acaba sendo oferecida como uma aparente solução, para ricos e pobres, com diferentes eficácias. O que acaba sendo paradoxal: essas “IAs” somente se perpetuam a partir da maximização do tempo online das pessoas.

Não se trata mais somente do custo da conexão – que em geral não é gratuita. A diferença agora também está em quanto tempo de desconexão alguém pode comprar, e isto não é um plano de dados pré ou pós-pago, mas uma série de serviços permitindo uma pessoa delegar sua vida online a outrem, a proxies – procuradores informacionais.

Numa perspectiva emancipatória, contudo, uma capacidade coletiva de desconexão pode ser obtida com organização social, com mais atividades comunais – seja a contação de histórias, o resumo de notícias, a manutenção de centros comunitários etc que também operem como máquinas informacionais de um outro tipo, viabilizadoras de lutas e caminhadas. E que até pode lidar com a situação de desconexão oposta à da voluntária, que é a censura imposta pela desconexão ou supressão que pode ser dificílimo de lidar individualmente, mas que no âmbito coletivo pode ser contornada. Em síntese: romper bolhas informacionais.

4.8.2 Ruído

O ruído, visto como algo a ser superado pela teoria shannoniana da informação, também pode ser compreendido como fonte de criatividade e inventividade247.

O ruído também informa, à sua própria maneira e ao contrário dos dispositivos que buscam eliminá-lo. Mas trata-se de um novo que não é intencional e nem sempre desejável, incerto a ponto da parcimônia recomendar sua redução ao máximo.

Aqui, um outro paradoxo da Informação e do Lixo/Ruído, e que já mencionamos algumas vezes: informações tendem facilmente a um ruído de segundo nível, quando ocorre a transmissão perfeita de mensagens-lixo, de mensagens sem valor, que chegam perfeitamente mas que prejudicam ou até danificam o receptor.

É necessário apenas um único bit para negar (ou reafirmar) todas as afirmações anteriores. Um bit indicando factualidade pode ser seguido por outro negando-a, e assim indefinidamente. “Agora sim, ops, agora não, ops agora sim outra vez…”.

O ruído é relativo, quase que permitindo uma esteganografia sem fim: o que ruído para uns, é informação para outros. O que primeiramente é ruído, posteriormente pode ser tornar padrão, estatística, tão logo assim for identificado.

Mas o ruído também pode ter muito padrão e mesmo assim não ser identificado: este é o caso da criptografia, e aqui há uma grande possibilidade de escape e até quebra das lógicas viciosas.

A lógica da datasfera colonial rechaça a criptografia sob controle popular. Embora empresas e governos usem criptografia intensamente, o fazem para proteger seus dados da concorrência – seja ela de outras empresas, de “criminosos” ou outros Estados. Elas não tem interesse em dados de “usuários” que elas não possam acessar de algum modo. Se os dados estiverem cifrados, ao menos exigem que os metadados estejam acessíveis, pois estes já são suficientes para análises estatísticas.

A criptografia forte de controle pessoal e coletivo pode aumentar a segurança, a privacidade e até fornecer níveis práticos satisfatórios de anonimato em diversas transmissões de dados, sendo uma importante fonte de ruído criativo imune de apropriação pela indigência artificial das “IAs”. Mas sem se furtar à constatação de que a criptografia é ambígua e também é usada pelas camarilhas do status quo. Conspirar é cifrar, para um lado ou outro.

4.8.3 Perversão

A perversão será aqui usada no sentido latino de deposição, derrocada, derrubada, subversão248, e que até pode incluir a inversão – seja de um único bit –, para causar mudanças de entendimento que nos ajudem a pensar noutras práticas.

A começar pelo que é Informação.

Dizem que “Informação é o que a informação faz”249. Mas o que a informação faz? A informação não faz nada: a informação é mais uma relação entre atores do que um ator. Como na crítica de Morin (2005) de que informação só fazer sentido quando existem sistemas que a interpretem.

Portanto, a Informação (não) é o que ela faz – digamos que trata-se de uma afirmação simultaneamente verdadeira e falsa, portanto não armazenável num bit clássico, mas compatível com a lógica do terceiro incluído.

A informação só se forma após um fato inesperado. Aquilo que já é conhecido já está informado, já está dado.

Este In- poderia ser compreendido não somente no acepção clássica de intensificação, mas também como negação:

  • Inesperado: aquilo que já é esperado é informação? Tem mensagem? E quando o conjunto de perguntas é indeterminado, e as respostas são abertas, admitindo respostas para além do sim ou não? Ignorância realmente se mede em bits? Se informação é sobre o inesperado, haveria ao menos dois níveis de inespera: aquela dentro de parâmetros de processamento, e que está dentro de uma faixa de expectativa; e aquela que foge dessas escalas, de algo inesperado que alguém nem sabia que existia, nem solicitou, mas que no entanto apreciou ter recebido ou rechaçou veementemente.

  • Inexprimível: o inefável250 é indizível shannonianamente (exemplo de mensagem irrelevante?). Indizível em qualquer aspecto, simplesmente por ser inefável.

  • Incontrolável: informação descontrola ao controlar. Descontrole é um caso do controle: um sistema A é descontrolado por outro sistema B quando perde sua capacidade de controle. Neste caso, o sistema B, através de controle, iniciou o processo de descontrole do sistema A.

  • Indigitalizável: a digitalização é como uma cama de Procrusto: só mede aquilo que nela cabe, descartando o resto.

A Informação está despedaçada. O números de bits de informação contido numa mensagem inesperada é indeterminado, porque nunca se saberá qual é o conjunto de todas as informações que poderiam chegar.

Nesse sentido, dividir a informação em “pedaços” (“bits”) não faz o menor sentido.

Mas daí para dizer que a teoria shannoniana da informação é inútil seria como jogar a água do barco naufragando junto com a tripulação.

É importante considerar que a teoria de Shannon-Weaver posui um escopo de aplicabilidade muito limitado. Ela trata de mensagens bem definidas e específicas, e que possam ser codificadas por um conjunto de símbolos pré-definido. A informação, no contexto shannoniano, está relacionada aos arranjos de símbolos específicos usados para codificar uma mensagem.

Se a mensagem já está codificada em algum sistema simbólico – como é o caso de qualquer linguagem –, a teoria shannoniana ajuda a encontrar o conjunto de símbolos que codifica a mensagem usando a menor quantidade de “pedaços” (“bits”).

Na maioria dos casos, ainda não há una “mensagem” – no sentido desta teoria – a ser codificada.

Se a “mensagem” ainda não está codificada, isto é, há “algo” no mundo que ainda não foi enunciado enquanto “mensagem”, a teoria shannoniama fornece uma base para tal enunciação, consistindo em atribuir símbolos a partir de medições dos fenômenos que se quer comunicar, num processo tipicamente chamado de “digitalização”251.

Bit, pedaço: menor unidade cognoscível numa concepção divisionista da realidade. Dividir para conquistar. O ápice do projeto atomista, de atomização e mercantilização. Nem a luz foi poupada de uma quantificação reducionista, assim como o espaço:

  • Pedaço, unidade de luz: fóton, apesar da dualidade onda-partícula.

  • Unidade de espaço: limite de Planck.

  • Unidade de tempo: será que o pensamento redutor também chegará a este ponto? Mesmo que não chega a uma partição fundamental de tempo, este já é medido e regulado de diversas outras maneiras, mas não parece ter chegado a um limite básico, ou estou mal-informado…

É preciso então uma unidade de desmedida: nit, nits: Not Information, Não-Informação, paradoxo, inconclusão. Composta pela recusa da metrificação desnecessária.

Isso toca na relação entre Informação e Linguagem, e na importância de adotar conceitos que contenham em si as mútuas afetações e vozes intermediárias nos discursos. Informação subentendendo uma formação mútua e que implique numa comunicação efetiva em várias camadas, considerando já de partida um círculo metalinguístico entre linguagem, informação e definição252:

[…] característica del concepto de información comunicacional humano, la univocidad, incita a von Weizsäcker a una reflexión sobre si el lenguaje puede reducirse a ella en el sentido del dictum de Ludwig Wittgenstein:

Todo lo que puede pensarse, puede pensarse claramente. Todo lo que puede expresarse, puede expresarse claramente.

Pero de acuerdo con von Weizsäcker, el intento de reducir el lenguaje a univocidad y por tanto a información presupone el uso del lenguaje natural no-unívoco. El concepto mismo de univocidad no puede evitar, cuando intentamos definirlo[…]: para poder definir proposiciones como verdaderas o unívocas precisamos un metalenguaje, el cual exige un metametalenguaje etc. Este círculo que es inevitable y tiene sentido,

es característico de todo pensamiento exacto. […] El hecho que se de lenguaje como información no debe olvidarlo nadie que hable sobre el lenguaje. El hecho que el lenguaje como información sólo es posible para nosotros en el trasfondo de un lenguaje que no esté transformado en información unívoca no debe olvidarlo nadie que hable sobre información. Qué es el lenguaje no está explicitado sino propuesto como pregunta desde una perspectiva determinada.

E, se na performatividade da informatividade, não quisermos ser “informativos”? No sentido econômico do termo. No sentido sucinto. No quesito objetividade. E se não quisermos ir logo ao assunto, ao ponto, comunicar somente o que julgamos necessário? E se quisermos poesia?

A matemática (shannoniana) da informação traria a promessa de um “sistema transparente de transferência de pensamentos”253. Seria essa a própria promessa de substituição da linguagem por algo ao mesmo tempo mais direto e muito mais mediado. Tanto a promessa parece não se cumprir, quanto parece que não precisamos dela.

Se aceitarmos que é a Informação que comanda, e que seríamos meros recipientes obedecendo instruções254, ou emissores, que seja, mas ainda assim somente a matéria inerte que responde a uma Informação ativa, então estaremos diminuindo nossa própria capacidade essencial de criar e pensar. Corpo, mente etc não são somente matéria inerte composta de órgãos-reflexo, são também fontes de “informação” e “ruído”.

Precisamos ir além da Informação. Além desta ideologia específica de informação, que domina tudo, que virou uma idéia hegemônica.

Podemos tentar compreender como outras culturas, tradições e experiências possuem entendimentos distintos da comunicação e das relações entre os seres.

Podemos também considerar conceitos como o de “Angelía” e a “angelética” de Rafael Capurro255, ligada à noção de mensagem.

Podemos até criar novos conceitos e entendimentos, ou reutilizar palavras existentes. Tenho pensado em Alvíssaras: boas notícias (ou notícias boas?), não necessariamente sobre acontecimentos que nos alegram, mas notícias, ou melhor, mensagens que nos apoiam politicamente, sem bombas semiológicas, sem timing pré-programado, sem dossiê de gaveta, operações psicológicas e outras armadilhas informacionais que nos forçam a adotar pautas alheias. Que viabilizem uma comunicação efetiva, no sentido mesmo da ação comum, ou comun-ic-ação, de efeitos e afetos mútuos. Que sejam diferentes da notícia-informação rival, antagonista, parasita, opressora, disruptora e disruptiva. Alvíssaras que sejam compatíveis com uma sociedade de baixa energia e alta qualidade de vida mediante uma melhor aplicação de recursos. Analogamente, uma civilização de baixa informação em relação ao que temos hoje, mas informação na medida certa para o bem viver.

4.8.4 Reconexão

Gostaria de retomar a noção de coreografia do Capítulo 3, pensando aqui numa iniciativa de re-aproximação entre música, dança e tecnologias de expressão e socialização no contexto da pauperização informacional pelas Indigências Artificiais que, além de coletarem informações, também induzem comportamentos, reconfigurando não apenas o corpo como principalmente o seu movimento.

Gleick já apontara, em seu livro sobre Informação256, que

os tambores [africanos] transmitiam informações. Em suas próprias culturas, em certos casos um tambor podia ser um instrumento de sinalização, bem como o clarim e o sino, usados para transmitir um pequeno conjunto de mensagens: atacar; recuar; ir à igreja. Mas eles [europeus] jamais poderiam imaginar que os tambores falassem.

Tambores codificam informação muito antes de Morse ou Shannon terem seus insights. A dança é uma resposta ao som do tambor e, em muitos casos, também retroalimenta a execução musical nas situações de contato direto entre quem baila e quem toca a percussão.

A dança, aliás, não precisa se resumir à pessoas em pé performando movimentos rítmicos: ela não se restringe a tipicalidades e capacidades físicas específicas, é algo que arrisco dizer que possa ser feito até na condição do corpo parado, mas com a imaginação em funcionamento, com danças ocorrendo nas nossas mentes.

Quem toca um instrumento e opera tecnologias também dança de algum modo. A dança talvez seja uma espécie de tecnologia corporal, que vai além da execução de tarefas, permitindo expressão e performatividade.

A dança e a música estão para além de algo-ritmos, exceto quando são “protocolos atrofiados”257 – por exemplo quando compostas pela mera repetição e cópia de padrões impostos, tais como nas coreografias agourítmicas.

A dança, longe de ser uma manifestação puramente “emocional’ – dicotomia existente somente para quem opera este tipo de divisão –, também utiliza diversos recursos cognitivos de noção espacial e de poliritmia que podem ser entendidos dentro do esquema de agrupamentos de Piaget258: é a partir da experimentação do sistema motor que surge o pensamento abstrato, que posteriormente pode incidir de volta nas execuções motoras.

“Inteligência Artificial” é um truísmo, pois toda Inteligência é Artificial. Inteligência é um artifício de persistência e (re-)existência, numa dança de corpos-mente implicados no mundo.

Uma reconexão emancipatória entre inteligência e informação envolve novas coreografias coletivas e a valorização de outros conhecimentos. Se não posso dançar, não é minha informação.

4.9 Oclusão

4.9.1 Compreensão

Informação não é a causa final de todos os males aqui descritos, mas um aspecto deles. É uma máquina na mente, no sentido de Cauquelin (2023), causada e causadora da explosão informacional.

O otimismo de uma Era da Informação afluente agora revela-se como projeto fracassado.

Não podemos mais depender tanto de sistemas de informação, que roubam nosso tempo, nossa atenção, nossa concentração e até nossas vidas.

Se o “Anjo da História” de Walter Benjamin pode ser entendido como um dispositivo informaciona, ou “anjo” que recebe os sinais de uma história assombrosa e assombrada pelo espectro da informação, é importante também retomar a crítica benjaminiana da própria informática259 para pensar numa alternativa composta por encontros presenciais conectados por viajantes, em redes de confiança. Ir a lugares, conversar com as pessoas, entender como estão as coisas, voltar e contar as histórias para quem não viajou.

Talvez boa parte de nós tenhamos deixado de ser viajantes contadoras de história. E grande parte nunca teve essa oportunidade. Precisamos de encontros, viagens e redes de relação de confiança que inclusive tenham baixo impacto de carbono e lítio.

Ou seja, precisamos é melhorar as trocas – comunicação, educação etc – baseadas no contato pessoal não mediado, ou não excessivamente mediado – pela aparelhagem.

Cientistas e profissionais da filosofia, dentre outros, tem tentado salvar o conceito de Informação, e até mesmo salvar o de Filosofia para não ser dominado pelo de Informação. Floridi (2008) dá um passo nessa direção ao sugerir que invertamos a questão da possibilidade de ser formulado em termos informacionais, mas sim como seria esse algo caso não tivesse um caráter informacional260:

The best way of avoiding this loss of identity is to concentrate on the first half of the definition [philosophy of information as “he critical investigation of the conceptual nature and basic principles of information, including its dynamics, utilisation and sciences”]. PI [Philosophy of Information] as a philosophical discipline is defined by what a problem is (or can be reduced to be) about, not by how the latter is formulated. Although many philosophical issues seem to benefit greatly from an informational analysis, in PI one presupposes that a problem or an explanation can be legitimately and genuinely reduced to an informational problem or explanation. So the criterion to test the soundness of the informational analysis of x is not to check whether x can be formulated in informational terms but to ask what would be like for x not to have an informational nature at all. With this criterion in mind, we shall now review some of the most interesting problems in PI

Indo na direção oposta, há até quem defenda que tudo seria informação – inclusive o tecido da própria physis –, almejando elevá-la ao Uno ontológico, isto é, à categoria ontológica raíz. Mas, ao fazerem isso, acabam por esvaziá-la que qualquer sentido – pois já não seria capaz de diferenciar o que é informação do que não é.

“Informação” é um conceito que, ao mal atingir seu ápice já se projeta para um em descenso. Ele já não informa, ele é insuficiente. Precisa ser ressignificado, ou destruído. Se não entendermos este processo, dificilmente teremos condições de pará-lo, ou de ao menos escapar dele.

É importante revalorizar a inteligência dos seres, ao contrário da tendência por equipará-la a parâmetros informáticos como inteligência, buscando assim uma comunicação efetiva que também contenha proteções contra todos esses ataques e modos de agir deletérios dentro de um mundo poluído.

4.9.2 Resumo

Um breve resumo da transformação da palavra informação seria o seguinte:

  • Da informação do mundo e das coisas para a informação da mente, momento em que informação começa a se relacionar com inteligência.

  • De informação da mente para a informação sobre as coisas. Informação e inteligência no seu máximo acoplamento.

  • Finalmente, de informação sobre para uma entidade existente por si própria, informação que, assim desacoplada de qualquer elemento material, pode ser manipulada, transmitida, recebida e sobretudo vendida: mercantilização do termo, onde informação passa a ser uma mercadoria, podendo ser recombinada, revendida, licenciada, obtida, armazenada etc. Informação e inteligência começam a se separar.

  • A informação metrificada aprofunda este processo. Aumenta a separação entre informação e inteligência: a primeira precisa ser obtida em “estado bruto” para que a segunda possa ser “extraída”. Ambos os conceitos aqui já estão diminuídos de potência e amplitude, ao mesmo tempo que tem sido considerados mais “universais” e “precisos”. Informação tem sido subdividida entre dados e a organização/factualidade/qualidade etc dos mesmos, e a inteligência como processo de classificação.

  • De processo para propriedade, e de propriedade para coisa; uma coisa que pode ser armazenada, transferida, modificada, criada. Uma coisa “especial” que aponta para outras, que indica como as outras coisas são, ou até mesmo uma coisa que seria a essência de todas as outras coisas.

  • Em cada etapa, a quantidade daquilo que se considera como “informação” se multiplica, a ponto de gerar excessos, sobrecargas, a ponto de constituir mais um tipo de poluição. Atualmente estamos neste momento de transição.

  • Informação é um conceito que foi alçado para além do de idéia, e portanto do de ideologia.

  • Ironicamente, aquilo que antes era usado para designar a formação do belo, passa a conceituar a formação daquilo que é considerado sujo, espúrio, deformado. Da forma do belo para a informação do sujo.

  • Dizer que informação virou, ou está virando lixo é, sobretudo, dizer que o efeito principal da informação é tendencialmente de uma munição que se atira num alvo e que produz o efeito colateral do detrito, das cápsulas usadas, do alvo destruído, das balas perdidas, do entulho, do refugo. Informação simultaneamente como rejeito do processo informacional e como produtora de detritos de vários tipos.

  • Esta tendência não exclui o uso da informação enquanto parte do processo do conhecimento, extraindo algum valor de “dados”/notícias/etc, mas a dificulta cada vez mais.

  • As palavras que continham em si a polissemia e a polivalência perdem a diversidade e passam a indicar aquilo que é pouco valorizado.

Complementando, que um resumo deste arremedo de metateoria da informação conteria os seguintes pontos principais:

  • Apenas uma pequena parte do Universo foi informatizada. A informação existe apenas em pequenas regiões. A informatização é um processo de marcação da e na matéria. Inclusive para as marcações feitas na (própria) mente.

  • O processo de “informatização” ocorre com “hospedeiros” – termo usado pelo amigo Chico para “data centers” – sugando o mundo pra dentro de si, produzindo desertos…

  • A teoria da informação shannoniana ofusca tanto que nos impede de pensar além.

  • Informação não necessariamente informa: bit (“pedaço”) é uma atomização limitante, e a primeira teoria da informação que conheço é de Walter Benjamin, inteligência e informação divergiram na dinâmica da vigilância/poluição, e nenhuma delas é sabedoria.

  • Este conceito prevalente de Informação se transformou numa abstração abstraída de significado, a abstração mais abstrata, a ponto de ser um invólucro que não representa nada.

  • A informatização está gerando uma ilusão de variedade num mundo cada vez mais padronizado e com modos de vida homogeneizados.

  • Este tipo de “informação” é simultaneamente a miséria da filosofia e a filosofia da miséria: colonizando o pensamento como uma entidade ontológica soberana, expulsa a pluralidade conceitual; ligada à maquinaria da dominação, produz a indigência e a destruição.

  • Precisamos evadir o quanto possível deste ciclo de “informação”, ou não teremos condições de trabalhar nas nossas próprias prioridades.

  • Importante também parar de chamar “IAs” de “Inteligências Artificiais”. É uma pequena atitude com grandes mudanças de paradigma na luta contra a colonização.

É importante tratar de problemáticas que permitam solucionáticas. As perguntas que precisamos fazer são quais são as informações e computações necessárias para que resolvamos os nossos problemas. O que requer que elenquemos e priorizemos os problemas, como por exemplo (só para nomear alguns):

  • Racismo.

  • Extermínio da população, principalmente negra.

  • Violência de gênero.

  • Encarceramento em massa.

  • Desigualdade social.

  • Catástrofe ambiental.

A crença de que “Inteligências Artificiais” devam ser usadas para a ordenar a sociedade dificilmente levará ao questionamento dos sistemas de privilégios e de exploração.

As “Inteligências Artificiais” são tecnologias muito dispendiosas e custosas para o socioambiente. Existem muitas outras técnicas menos intensivas, mais baratas, mais democráticas e que valorizam seres e ambientes, e que poderiam ser utilizadas para a solução dos nossos grandes problemas.

O conceito de inteligência precisa se referir sobretudo no campo da política, especificamente para fazer bem-viver.

Os conceitos de “Informação” e “Inteligência”, assim como quaisquer outros, não estão dados ou finalizados, apesar de toda essa dinâmica de fechamento operando sobre eles. Podem ser disputados, reconstruídos etc.

Agora é hora de sair da fôrma!

4.10 Suplementação

Esta seção é um apêndice.

4.10.2 Ocorrências da palavra fōrma

Segue um resumo da checagem inicial da estrutura de ocorrências e significados do verbete fōrma no “Thesaurus Linguae Latinae”269 Quando indicadas, as autorias referem-se à primeira ocorrência conhecida, em ordem cronológica, tipicamente a ordem em que os trechos estão dispostos nos verbetes deste dicionário, vide o Index librorum scriptorum inscriptionum ex quibus exempla afferuntur270 e o documento Article structure271 do mesmo):

  • I de rerum qualitate:
    • A de figura externa:
      • 1 sensu proprio:
        • a: de corporeis:
          • α de animantibus: Cn. Naevius (270-201 AEC).
          • β de rebus: Marcius Porcius Cato Censorius (234-149 AEC).
          • γ:
            • in universum: Varro (116-27 AEC).
            • εἶδος sensu Aristotelico: Sêneca o Jovem (4 AEC - 65 EC).
        • b de incorporeis: Varro.
      • 2 sensu limitatu: ?
    • B de habitu et ratione:
      • 1 ita ut species, aspectus significetur: Cícero (103-43 AEC).
      • 2 ita ut nom tam externus habitus aut species quam interna velut dispositio et qualitas spectetur:
        • a fere i. q. genus: Cícero.
        • b fere i. q. modus et ratio, qua res aliqua agitur: Cícero.
        • c fere i. q. ordinatio, dispositio, status: Cícero.
        • d fere i. q. natura, vis χαρακτήρ: Cícero.
        • e fere i. q. ‘Begriff’: Cícero.
  • II de ipsis rebus formatis (praeter ea exempla, quibus prevalet notio imaginis vel exemplaris:
    • A de animantibus: Cícero.
    • B de rebus:
      • 1 de corporeis:
        • a de figuris corporatis: Lucrécio (~97-55 AEC).
        • b de rebus arter quadam factis: Cícero.
      • 2 in mathematica: Martianus Minneius Felix Capella Carthaginiensis (?).
      • 3 de incorporeis:
        • a in grammatica: Varro.
        • b in rhetorica: Cícero.
        • c in jurisprudentia: Virgílio (70-19 AEC).
        • d i.q. formula certis verbis concepta: Tertuliano (fim do século II, início do século III EC).
        • e i.q. decretum imperatoris, magistratum sim: Marcus Cornelius Fronto (século II EC).
        • f in medicina: Isidoro de Sevilha (séculos VI-VII EC).
  • III prevalente notione imaginis vel exemplaris:
    • A i. q. imago ad similidudinem alicuius rei formata:
      • 1 proprie:
        • a i. q. effigies, simulacrum: Cícero.
        • b i. q. de scriptio, delineatio: T. Livius Patavinus (59 AEC - 17 EC).
      • 2 translate: Ovídio (43 AEC - 17 ou 18 EC).
    • B i. q. exemplar, ad cuius similitudinem res aliqua formatur:
      • 1 proprie.
      • 2 translate:
        • a i. q. exemplum, quod ad imitandum proponitur: Varro.
        • b fere i. q. regula, norma sim.: Cícero.
        • c i. q. ἰδέα sensu Platonico: Cícero.

Incrementos futuros deste estudo poderiam conter outras considerações filológicas e métricas, como a ocorrência cronológica do termo numa tabela/gráfico quantidade de ocorrências em função do ano/século/período estimado. Mas para isso é necessário ter acesso a um corpus completo da língua latina num formato que facilite esse tipo de análise.

4.10.3 Significação da palavra fōrma

Este apêndice elenca os significados da palavra fōrma.

  • Significados das primeiras ocorrências conhecidas da palavra fōrma272:
    • Fōrma também entendida no sentido de “fôrma”273.

    • …?

  • Significados posteriores da palavra forma:
    • …?

    • “Modo”, “maneira” (no sentido de comportamento, indo então para além das aparências).

4.10.4 Classificações dos conceitos de Informação

Aqui consta um breve resumo das várias tentativas de classificar ou unificar as teorias, conceitos e entendimentos de Informação, mostrando que não há consenso em considerar a formulação de Shannon-Weaver como “A Teoria” da “Informação”, e que muitas outras concepções e teorizações podem existir.

  • “Toward a Theory of Library and Information Science”, Alvin Marvin Schrader (1983).

  • “The domain of information science: problems in conceptualization and in consensus-building”, Alvin M. Schrader (1986), incluindo:

    • Alvin M. Schrader (1986) pág. 179:

      Auerbach [1972] noted (p. 217) at an advanced study institute on information science sponsored by the North Atlantic Treaty Organization that:

      I have listened with great care to all the fine speakers who have given very different concepts for the word information – and yet each of them has agreed that all the others are correct! What is even more confusing is that they have sometimes incorporated these conflicting definitions within their own.

      He argued that an effort be made to define fundamental concepts and that a few words be banned, “the first being information” (p. 219).

  • Classificações segundo Rafael Capurro:

    • O “Trilema de Capurro”:
      • Resumo, Capurro (2009) pág. 134:

        Some philosophers have questioned the use of the concept of information in natural sciences as a misleading analogy or as a redundant concept with regard to causality.21 Peter Fleissner and Wolfgang Hofkirchner have called this problem “Capurro‘s trilemma”, being in fact an Aristotelian one. They point to the following options:

        1. Univocity: the concept of information means the same in every context. Disadvantage: reductionism.

        2. Analogy: the concept of information has an original meaning in a specific context, for instance in human communication and can be applied only analogically to other levels of reality. Disadvantage: anthropomorphism.

        3. Equivocity: the concept of information has different meanings in different contexts. Disadvantage: Babel syndrome. Scientific discourses and theories remain encapsulated. (Fleissner & Hofkirchner, 1995)

      • Discussão:

        • “Is a unified theory of information feasible? A trialogue”, Capurro, Fleissner, e Hofkirchner (1997).
    • A classificação histórica de Capurro e Hjørland (2003) e Capurro e Hjorland (2007):
      • Usos antigos.

      • Usos “modernos” e “pós-modernos”.

      • Nas “Ciências Naturais”.

      • Nas “Humanidades e Ciências Sociais”.

      • Na “Ciência da Informação”.

    • Em Capurro (2022):
      • A classificação de Capurro (2022) págs. 273-274, por campos de aplicação.

      • A classificação de Michailow, Cernyi y Giljarevsjij, em Capurro (2022) págs. 246-247.

      • A classificação de Josef Koblitz em Capurro (2022) págs. 248-249.

  • Classificações segundo Luciano Floridi:

    • Classificação em Floridi (2008)274, listando algumas abordagens não necessariamente alternativas nem incompatíveis entre si:
      • Da teoria da comunicação.

      • Informação Algorítmica.

      • Informação Probabilística.

      • Abordagem modal.

      • Abordagem sistêmica.

      • Abordagem inferencial.

      • Abordagem semântica.

    • Classificação em Floridi (2004)275, resumida na introdução de Floridi (2016c):
      • Abordagens:
        • Reducionistas (buscam um “Ur-concept” na forma de uma “Teoria Universal da Informação”, ou “Universal Theory of Information” - UTI). Numa teoria universal da informação, esta perderia sua polimorfia irredutível a uma única forma básica, da quais todas as outras derivariam.

        • Anti-reducionistas.

        • Não-reducionistas:

          • Centralistas:
            • “General Definition of Information” (GDI).
          • Descentralistas ou multi-centralistas.
  • Classificações segundo Pieter Adriaans:

    • A classificação de Adriaans (2020):
      • Propriedades centrais:
        • Informação é extensiva (aditiva).

        • Informação reduz incerteza (e é não-negativa, vide Floridi (2019)).

      • Formalizações teóricas:
        • Qualitativas:
          • Informação Semântica.

          • Informação como o estado de um agente.

        • Quantitativas:
          • Função de Nyquist.

          • Informação de Fischer.

          • Função de Hartley.

          • Informação de Shannon.

          • Complexidade de Kolmogorov.

          • Medidas de entropia na Física.

          • Informação quântica.

    • Uma classificação útil, porém muito esquemática, em Pieter Adriaans (2008) pág. 11:
      • Informação-A: “conhecimento, lógica, o que é comunicado em respostas informativas”.

      • Informação-B: Shannoniana, probabilística, medida quantitativamente, vide

        Shannon (1948).

      • Informação-C: “algorítimica, compressão de código, medida quantitativamente”. Não é o mesmo que o Nível C descrita em Shannon e Weaver (1963).

  • Classificações em Shannon e Weaver:

    • Os três níveis de problemas da comunicação na classificação de Shannon-Weaver, sendo mais uma classificação da comunicação do que da informação276:

      Level A. How accurately can the symbols of communication be transmitted? (The technical problem.)

      Level B. How precisely do the transmitted symbols convey the desired meaning? (The semantic problem.)

      Level C. How effectively does the received meaning affect conduct in the desired way? (The effectiveness problem.)

      A informação shannoniana seria a do Nível B.

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  1. Contribuições dadas inicialmente num debate à ocasião do evento “Bifurcar: Tecnopolíticas da Retomada”, realizado na sede do Coletivo Intervozes, em São Paulo - Brasil, nos dias 8 e 9 de Dezembro de 2023 EC. Posteriormente expandidas e complementadas, ainda em estado bruto, muito incompleto e longe do que eu gostaria, inclusive em termos literários: priorizei uma linguagem menos fluida e mais didática, porém ainda bem embolada. Baseadas numa pesquisa sobre cibernética em andamento.↩︎

  2. Meu interesse pelo assunto se consolida durante estudo em andamento sobre cibernética, que me levou ao de informação. Queria entender melhor o que fundamentalmente seria informação, e conforme seguia o rastro de referências percebia o quanto as definições eram vagas e desencontradas. Um monte de teorias fortes assentadas sobre bases fracas. Achei muito estranho e curioso: algo deveria haver aí, não parecia mera displicência de uma ou outra autoria. Estava em todo lugar. Aquilo que começou apenas como um estudo de apoio me revelou outros aspectos, desta vez atrozes, de uma espécie de tradição informática que parece fagocitar toda a ação, especialmente o pensamento. Tenho estudado o tema, lentamente, ao longo de alguns anos. A urgência dos tempos e dos debates, assim como a violência em que a informatização tem sido imposta, me fez compilar este texto o mais rápido que pude. Em co-autoria com o Erro, numa parceria involuntária que estimula o debate. Muita coisa ficou de fora, mas também muita ficou para dentro. Muitos rabiscos à margem. Excesso de citações. Techos não traduzidos. Cadência escalafobética. Muitas minúcias e detalhes podem soar desnecessários, mas preferi neste momento pecar pela abundância de conteúdo até achar a dose certa, o que soa irônico e sintomático de um texto tratando dos excessos da Informação.↩︎

  3. Saravá (2008)↩︎

  4. Peters (1988) pág. 10.↩︎

  5. Um exemplo é a famosa passagem do cibernético Norbert Wiener,“Information is information, not matter or energy. No materialism which does not admit this can survive at the present day”, Wiener (1961) pág. 32.↩︎

  6. Capurro (2022) pág. 32.↩︎

  7. Information taking over, Floridi (2008) pág. 116.↩︎

  8. Tal como apontado no prefácio de Capurro (2022).↩︎

  9. Seguiremos a linha esquemática de Peters (1988)28, e esboçaremos alguns estágios principais do termo informação.↩︎

  10. Daí talvez a origem do sentido atual da palavra “plano”, oriunda possivelmente geometeria para em seguida designar um roteiro para produção de algo.↩︎

  11. Capurro (2022) págs. 46-51.↩︎

  12. Beekes (2010) págs. 1518-1519.↩︎

  13. Segundo Capurro (2022) págs. 47-48, typos (τύπος) viria de typto (τύπτω, “que significa “empujar, pinchar, golpear con un arma, un palo o algo semejante”“), e teria sentidos como impressão, marca, in-formação, tabula rasa.↩︎

  14. Esta raíz é descrita em ADSOQIATION (2007) nas págs. 2961-2965.↩︎

  15. Isto é, posterior ao século VII AEC.↩︎

  16. Beekes (2010) págs. 969-970; também em Meyer (1901) pág. 405.↩︎

  17. Beekes (2010) págs. 379-380.↩︎

  18. Beekes (2010) pág. 577.↩︎

  19. Andrews et al. (1879) pág. 768 sugere que viria do sânscrito, “dhar-, dhar-āmi, bear; dhar-i-man”. O verbete dhara de Monier-Williams (1872) pág. 449 indica: “Dhariman, […] a balance, a pair of scales, a weight; form, figure, semblance”. A conexão com dhar-i-man também consta em Corssen (1863) pág. 169 e em Curtius (1869) pág. 241, e é referenciada no verbete forma de Walde e Hoffmann (1938) pág. 531, associada à raíz (proto-)indo-européia \(*dher-\) no sentido latino de ferē, firmus, frētus; outra conexão elencada pelo mesmo dicionário seria à raíz \(*bhrgh-ma\), de “brāhman” no sânscrito e eventualmente flāmen (“padre”) no latim. ADSOQIATION (2007) págs. 689-690 nos indica que \(*dher-^{2}\) significaria “segurar”, suportar, e seria a base das palavras latinas de ferē (“perto”, “quase”, “próximo”, firmus (“firme”, “forte”) e frētus (“contando com”, “confiando em”).↩︎

  20. Essa teoria é tão antiga quanto pelo menos o estudo da língua grega feito por Janus Lascaris (~1445-1534 EC), vide Lamers (2019) pág. 40. Glare (1968) págs. 722-723, também indica que fōrma talvez tenha vindo da palavra grega μορφή (morfé). Essa etimologia também é dada em Beekes (2010) pág. 970, e mencionada em Capurro (2022) pág. 46 nota 49. A passagem do grego para o latim teria ocorrido por uma mediação do etrusco (do grego para o etrusco, do etrusco para o latim). Outras referências aventam o termo indo-europeu reconstruído _*morma_ como uma tentativa de aliar morfé com fōrma: em Vaan (2008) págs. 233-234; no dicionário etimológico conhecido como “WH”, Walde e Hoffmann (1938) págs. 530-531.↩︎

  21. Walde e Hoffmann (1938) pág. 531. Referências sobre \(bher-^{3}\) em Pokorny (1959) págs. 133-134; e em ADSOQIATION (2007) págs. 412-413: “English meaning: to scrape, cut, etc. […] Lat. feriō , -īre “ to strike, knock, smite, hit; esp. to strike dead, slay, kill; colloq., to cheat “ (see also WH. 1481 to ferentürius “ a light-armed soldier, skirmisher “). About forma “ form, figure “ s. WH. I 530 f.”↩︎

  22. Esta conjectura também aponta para uma relação específica entre forma e beleza, e que parece ter aportado em algumas, senão muitas, filosofias nas quais as formas essenciais seriam necessariamente belas. Não haveria então lugar para formas que assim não fossem consideradas, já que o belo seria inseparável da forma, ou então o belo teria que ter sua forma específica, distinta de outras.↩︎

  23. Em Warmington (1936) págs. 112-113.↩︎

  24. Trecho também disponível em Seckel e Kübler (1908) pág. 2.↩︎

  25. Moldar, formō, Glare (1968) págs. 723-724.↩︎

  26. Calor, ou formus em latim45, pode ser relacionada ou ter vindo do grego θερμός (thermos) ou do sânscrito gharma.↩︎

  27. Forno, no latim furnus, Glare (1968) pág. 749; também fornax, Glare (1968) pág. 724. Em Kayachev (2020) págs. 121-122 há uma discussão relevante sobre a etimologia da palavra furnus: “The reliability of Donatus’ testimony might not be beyond doubt, but etymological considerations suggest that ‘heat, fire’ or ‘embers’ is indeed the original meaning of furnus. Latin furnus (fornus) derives from the widely attested Indo-European root \(*g^{wh}er-\) denoting warmth (\(*g^{wh}r-no-\)), or less likely \(*g^{wh}or-no-\)), and analogous formations in other Indo-European languages can mean ‘heat’, ‘fire’, or ‘embers’.[14] For instance, Sanskrit \(ghrṇá-\) (\(*g^{wh}r-no-\)) means ‘heat’ […] (*g wh rē-ns-o-). 17 All this would seem to suggest that the meaning ‘oven’ shared by Latin furnus and Slavic _*gъrnъ_ is the development of the more elementary concrete meaning ‘red-hot matter, burning coal’ (as distinct from ‘open fire, flame’?). Donatus’s testimony is therefore likely to reflect real linguistic facts, implying that furnus actually preserved the original meaning ‘heat, fire’, or even ‘embers’, alongside ‘oven’.[18] […] 18 We may compare the cognate adjective formus ‘warm, hot’, which likewise is only attested by ancient grammarians”.↩︎

  28. Fogueira, do latim focus, Glare (1968) pág. 718; Vaan (2008) págs. 228-229.↩︎

  29. Hesíodo (2009) versos 60-64 págs. 26-27.↩︎

  30. Como explica Warmington (1936) págs. 112-113: Acrisius, King of Argos, in fear of an oracle which declared that the son of his daughter Danae would slay his grandfather, imprisoned Danae in a dungeon underground or in a brazen tower. In spite of careful watch kept by Acrisius, Danae was visited by Jupiter (or, according to one version, Proteus her uncle) in the form of a shower of gold, and gave birth to Perseus.↩︎

  31. Capurro (2022) págs. 46-47.↩︎

  32. Peço desculpas de antemão por citar excessivamente Capurro (2022), mas minha priorização atual me impede agora de resumir os trechos ou descrevê-los com minhas próprias palavras, o que posso fazer assim que for favorável. De todo modo, que seja uma maneira de valorizar o importante trabalho de Rafael Capurro.↩︎

  33. Capurro (2022) págs. 47-48.↩︎

  34. Capurro (2022) págs. 48-49.↩︎

  35. Capurro (2022) pág. 50.↩︎

  36. Capurro (2022) pág. 50.↩︎

  37. Capurro (2022) pág. 51.↩︎

  38. Capurro (2022) págs. 51-54.↩︎

  39. Capurro (2022) págs. 54-58.↩︎

  40. Segundo Capurro (2022) pág. 51.↩︎

  41. Capurro (2022) págs. 56-59.↩︎

  42. Capurro (2022) págs. 59-63.↩︎

  43. Capurro (2022) págs. 63-64.↩︎

  44. infōrmo (verbo): ref. TLL (2019b) pág. 1477. Seria, segundo Glare (1968) pág. 903, sobre “dar forma”: “To form in the mind (ideas, esp. rough ones)” vulgo “fazer a cabeça”; “To mould (a person, his mind) by instruction”.↩︎

  45. infōrmātio (substantivo): ref. TLL (2019b) pág. 1473; formação (de uma ideia), concepção”, Glare (1968) pág. 903.↩︎

  46. informis: Glare (1968) pág. 903.↩︎

  47. Capurro (2022) pág. 76.↩︎

  48. Exposição de Capurro (2022) pág. 67; também bem resumidos nas tabelas: “Origen etimológico e histórico de los conceptos griegos que fueron traducidos con informatio / informo en latín” de Capurro (2022) pág. 69.↩︎

  49. ὑποτύπωσις (hypotyposis)Capurro (2022) págs. 67-68 – deriva de τύπος (typos): ὑποτύπωσις (hypotyposis) es usado […] en sentido pedagógico o ético] […] τύπος (typos) tiene el significado de ejemplo en sentido pedagógico, lo que muestra la relación etimológica e histórica entre el origen griego y el concepto de información […] el sustantivo ὑποτύπωσις (hypotyposis) no aparece ni en Platón ni en Aristóteles pero sí el verbo ὑποτυπόω (hypotypoo), que Platón usa en sentido organológico (formación de las uñas) y Aristóteles en el sentido de esbozo verbal. En ambos sentidos se usa también el concepto de información en latín […] El verbo ὑποτυπόω (hypotypoo) se deriva también de τύπος (typos) y es usado tanto en sentido artificial de grabar como en sentido pedagógico de imprimir una enseñanza en el alma.↩︎

  50. ἐντυποῦν (entypoun)Capurro (2022) págs. 67-68 – também deriva de τύπος (typos): Archelaus (siglo V d. C.) traduce ἐντυποῦν (entypoun) como informo en el sentido de grabar letras en la piedra, y Rufinus (345-410 d. C.) usa informo, como ya indicamos, para traducir el término término ἐντυποῦται ταῖς ψυχαῖς (entypoutai tais psychais), en sentido de imprimir o in-formar una doctrina en la mente.↩︎

  51. διάταξιν (diataxin)Capurro (2022) pág. 68: Chalcidius (siglo IV-V d. C.) traduce el concepto platónico de διάταξιν (diataxin) (Tim. 42e), es decir, ordenamiento u orden, como informatio. El término διάταξιν (diataxin) se refiere también a la ordenación de tropas militares y de los elementos en el universo. Estos momentos de ordenar, formar y presentar, que son propios tanto de διάταξιν (diataxin) como de τύπος (typos), aparecen también en los sentidos artificiales y pedagógicos del concepto de información.↩︎

  52. χαρακτηρισµός (charakterismos)Capurro (2022) pág. 68: la descripción del comportamiento de una persona, que se designa con el término χαρακτηρισµός (charakterismos), el cual fue traducido mediante informatio. En este contexto hay que recordar que el concepto de forma también se usa como traducción de χαρακτήρ (charakter) (forma de ser).↩︎

  53. μανθάνω (manthano) e πείθω (peitho)Capurro (2022) pág. 68: varios conceptos pedagógicos y retóricos fueron traducidos por medio de informatio / informo. Así, por ejemplo, Dionysios Exiguus (ca. 500-545 d. C.) traduce μανθάνω (manthano) (aprender) y πείθω (peitho) (persuadir) mediante informo.↩︎

  54. πρόληψις (prolepsis)Capurro (2022) pág. 69: Con respecto al concepto de πρόληψις (prolepsis), se trata de un concepto fundamental de la epistemología de Epicuro (341-270 d. C.) y denota las representaciones de las formas externas μορφή (morfé) de los objetos. Cicerón (106-43 a. C.) traduce πρόληψις (prolepsis) como informatio, pero informatio tiene también el sentido de conocimiento de la esencia (εἶδος, eidos, ἰδέα, idea) de los objetos representados.↩︎

  55. Capurro (2022) pág. 75-81↩︎

  56. Capurro (2022) pág. 98.↩︎

  57. Capurro (2022) pág. 75; enunciação similar também em Capurro (2022) págs. 81-82.↩︎

  58. Polt (2015) pág. 186↩︎

  59. Capurro (2022) págs. 70-73.↩︎

  60. Vale indicar uma ambiguidade em toda essa conceituação originária de forma, que pode tanto indicar forma aparente como essência.↩︎

  61. Teorias sobre formas podem ser construídas de muitas maneira. Aqui, um breve caminho argumentativo, dentre muitos, para construir algumas delas: Partimos constatando a semelhança entre as coisas, e afirmamos em seguida que, havendo semelhança, há algo em comum. Mas esse comum estaria onde? Nas coisas mesmo? Na nossa cabeça? Em nenhum lugar? Numa existência à parte deste mundo? Dependendo de como respondemos essas perguntas, desaguaremos em diferentes teorias possíveis do comum, cada uma com suas particularidades e complicações. Este comum entre as coisas pode ser chamado de forma. Haveria algo em comum entre todas as teorias das formas, ou seja, haveria uma forma das formas?↩︎

  62. Um exemplo destas teorias está no texto Timeu, em Platão e Gregory (2009).↩︎

  63. Peters (1988) págs. 10-11.↩︎

  64. Capurro (2022) pág. 33.↩︎

  65. Vide por exemplo Sklar (1993) Cap. 4 pág. 128.↩︎

  66. Capurro (2022) pág. 146.↩︎

  67. Vale ressaltar aqui que por “inteligência” estamos nos referindo à noção contemporânea. Ao menos neste momento não estamos fazendo um resgate genealógico-etimológico dos conceitos de inteligência.↩︎

  68. Peters (1988) pág. 12.↩︎

  69. Peters (1988) págs. 12-13.↩︎

  70. Vale uma checagem adicional nos dicionários (etimológicos) sobre a situação verbal/adjetiva/substantiva dessas palavras ligadas à forma.↩︎

  71. Capurro (2022) pág. 160.↩︎

  72. Peters (1988) págs. 14-16.↩︎

  73. Glare (1968) pág. 651.↩︎

  74. Peters (1988) pág. 17.↩︎

  75. Checar por exemplo “Hyperhistory, the Emergence of the Mass, and the Design of Infraethics”, Floridi (2016a), Floridi (2016b); “The Fourth Revolution: How the infosphere is reshaping human reality”, Floridi (2014); “Floridi/Flusser: Parallel Lives in Hyper/Posthistory”, Galanos (2016).↩︎

  76. Bawden e Robinson (2021) pág. 1.↩︎

  77. @Capurro (2022) pág. 174.↩︎

  78. Peters (1988) págs. 17-18.↩︎

  79. Capurro e Hjørland (2003) pág. 368; Capurro (2022) págs. 31 e 213. Ver também sobre a teoria da ”Informação Semântica”, Bar-Hillel e Carnap (1953).↩︎

  80. Peters (1988) pág. 17.↩︎

  81. Vide Floridi (2004) págs. 40-42.↩︎

  82. Floridi (2019).↩︎

  83. Capurro e Hjørland (2003) pág. 347.↩︎

  84. Whitehead (1979) pág. 39.↩︎

  85. Isso pode ser constadado desde suas origens gregas: em typto, há transformação a partir da ação de martelar etc para a coisa martelada, o que é consolidado em typo; e em morphé, eidos e idea, com o agrupamento de seres a partir de sua aparência, extraindo um “comum” como sendo uma “imagem” original a partir da qual todos teriam sido moldados, fabricados, confeccionados, derivados etc.↩︎

  86. Como exemplo, há a controvertida tradução e interpretação do conceito epicurista “prolepsis” – uma espécie de conhecimento inato, mas que não seria exatamente o que hoje chamamos de instinto – feita por Cícero, vide Capurro (2022) pág. 100; também em Capurro e Hjørland (2003) pág. 352 e Capurro e Hjorland (2007) pág. 156.↩︎

  87. Vide Peters (1988).↩︎

  88. Capurro (2022) pág. 98.↩︎

  89. Benjamin (2007) Cap. “The Storyteller”.↩︎

  90. Benjamin (2007) pág. 89.↩︎

  91. Benjamin (2007) pág.90. Fazendo um paralelo rápido, Gramsci talvez tivesse a mesma percepção sobre a informação noticiável, e dela fazia uso tático, vide a Introdução de Gramsci (1999): Convidado por um editor amigo, antes da prisão, para reunir em coletânea alguns desses artigos, Gramsci se recusou a fazê-lo, alegando que, tendo sido escritos “para o dia-a-dia”, tais artigos eram destinados a morrer “tão logo se encerrasse o dia”. O presente texto também foi escrito no calor do momento, mas na vontade de que resista a ele, uma intenção que dificilmente será efetivada. Escrito como panfleto mas cozido lentamente, tende igualmente a arder no fogo dos tempos.↩︎

  92. Kamp e Stokhof (2008) pág. 103.↩︎

  93. O excesso de informação é brilhantemente abordado no conto “The Sixth Sally, or How Trurl and Klapaucius Created a Demon of the Second Kind to Defeat the Pirate Pugg”, de Lem (1974).↩︎

  94. Para fins provisionais, entendamos “lixo” como o indesejável que é descartado, ou aquilo que ainda não se sabe o que fazer, aquilo que se descarta sem extrair valor (descarte, refugo). Mas que outro alguém possa “minerar” para extrair valor e com custos cada vez mais crescentes. Mesmo a reciclagem, vista como um processo restaurador e limpante, tem um grande custo de realização. Quando mais algo estiver “lixificado”, maior o custo de extração de algum valor, a ponto de que possa demandar mais custo de processamento do que valor obtido.↩︎

  95. No inglês diz-se Artificial Intelligence - AI.↩︎

  96. Falleiros (2024a) mostra como, longe de realizar um “projeto leibniziano de liberar o juízo”, as “Inteligências Artificiais” de hoje escondem novas velhas formas de exploração e alienação do trabalho humano, numa deprimente relação parasitária entre “máquinas aprendizes” e “humanos atarefados”. Versão resumida em Falleiros (2024b).↩︎

  97. O documentário “The Cleaners” – Block e Riesewieck (2018) – é um ótimo exemplo da classificação feita por humanos de informação enquanto seleção em meio a um lixo informacional, atividade insalubre e com sérias consequências psicológicas.↩︎

  98. Ao mesmo tempo que se contrapõe, “Inteligência” se alimenta de “Informação”, algo ilustrado por exemplo pela prática chamada de “Open Source Intelligence” / “Inteligência de Fonte Aberta” (OSINT).↩︎

  99. Vide Cap. 3.↩︎

  100. Floridi (2004) pág. 52.↩︎

  101. Um texto excelente sobre o assunto é “Information Overload: An Overview”, de Bawden e Robinson (2021).↩︎

  102. Gleick (2011) Cap. 15.↩︎

  103. Em “The dark side of information: overload, anxiety and other paradoxes and pathologies”, Bawden e Robinson (2008) enumeram alguns dos problemas adquiridos: “loss of identity and authority, emphasis on micro-chunking and shallow novelty, and the impermanence of information”.↩︎

  104. Jankel e Morton (1987). Max Headroom é a representação de uma “Inteligência Artificial” tornada âncora televisiva, irônica, sarcástica e caricata.↩︎

  105. Elis e Robertson (1998) págs. 20-21; também em Elis e Robertson (2009) págs. 118-120.↩︎

  106. Gibson e Longo (1995). Resumindo a história, para quem não quer passar pela sobrecarga e surpresa de assistir: o filme mostra um mundo não somente sobrecarregado de informação como sobrecarregado de tecnologia, ambas basicamente na forma de lixo. Johnny está sobrecarregado informacionalmente… e o conteúdo desta sobrecarga é… a própria informação da cura da doença causada pela sobrecarga!↩︎

  107. Gibson e Longo (1995), aos aproximadamente 00:48:00 da versão japonesa.↩︎

  108. Maffei (2014b) e Maffei (2014a).↩︎

  109. Maffei (2014a) pág. 103.↩︎

  110. Maffei (2014a) pág. 94.↩︎

  111. Notificação nem sempre significa ou significou algo positivo, haja vista as notíficações de oficiais de justiça.↩︎

  112. Wilder (1951).↩︎

  113. T. Silva (2022) págs. 49-50.↩︎

  114. Doomscrolling, Lovink (2022).↩︎

  115. Morin (2005) - Terceira Parte - Cap. 2 - Seção 5 - Nota de Rodapé 6, pág. 440. Ou, no original de Brillouin (1962) pág. 294: The very small value of the negentropy corresponding to rather large amounts of information is the fundamental reason why transmission of information is usually so inexpensive. Writing, printing, and electrical communication cost very little in entropy units. Their cost in dollars is correspondingly low. Modern life is based on these facts, and would be completely different in a world where the negentropy of information had a larger value.↩︎

  116. Temas a serem também tratados ao longo de outro trabalho em andamento sobre o espectro do que temos considerado como “tortura”.↩︎

  117. A questão da reprodutibilidade e da preservação tem vários meandros, porém os arquivistas do cinema sabem que o “digital” provou ser um ótimo suporte de difusão, e um péssimo para preservação, cujos detalhes estão no relatório “O Dilema Digital” – The Science and Technology Council of the Academy of Motion Picture arts and Sciences e Cinemateca Brasileira (2009). O “digital” parece, num relance, totalmente desprovido de suporte material, mas enquanto conteúdo é o que mais depende de equipamentos sujeitos à obsolescência industrial.↩︎

  118. Polt (2015) pág. 186.↩︎

  119. Seções 4.6.1 e 4.6.2.↩︎

  120. Shannon e Weaver (1963). Não é a intenção aqui em detalhar a teoria shannoniana da informação, mas apenas fazer um breve resumo, pontuar alguns elementos e tentar definir os conceitos de uma maneira um pouco menos evasiva e indefinida tal como apresentados por Shannon e Weaver. As críticas à teoria shannoniana aqui colocadas não são dirigidas especificamente a Claude Shannon, que parece ter sido uma pessoa bem interessante, mas sim a processos sociotécnicos hegemônicos amparados pela metrificação informacional.↩︎

  121. A palavra inglesa bit também alude a “pedaço” de informação, agora dividida em partes tão pequenas quanto possível. Alternativamente, poderíamos usar uma medida um pouco mais vaga porém talvez mais fácil de compreender: a quantidade de palavras numa mensagem, porém não há uma relação definida entre a quantidade de palavras em qualquer linguagem e a quantidade de bits (ou escolhas binárias) necessária para codificá-las.↩︎

  122. Pretendemos tratar e re-des-construir o conceito de Entropia e suas relações com Informação num outro estudo.↩︎

  123. Diria até que tudo o que não está codificado desta maneira, ou que não seja passível desse tipo de codificação, não é informação no sentido shannoniano, nem pode assim ser informatizado. Um informacionalista provavelmente retrucaria, dizendo que tudo já está codificado de alguma maneira, só depende de descobrirmos quais são os alfabetos utilizados, o que acaba por recair numa doutrinação das formas.↩︎

  124. Corpus literários, isto é, coleções completas de textos antigos.↩︎

  125. The Global Datasphere is a measure of all new data that is captured, created, and replicated in any given year across the globe.”, Reinsel, Gantz, e Rydnin (2018) pág. 27. Este termo parece ter sido inspirado no conceito de “noosfera” (neologismo a da palavra grega νόος, nous, relacionada à mente e ao ato de pensar), que para Vernadsky (1945) seria um novo estágio da biosfera influenciado e determinado pelos efeitos do pensamento humano, enquanto que em Teilhard de Chardin seria uma “esfera humana”, acima da biosfera, de reflexão, invenção e união consciente das almas – vide Teilhard de Chardin (1966b) e Teilhard de Chardin (1966a) Cap. “Hominização”. A palavra “datasfera” soa naturalizante, como que numa tentativa de indicar que toda essa “camada” de dados é ecológica e se harmoniza tranquilamente com outras “esferas” tais como a biosfera, atmosfera, geosfera, hidrosfera, ou até ecosfera. Mas, como veremos na Seção 4.7.9, isso está muito longe ser o caso: as relações entre a datasfera e as outras se dá mais nos aspectos econômicos de exploração (oikos predatório) do que de preservação (oikos restaurativo). Além disso, o uso de “esfera” passa uma impressão de continuidade, mas a “datasfera” é descontínua, apesar de cada vez mais conectada.↩︎

  126. Lyman et al. (2000); Lyman et al. (2003); Hilbert (2011).↩︎

  127. Reinsel, Gantz, e Rydnin (2017); Reinsel, Gantz, e Rydnin (2018); Reinsel, Gantz, e Rydnin (2020), Buss et al. (2019); IDC e Seagate (2020).↩︎

  128. Como fazem essas estimativas? Ironicamente, elas são lançadas ao público sem a correspondente disponibilização dos dados utilizados. Apesar dos vários relatórios existentes, a fonte principal destes estudos recentes é a International Data Corporation (IDC), cuja metodologia para estimar o tamanho da “datasfera” é laconicamente descrito em Reinsel, Gantz, e Rydnin (2018) pág. 27: “An installed base of over 70 categories of content creation/capture devices, including embedded systems in devices like automobiles, gasoline pumps, vending machines, and kiosks, were sized by geography and industry. Content creation and capture and replication and consumption calculations were applied to this installed base of devices. The aggregation of all these calculations is called our Global Datasphere”. Também em Reinsel, Gantz, e Rydnin (2020) pág. 23.↩︎

  129. Grosso modo, “Big Tech” se refere às gigantescas megacorporações de “tecnologia da informação”.↩︎

  130. In Faustino e Lippold (2023) pág. 18.↩︎

  131. Barnett Jr. (2016)↩︎

  132. IDC e Seagate (2020) pág. 10, ao mesmo tempo em que afirma, confusamente, que uma pesquisa revelou o total de dados empresariais como sendo de 2,02PB em 2020, na pág. 7.↩︎

  133. Duncan et al. (2024) pág. 5; baseado em Rydning (2023).↩︎

  134. IDC e Seagate (2020) pág. 14.↩︎

  135. Reinsel, Gantz, e Rydnin (2017); Reinsel, Gantz, e Rydnin (2018); Reinsel, Gantz, e Rydnin (2020) pág. 7.↩︎

  136. Neste aspecto, houve um aumento da centralização topológica da principal rede datasférica, a Internet. Talvez somente em seus primórdios que tenha havido uma descentralização da topologia em diversos níveis. O que houve desde sua abertura comercial foi um processo de capilarização que, aliado a protocolos de comunicação distribuídos (como o BGP e TCP/IP), criou algumas possibilidades de comunicação e organização descentralizadas que hoje convergem mais e mais ao modelo centro-periferia. Isso também representa a consolidação do modelo clássico dos processos formativos: existem centros que detém os modelos de comportamento que são irradiados, numa espécie de broadcast comportamental. Enquanto alguns protocolos são distribuídos – como o TCP/IP para transmissão de dados e o BGP para roteamento –, a topologia é descentralizada porém há concentração ontológica – como o DNS para a gestão de domínios e as chamadas Autoridades Certificadoras para autenticação das pontas – assim como de dados e processamento.↩︎

  137. Kemp (2024).↩︎

  138. Reinsel, Gantz, e Rydnin (2020) pág. 2. Soa estranhamente como os versos inscritos no Anel Um do romance “O Senhor dos Anéis”, Tolkien (sd): “Um anel para a todos dominar, um anel para os encontrar, um anel para a todos prender e nas trevas os reter na Terra de Mordor onde moram as Sombras.↩︎

  139. Cohen (2010) págs. 20-21: “In January 2002, DARPA [Defense Advanced Research Projects Agency] established the “Information Awareness Office” (IAO) to direct the “Total Information Awareness” (TIA) project. The IAO’s mission was to “imagine, develop, apply, integrate, demonstrate and transition information technologies, components and prototype, closed-loop, information systems that will counter asymmetric threats by achieving total information awareness.” In other words, it sought to create a giant network of integrated computer technologies for intercepting, storing, searching, monitoring, reading, and analyzing all private, computerized records of 300 million Americans (not to mention the electronic traffic generated by millions of foreign users).” Supostamente esse programa teve financiamento interrompido pelo Congresso estado-unidense, mas foi transferido da DARPA para a NSA, onde possivelmente continuou sendo ampliado. Independentemente disso, o termo “Total Information Awareness” define o ethos da coleta e processamento de toda informação disponível.↩︎

  140. Das poucas estimativas que temos sobre a capacidade de armazenamento da NSA, há uma especulação de 2013 de que um dos seus centros de dados teria capacidade na escala dos exabytes, vide Hill (2013).↩︎

  141. “Contratos” que Zuboff (2019) chama de descontratos (uncontracts), pela unilateralidade, assimetria de condições e impossibilidade de negociação.↩︎

  142. Deleuze (1992)↩︎

  143. Indivíduos ou divíduos, isto é, uma pessoa dividida e endividada, na terminologia deleuziana.↩︎

  144. Muitos núcleos e partes da borda da datasfera também são designados como “nuvens” (clouds), ou mesmo “A Nuvem” (The Cloud), em referência à grande quantidade de computadores que comporiam um imenso parque computacional onde dados são armazenados e computados. “Nuvem”, neste caso, é um termo que mascara a fisicalidade desses grandes silos informacionais e aliena a existência de computadores como elementos fundamentais do processamento de dados. Os termos “nuvem computacional” (cloud computing), “nuvem de dados” (data cloud), “armazenamento em nuvem” (cloud storage) etc fazem parte de um jargão mercadológico para tornar atrativa a “hospedagem” de informação em data centers corporativos, como se ela fosse um local miraculoso de baixo custo onde os dados estão sempre disponíveis. Chega a ser irônico que um termo da meteorologia seja usado por uma indústria que colabora ativamente com o agravamento da crise climática.↩︎

  145. McLuhan e Lapham (1994). Não é que só o meio é a mensagem. O meio também tem sua mensagem, e esta tem ganho mais preponderância, mas essa máxima mcluhiana não parece universal.↩︎

  146. O conceito de energia é outro que também precisa passar por uma desconstrução, o que talvez faremos em momento oportuno.↩︎

  147. Um Wh (Watt-hora) mede a energia gasta por uma máquina de \(1W\) operando por uma hora. Se operar durante um ano consecutivo, esta máquina gastará \(24 \times 365 Wh = 8760 Wh\)/ano, isto é, \(8,760 kWh\) (kilowatt-hora) ao ano. As grandezas de kilo, mega, tera etc seguem uma lógica semelhante de Unidade e Abreviação da Tabela 4.2, mas para Watts ao invés de bytes. A relação entre Watts consumidos e bytes processados não é linear, e depende da eficiência energética dos equipamentos.↩︎

  148. Monserrate (2022) Seção “Cloud the Carbonivore”.↩︎

  149. Monserrate (2022).↩︎

  150. Monserrate (2022).↩︎

  151. Confunde-se uma espécie de plasticidade maquínica com “aprendizado de máquina”.↩︎

  152. Monserrate (2022).↩︎

  153. Apesar deste estudo já não ser tão recente em relação à velocidade das mudanças dos padrões de consumo, uma comparação com o “Electicity Mix” de Ritchie e Rosado (2020) indica que o total de energia elétrica fornecida em 2022 (28.668,98 TWh) está próximo do valor estimado por Andrae e Edler (2015) em seu material suplementar (26.987 TWh).↩︎

  154. Monserrate (2022) seção “Precipitations.”↩︎

  155. Ren (2023); também em Li et al. (2023).↩︎

  156. Li et al. (2023).↩︎

  157. Monserrate (2022) Seção “Immortal Waste”.↩︎

  158. Monserrate (2022) Seção “The Cloud is Not Silent”.↩︎

  159. Monserrate (2022) seção “The Cloud is Cultural”↩︎

  160. A coleta de lixo informacional eletromagnético para fins de vigilância e obtenção de “inteligência” (no sentido dos Serviços Secretos) é chamada de Signals Intelligence (SIGINT - Inteligência de Sinais).↩︎

  161. Bandara e Carpenter (2018).↩︎

  162. CNS - Central Nervous System (SNC - Sistema Nervoso Central.↩︎

  163. ADHD - Attention-deficit/hyperactivity disorder (TDAH - Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade).↩︎

  164. Separei algumas referências estarrecedoras compiladas pelo astrônomo e ambientalista espacial Andy Lawrence – Lawrence (s.d): “Impact of Satellite Constelations on Optical Astronomy and Recommendations Toward Mitigations”, por SATCON1 (2020); “Report of the SATCON2 Workshop, 12–16 July 2021”, por SATCON2 (2021); “Dark and Quiet Skies for Science and Society - Report and recommendations”, por United Nations Office for Outer Space Affairs (2021); “The Impacts of Large Constellations of Satellites”, de JASON Advisory Board (2021); “Large Constellations of Satellites: Mitigating Environmental and Other Effects”, de United States Government Accountability Office (2022a); “Satellite Licensing: FCC Should Reexamine Its Environmental Review Process for Large Constellations of Satellites”, United States Government Accountability Office (2022b); “The case for space environmentalism”, de Lawrence et al. (2022); “Satellite mega-constellations create risks in Low Earth Orbit, the atmosphere and on Earth”, por Boley e Byers (2021); “Astronomy, Doughnuts, and Carrying Capacity”, Lawrence (2023); “Potential Perturbation of the Ionosphere by Megaconstellations and Corresponding Artificial Re-entry Plasma Dust”, Solter-Hunt (2023); “Who Owns Outer Space? International Law, Astrophysics, and the Sustainable Development of Space”, por Byers e Boley (2023).↩︎

  165. United Nations Office for Outer Space Affairs (2024a); United Nations Office for Outer Space Affairs (2024b).↩︎

  166. European Space Agency (2023).↩︎

  167. Euroconsult (2022) pág. 9. Checar também Euroconsult (2021).↩︎

  168. Kessler e Cour-Palais (1978); Kessler (2009); David (2021); Kelvey (2024).↩︎

  169. Sobre a redução da visibilidade do céu noturno, checar por exemplo or artigos “Stars could be invisible within 20 years as light pollution brightens night skies”, de McKie (2023), e “Citizen scientists report global rapid reductions in the visibility of stars from 2011 to 2022”, de Kyba et al. (2023).↩︎

  170. Segundo o relatório do United Nations Office for Outer Space Affairs (2021) (págs. 16; 46; 48), até meados Maio de 2020 existiam ao menos 223 óasis de de céu escuro na Terra, totalizando uma área de 20 milhões de hectares, o que pode parece muito mas que corresponde somente à 0,14% da área terrestre que não está coberta por oceanos. Consulte Falchi et al. (2016) para um atlas da iluminação noturna, que indica mais de 80% da população mundial e mais de 99% das populações européias e estado-unidenses vivendo sob um céu com poluição lumínica.↩︎

  171. Isso ocorre dentro da chamada Tragédia do Comum – Hardin (2009) –, na qual agentes que usufruem de um recurso escasso de forma não-reguada não possuem incentivo de curto prazo para conservar a fonte comum, é mais um fenômeno algorítmico de redução da realidade: agentes que competem entre si, mas que usam um recurso comum, maximizam seus retornos se não investirem na conservação da fonte de recurso. Aquele que investir na conservação estará dispendendo recursos econômicos e portanto terá um retorno menor do que os outros. Assim, na ausência de alguma forma de regulação, a tendência é que todos os agentes retirem recursos sem que a fonte possa se recuperar. Algo semelhante ocorre com a poluição: não havendo incentivo ou regulação, agentes não se preocupam em evitá-la ou despoluir a fonte. A saída deste agourítmo é a regulação, porém existem (auto-)regulações de vários tipos: algumas autoritárias, outras participativas; de caráter moral, ou ético; etc. Existem até entendimentos que excluem a separação entre “agentes” e “recursos”, e que tendem a ser mais colaborativas, reconhecendo por exemplo que somos feitos de terra, e também a fazemos…↩︎

  172. Monserrate (2022).↩︎

  173. Monserrate (2022).↩︎

  174. Liboiron (2021) págs. 3-7.↩︎

  175. Liboiron (2021) págs. 6-7.↩︎

  176. Liboiron (2021) págs. 3-9.↩︎

  177. No âmbito da “datasfera”, este colonialismo se manifesta em seus aspectos digitais e estadísticos descritos em Faustino e Lippold (2023) págs. 25-27: “colonialismo digital […] não é metáfora, figura de linguagem ou mero discurso pautado por uma suposta dominação imaterial […] É, pois, expressão objetiva (e subjetiva) da “apropriação privada de tempos de trabalho de seres humanos afastados dos meios de produção e obrigados, assim, a sobreviverem mediante a alienação da sua força de trabalho”. […] Sua existência se materializa a partir de duas tendências. A primeira é a emergência de uma nova partilha territorial do globo terrestre entre os grandes monopólios da indústria da informação […] – partilha essa que atualiza o imperialismo, o subimperialismo e o neocolonialismo tardio ao reduzir o chamado Sul global a mero território de mineração extrativista de dados informacionais. A segunda tendência, também nomeada colonialismo de dados, é aquela que subsume cada vez mais a vida humana […] às lógicas extrativistas, automatizadas e panópticas do colonialismo digital. Não se trata, aqui, de uma simples alteração dos ritmos de vida ou mesmo da percepção humana sobre a introdução de novas tecnologias, como poderia se presumir, mas, sim, da manipulação intencional da cognição humana por grandes corporações empresariais a partir dessas tecnologias, com vistas à ampliação da acumulação de capitais”.↩︎

  178. Figura 4.4; Shannon (1948) pág. 2.↩︎

  179. Talvez fosse o caso considerar uma medida para informação que é descartável, que é lixo, que está à espera de alguém ou algo para processá-la, e chamar esta unidade não de “bit”, mas de “shit”, ou líxito binário, indicando a quantidade de lixo contida num repositório. O “shit” indica a altura da pilha (“stack”) de lixo informacional excedente, produzida, reproduzida e necessária para o colonialismo mas e desnecessária para o bem viver.↩︎

  180. Faustino e Lippold (2023) págs. 27-28; 36.↩︎

  181. Ideologias como a seita da Singularidade Tecnológica parecem aspirar a catástrofe informacional como uma espécie de transcendência autoritária que não consulta os seres extintos no processo.↩︎

  182. Já há quem aponte para o fim do ciclo capitalista, como Wark (2016) e Varoufakis (2023). Para um resumo esquemático de cenários, checar Frase (2016).↩︎

  183. De Baudrillard (1994) pág. 83: “one must realize that ”catastrophe” has this ”catastrophic” meaning of end and annihilation only in relation to a linear vision of accumulation, of productive finality, imposed on us by the system. Etymologically, the term itself only signifies the curvature, the winding down to the bottom of a cycle that leads to what one could call the ”horizon of the event,” to an impassable horizon of meaning: beyond that nothing takes place that has meaning for us – but it suffices to get out of this ultimatum of meaning in order for the catastrophe itself to no longer seem like a final and nihilistic day of reckoning, such as it functions in our contemporary imaginary”.↩︎

  184. “War In The Age Of Intelligent Machines”, De Landa (1991).↩︎

  185. Na Seção 4.7.13.↩︎

  186. Cismogênese seria um “processo de diferenciação nas normas do comportamento individual resultante da interação cumulativa entre indivíduos” – Bateson (1958) Cap. XIII; originalmente em Bateson (1935) e em Bateson (1936).↩︎

  187. Rushkoff (2022) Cap. 13.↩︎

  188. Uma dinâmica desse tipo foi ficcionalizada no filme “Transcendence” (2014) – Pfister e Paglen (2014) –, no qual um próprio grupo subversivo opositor às “AGIs” acaba agindo, neste caso involuntariamente, em prol da criação de uma. Mas, ao contrário de Musk, o grupo insurgente não padecia de uma atitude ambígua e possivelmente hipócrita.↩︎

  189. Vide Seção 4.7.4.↩︎

  190. T. Silva (2022) pág. 59.↩︎

  191. Ironicamente, os slogans de duas destas corporações são “não seja mau” e “mover rápido e quebrar coisas”.↩︎

  192. Seção 4.7.13.↩︎

  193. Com frequência, corporações de tecnologia argumentam contra a responsabilidade pública sobre os impactos de seus sistemas algorítmicos por meio de duas táticas comuns. A primeira é a ideia de que os softwares e algoritmos são “segredos de negócio” e, portanto, não poderiam ser auditados ou criticados em seus impactos. A segunda é que a colossal complexidade dos algoritmos os tornaria inescrutáveis tecnicamente para a sociedade e, em especial, para a leitura individual de milhões de linhas de código”, in T. Silva (2022) pág. 65.↩︎

  194. Enzensberger (2003).↩︎

  195. Talve este seja o caso de iniciativas como Coalition for Content Provenance and Authenticity (C2PA). Embora seja um passo importante para implementar cadeias de custódia em recursos informacionais, à primeira vista a C2PA parece muito dependente na infraestrutura X.509 de autenticação digital, tipicamente operados por uma hierarquia de Autoridades Certificadoras (ACs). Não somente reforça a concentração de poder nas ACs – às vezes criticamente referidas como um cartel – como parece não proteger contra CAs alternativas e “anti-sistema” que facilitem a legitimação de conteúdo forjado, ao menos que CAs fora do padrão não possam ser instalados em dispositivos. O uso de C2PA é opt-in, isto é, quem produz o conteúdo que decide se usará esta tecnologia. Além do sistema de “Digital Rights Management” (DRM - Gestão de Direitos Digitais), a indústria da informação também disporá de sua própria mecânica notarial para atestação de factualidade – mas ainda não se sabe o quanto e como isso será usado, ou relevante.↩︎

  196. E que aliás está mais para “se aproveitar da desorganização o mundo e das pessoas com o excesso de informação, para que vendamos a dependência no nossos serviços de organização.↩︎

  197. Notar que, aqui, o momento epistemológico do conceito de Informação – já mencionado em Capurro (2022) – ganha uma nova dimensão ao se referir também à formação e treinamento de “IAs”.↩︎

  198. Ver por exemplo “Racismo algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais”, de T. Silva (2022), do qual separamos uma breve passagem da pág. 66: “Algoritmos medeiam quais sujeitos são ou não inclusos, como são ordenados, suas hierarquias de valor ante os objetos e o capital e também situações em que vidas são consideradas descartáveis. Uma vez que vivemos em um mundo moldado pela supremacia branca, que nos últimos séculos vem se transformando em projetos de poder e violência, a partir do colonialismo material, político e científico, é preciso entender então o papel da algoritmização das relações raciais e de poder. Portanto, aqui definimos racismo algorítmico como o modo pelo qual a disposição de tecnologias e imaginários sociotécnicos em um mundo moldado pela supremacia branca realiza a ordenação algorítmica racializada de classificação social, recursos e violência em detrimento de grupos minorizados. Tal ordenação pode ser vista como uma camada adicional do racismo estrutural, que, além do mais, molda o futuro e os horizontes de relações de poder, adicionando mais opacidade sobre a exploração e a opressão global que já ocorriam desde o projeto colonial do século XVI”. Para uma breve bibliografia crítica sobre a amplificação de desigualdades promovida pelas “IAs”, consultar a lista de Pasquinelli (2023) (seção “The many histories of AI”).↩︎

  199. Anjos (1998), poema “Versos íntimos”.↩︎

  200. “Código é lei”, como indicou Lessig (2006), talvez de uma maneira ainda mais profunda se o próprio código passar a ser gerido sem a participação humana, muito menos democrática.↩︎

  201. Há, entanto, um “paradoxo da última milha da automação” – comentado por exemplo em Falleiros (2024a) pág. 174: mais automação tem gerado, curiosamente, mais trabalho humano, em geral precarizado, justamente quando se pretende eliminá-lo. De todo modo, retirando ou somente piorando o trabalho humano, o resultado desse processo tem sido degradante.↩︎

  202. Do original “if it’s not worth your time writing it, it’s not worth my time reading it”. Sigilo da fonte garantido.↩︎

  203. Já o texto, uma estranha mídia de baixa definição visual mas de alta resolução imaginativa, perde espaço e audiência. Ninguém escreve, ninguém lê: num limite bem limítrofe, texto e outras mídias virariam produções e produtos de e para as “IAs”. Se a informação passa a ser lixo para humanos, continua sendo material de sobra reaproveitável para outras máquinas, que herdarão a Informação e seu uso. Tal como historiador-robô imaginado na introdução do trabalho de De Landa (1991).↩︎

  204. Saravá (2008).↩︎

  205. De Landa (1991) págs. 120-121↩︎

  206. Although independent software objects have many functions and names (actors, demons, knowledge sources, etc.), we will call them all ”demons,” because they are not controlled by a master program or a central computer, but rather ”invoked” into action by changes in their environment. Demons are, indeed, a means of allowing a computer network to self-organize” – De Landa (1991) pág. 120.↩︎

  207. Zuboff (2019).↩︎

  208. Peters (1988) págs. 19-20.↩︎

  209. Peters (1988) pág. 20.↩︎

  210. Bulletin of the Atomic Scientists (2024).↩︎

  211. Abraham (2023).↩︎

  212. Só este nome, “The Gospel”, já diz muito…↩︎

  213. Abraham e Goodman (2023).↩︎

  214. Abraham (2024). O nome “Lavender” (Lavanda) talvez remeta à “limpeza” populacional pela matança não só das pessoas etiquetadas como alvos assim como os “assassinatos colaterais”.↩︎

  215. Abraham (2024).↩︎

  216. O Holocausto Nazista foi um genocídio amparado pela informação e pela computação, como mostra Black (2002). O Terceiro Reich utilizou amplamente a computação baseada em cartões perfurados e máquinas do tipo “holerite” da IBM para, juntamente com informações censitárias, classificar pessoas num processo de racialização viabilizador da matança que se seguiu. Para os nazistas, era fundamentalmente importante determinar com exatidão quem era e quem não era judeu – Black (2002) Cap. 3 — , o que não era somente uma questão “científica” de determinar “objetivamente” quais seriam os critérios, como principalmente de como obter informações dos indivíduos para em seguida identificá-los ou não o mais rápido possível de acordo com o algoritmo estipulado. Em países onde os dados dos censos foram processados com sucesso, mais informações foram coletadas e consequentemente mais pessoas foram localizadas, presas e exterminadas. Os grandes exemplos são a Holanda – onde o processamento total ocorreu – e a França – onde o processamento foi sabotado por René Carmille, membro da Resistência. Black (2002) – pág. 336 – dá os números finais: “Of an estimated 140,000 Dutch Jews, more than 107,000 were deported, and of those 102,000 were murdered – a death ratio of approximately 73 percent. Of an estimated 300,000 to 350,000 Jews living in France, both zones, about 85,000 were deported—of these barely 3,000 survived. The death ratio in France was approximately 25 percent”. Checar também notas esparsas e seleção de trechos em Rhatto (2018).↩︎

  217. Abraham (2024); Bertrand e Bo Lillis (2023).↩︎

  218. Vale ressaltar que o conceito de “dano colateral zero” não existe: sempre há alguma colateralidade, famílias dilaceradas, pessoas traumatizadas e outros danos irreversíveis.↩︎

  219. Porteous e Smith (2001) Cap. 3.↩︎

  220. Com base na comparação de imagens de satélite entre 05/2023 e 01/2024, UNOSAT (2024) estimou que cerca de 35% das estruturas de Gaza foram danificadas ou destruídas. Já a pesquisa de Jamon Van Den Hoek e Corey Sher usou dados de radar satelital para calcular que 54,8% dos edifícios da Faixa de Gaza foram possivelmente danificados ou destruídos entre 07/10/2023 e 09/03/2024, representando mais de 56 mil edifícios – vide Duggal, Van Den Hoek, e Scher (2024) e Van Den Hoek, Sher, e Goodman (2023).↩︎

  221. Euro-Med Human Rights Monitor (2023). Detalhes e gráficos comparativos desta escala de destruição, assim como parte do armamento utilizado (apenas as “smart bombs”), encontram-se em Duggal, Hussein, e Asrar (2023).↩︎

  222. Orwell (1945), dica de Arantes (2020).↩︎

  223. Von Neumann e Morgenstern (1972).↩︎

  224. Para uma breve explicação do funcionamento do telefone celular enquanto dispositivo de vigilância, consulte Rhatto (2017).↩︎

  225. Abraham (2024).↩︎

  226. Duggal, Hussein, e Asrar (2023).↩︎

  227. Como exemplo, as tecnologias de “Mensageria Instantânea” são nocivas na maioria das vezes. É importante desinstantaneizar a comunicação entre partes que estão distantes entre si o tanto quanto possível, deixando a comunicação instantânea para situações de emergência. Mais isso, infelizmente, tem sido uma opção para poucas pessoas. Um luxo, até. E que futuramente pode se tornar um produto de luxo, para quem possa pagar.↩︎

  228. Por exemplo em Maffei (2014a).↩︎

  229. Glare (1968) pág. 1363.↩︎

  230. “Information is what information does” / “Meaning is what meaning does” – vide Pieter Adriaans (2008), Introdução, pág. 3.. Similar ao dito de Stafford Beer sobre o propósito de uma máquina ou sistema: “o propósito de um sistema é o que ele faz”.↩︎

  231. Inefável: aquilo que não pode expresso ou ser descrito.↩︎

  232. Seção 4.7.7.↩︎

  233. Capurro (2022) pág. 260.↩︎

  234. Peters (1988) pág. 9.↩︎

  235. Notar que instrução é uma palavra que significa receber comandos, ao mesmo tempo usada como sinônimo para uma educação, talvez nos moldes autoritários.↩︎

  236. Capurro (2003).↩︎

  237. Gleick (2011) Cap. 1.↩︎

  238. Falleiros (2017).↩︎

  239. Piaget (2003).↩︎

  240. Seção 4.7.2.↩︎

  241. Floridi (2008) pág. 116.↩︎

  242. TLL (2019a) págs. 1065-1082. Referência dada também em Maltby (1991) pág. 240.↩︎

  243. Checar Demetriou (2014) e Beeson (1922) a respeito de Aelius Donatus, seus comentários e as várias “vicissitudes” na sua transmissão ao longo dos tempos.↩︎

  244. Vide Afer (1806) pág. 313; também em Afer e Fleckeisen (1897) pág. 167 e Afer (1820) pág. 373.↩︎

  245. Vide Terence (1893) pág. 309; uma outra tradução, em verso, está em Terence (1893) pág. 571.↩︎

  246. Disponíveis na íntegra em fontes como Donatus e Karsten (1913) págs. 232 e também em Donatus e Wessner (1905) pág. 378.↩︎

  247. Ernout e Meillet (2001) pág. 247. Verbete também em Ernout e Meillet (1951) págs. 439-440. Traduzido aqui para do francês para o português pela amiga Nahema Falleiros.↩︎

  248. Seville et al. (2006) I.viii.5-ix.6 pág. 45; I.xxvii.4-xxvii.20 pág. 53; X.F.99-G.112 pág. 219; X.R.235-S.247 pág. 228.↩︎

  249. Seville et al. (2006) VIII.xi.5-xi.21 pág. 184.↩︎

  250. TLL (2019a) págs. 1065-1082; verbete compilado por J. Kapp.↩︎

  251. TLL (1990b)↩︎

  252. TLL (1990a)↩︎

  253. Tais como listados no “Thesaurus Linguae Latinae”, TLL (2019a) págs. 1065-1082↩︎

  254. Como no verbete forma de Smith (1859) pág. 545: forma enquanto de fôrma (molde), no mesmo sentido da grega τύπος (afinal, trata-se de um dicionário de objetos). Também em Smith (1890) págs. 872-873↩︎

  255. Floridi (2008) pág. 118.↩︎

  256. Floridi (2004) págs. 40-42.↩︎

  257. Shannon e Weaver (1963) pág. 4↩︎